A Globo não é lixo, mas apenas muito politiqueira
Emissora se acostumou a afagar quem está no poder. Agora, ela mesma quer escolher o poder
O sonho de consumo da Rede Globo é mandar literalmente no Brasil. A implantação de uma ditadura midiática povoa o imaginário dos irmãos Marinho. Então, não basta apenas divulgar o governo de ocasião. É pouco. Uma coisa é certa. O canal sempre bajulou os eventuais moradores do Palácio da Alvorada. Noves fora Jair Bolsonaro. A tonalidade ideológica dos mandatários pouco influenciou na intensa paparicação. O icônico “plim plim” ecoou nos corredores de Brasília a vida inteira. A ostensiva subserviência iniciou nos “anos de chumbo”. E continuou na democracia.
Um coeficiente está muito cristalino nessa equação: a filosofia do maior grupo de mídia do país é real. O que vale é o faturamento de milhões de R$ em verbas publicitárias. Esse lucro não tem perfil político definido. Direita ou esquerda? Tanto faz. Dinheiro não apresenta conotação doutrinária. Nesse contexto, o vermelho do PT e o verde do Exército possuem o mesmo peso. Pouco importa. O que importa mesmo é o vil metal na conta bancária. O “contrato” funcionou eternamente assim.
E não é de ontem. A promiscuidade institucional vem de muito longe. A “festa” começou em meados da década de 1960. Por sinal, um ano depois da quartelada de 1964. Mais precisamente, em 25 de abril de 1965. Nessa memorável data, a emissora entrou no ar, às 10h45, com a exibição da atração infantil “Uni Duni Tê”. Foi a inocente avant-première da futura “todo- poderosa”.
Mas essa odisseia teve um preâmbulo muito esquisito. O parto da Globo contou com a improvável (e indevida) participação de um investidor estrangeiro. O grupo norte-americano “Time-Life” injetou seis milhões de dólares no projeto. Uma fortuna para a época. O empreendimento, porém, era completamente ilegal. Afinal, a Constituição (artigo 160) proibia o aporte de capital estrangeiro em empresas de comunicação nacional. O impasse quase inviabilizou a bizarra parceria. Mas aí entrou em campo o famoso jeitinho brasileiro. E Fiat Lux. Assim- pela primeira de inúmeras vezes- Marinho foi beneficiado por benesse do Estado. Foi apenas o capítulo inaugural de uma longa série de benefícios públicos.
Naquele tempo, os “Diários Associados” – uma criação do jornalista Francisco de Assis Chateaubriand- eram o maior grupo midiático da América Latina. Os veículos do popular Chatô lideravam a audiência. A megacorporação era formada por 36 jornais, uma revista semanal (“O Cruzeiro”), 36 emissoras de rádio e 18 canais de televisão.
A TV Globo do Rio de Janeiro (o embrião da atual Rede) enfrentou sérios problemas de consolidação. Em 1976, por exemplo, um incêndio devastou as suas instalações. O sonho quase virou cinzas.
Roberto Marinho foi um simpatizante incondicional da ditadura. Assumiu publicamente a sua opção política por meio de um emblemático editorial. O artigo foi publicado no jornal “O Globo”, em 7 de outubro de 1984, já na reta final do regime. O tempo e a oportunidade mostraram que a palavra “arrependimento” nunca fez parte do vocabulário do empresário carioca. O oportunismo, sim.
O popular “Doutor Roberto” (embora sem nenhuma formação acadêmica) afagou todos os generais que ocuparam a presidência da República. Foi íntimo de Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. O dono da Globo manteve coerência durante as duas décadas de vigência do estado de exceção. A sua fantasia predileta era o uniforme verde-oliva.
A grande imprensa brasileira- depois de certo tempo- denunciou os abusos do autoritarismo. A revista “Veja”, a “Folha de São Paulo” e até o ultraconservador “Estado de São Paulo” (popular Estadão) têm um histórico de luta pela redemocratização. Todos sofreram com a temível censura prévia. A “Vênus Platinada”, porém, foi omissa (e submissa).
E, pior. Tentou manipular a opinião pública em favor do sistema. Um significativo episódio da história recente do Brasil escancara essa parcialidade. A Globo fez tudo para esconder a presença de milhões de pessoas nas ruas, na campanha pelas “Diretas Já”, entre 1983 e 1984. A colossal multidão exigia imediata eleição direta para presidente da República. A ditadura militar agonizava. A cobertura(sic) da Rede Globo beirou o ridículo. No dia 25 de janeiro de 1984, cerca de 1,5 milhões de manifestantes ocuparam a Praça da Sé, na capital paulista. A Globo não teve como ignorar a onda. Não houve escapatória. Desesperada, cometeu grave desonestidade jornalística. Mostrou a imagem da enorme massa humana, mas informou que o evento era singela comemoração do aniversário de São Paulo.
De uns tempos pra cá, a família Marinho mudou a estratégia. Agora, não basta acariciar o mandarim de momento. Atualmente, a Globo tem ambição mais ousada: ela quer um presidente pra chamar de seu. Há dois candidatos a carro-chefe desse delírio de uma noite de verão: o ex-juiz Sergio Moro e o apresentador Luciano Huck.
Mas que fique claro. Apesar da reiterada politicagem, a Globo não é lixo. Pelo contrário. É a segunda maior rede comercial de TV do planeta, atrás apenas da “American Broadcasting Compay” (ABC). A emissora alcança 95% do imenso território nacional. É dona dos melhores e mais modernos equipamentos. A sua estrutura jornalística impressiona. Ela mantém correspondentes nos principais continentes.
A grade de programação atende a todos os níveis: alto, médio e baixo. Consequência: conserva um público cativo, com um “IBOPE” superior à somatória de toda a concorrência. Os índices “irrelevantes” do SBT, Record, Rede TV e Bandeirantes estão a anos-luz. O “Jornal Nacional” – embora escandalosamente tendencioso- registra a maior audiência da televisão brasileira. Em entretenimento, não tem pra ninguém. Engole as adversárias com relativa facilidade.
A “Vênus Platinada” não é lixo. Milhões de telespectadores “repudiam” a TV Globo, mas não se desligam dela. Essa “droga” vicia. Mas como esses brasileiros descobriram que a Globo é lixo? Assistindo à Globo, sem parar, muito naturalmente.
PS : Enquanto isso, a nova filosofia do Messias: “Armar ao próximo como a ti mesmo”.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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