Para Bernardo Rosa, só existem duas saídas para a crise política itabirana: diálogo e respeito
Vereador concedeu entrevista exclusiva à DeFato
Bernardo Rosa (Avante), 43 anos, é vereador de primeiro mandato. Nas eleições do ano passado, se elegeu com 1033 votos. O neopolítico é também presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – subseção Itabira, desde 2019. Recém- eleito, topou encarar um desafio inusitado: aceitou o convite para ser vice-líder do governo Marco Antônio Lage. O novo cargo é uma linha de auxilio a Juber Madeira, o líder.A dupla liderança é algo inédito no Legislativo itabirano.
A composição institucional (com líder e vice-líder) tem uma justificativa: o Executivo da cidade pretende adotar uma inédita filosofia de relacionamento entre a Prefeitura e a Câmara de Vereadores. Durante a entrevista- em várias oportunidades- Bernardo destacou as consequências desse novo paradigma: “É a ruptura de um pensamento político (tradicional), com a transição para um novo modelo”, garante.
Mas toda alteração radical provoca algum tipo de transtorno. “Entendo que essa ruptura poderia ser natural, mas não deveria prejudicar os objetivos da gestão pública, num contexto macro, num contexto geral”, admite. Filho do ex-prefeito José Machado Rosa e advogado – com 21 anos de experiência – Bernardo precisará muito dos subsídios de sua trajetória de vida e profissional para desenvolver um eficiente trabalho, na Câmara de Vereadores. Afinal, Itabira passa por um período politicamente conturbado. Confira a entrevista do vice-líder do governo.
DeFato: O prefeito Marco Antônio Lage se elegeu com uma boa margem de votos, em relação ao seu principal adversário, nas últimas eleições. O resultado final possibilitou a conquista de consistente legitimidade simbólica. Então, qual a sua análise sobre essa grave crise institucional entre os poderes da cidade, nesse momento?
Bernardo de Souza Rosa: Eu repito, todos os dias, na Câmara, que os poderes são independentes e harmônicos, mas o vereador tem a prerrogativa da independência na votação de qualquer matéria encaminhada ao Legislativo. Às vezes, essa harmonia plena não existe, porque ocorrem entendimentos e posicionamentos diferentes entre o Executivo e o Legislativo. Mas, essa divergência tem que ser o mínimo desarmônica possível. Essa crise, se é que a gente pode chamar de crise, é própria de uma democracia. Porque, aqui, nós temos políticos com ideologias e pensamentos diferentes. Então, isso faz com que se comece a surgir alguns tipos de arestas.
DeFato: Mas são apenas sete meses de governo. Então, essa crise – até mesmo por sua intensidade, pelo acirramento dos discursos – não é muito precoce?
Bernardo Rosa: Talvez essa situação esteja sendo provocada por uma forma diferente de o Executivo gerir. Talvez seja a ruptura de um pensamento político, com a transição para um novo modelo de pensamento. Eu digo que a política é a mesma de sempre, mas os operadores do processo político vão se mudando com o tempo. Eu imagino que essa precocidade (de conflito entre os poderes) pode ter surgido por conta de novas ações na política. Eu acho que tudo isso aconteceu por causa de uma ruptura provocada por pessoas diferentes, na política itabirana.
DeFato: Vamos ver se entendi. O senhor está afirmando que o novo governo está superando um tradicionalismo na condução da política itabirana. É isso mesmo?
Bernardo Rosa: Eu avalio que o poder (Executivo) está sendo exercido por uma pessoa nova, que não era conhecido na política. A diferença é essa: a inserção de uma pessoa nova, que não vinha participando do processo político da cidade. Marco Antônio Lage, apesar de ser itabirano, ficou muito tempo fora. Então, eu tenho a convicção de que pode ser isso (a causa do atrito entre os poderes). Entendo que essa ruptura (do tradicional para o novo) poderia ser natural, mas não deveria prejudicar os objetivos da gestão pública, num contexto macro, num contexto geral.
DeFato: Pelo que se percebe, há uma predisposição em acabar com um modelo antigo de relacionamento entre a Prefeitura e a Câmara. Essa inciativa significaria a eliminação do chamado governo de coalização ou o toma- lá –dá- cá? Quebrar esse sistema, já consolidado, não seria uma aposta de alto risco?
Bernardo Rosa: A gente não transforma plástico em vidro, de um dia pra outro. É um processo que precisa acontecer gradativamente. É necessária uma forma gradativa para se implantar uma concepção política diferente. Eu acho que as coisas não podem acontecer de maneira tão abrupta. Então, talvez a ideia tenha sido essa: “eu não concordo com essa forma de se fazer política e vou modificá-la”. Mas a gente não consegue fazer essa transformação de filosofia (política) da noite para o dia.
DeFato: Então, imagino que se prevendo alguma dificuldade na implantação de uma nova filosofia de relacionamento com a Câmara, o governo Marco Antônio Lage inovou na heterodoxia e criou a figura do vice-líder. No Legislativo itabirano, há duas lideranças para defender os interesses do governo (o líder e o vice-líder). Diante dessa invenção, previa-se um relacionamento bem mais harmonioso entre os dois poderes, mas está acontecendo exatamente o contrário. Acaso, não era para se ter um ambiente bem mais tranquilo?
Bernardo Rosa: A ideia do prefeito Marco Antônio, quando optou em trabalhar com um líder e um vice- líder, foi estabelecer uma forma melhor de dialogo e posicionamento mais efetivo diante de uma matéria. Eu acho que a presença de mais pessoas participando do diálogo, debatendo sobre determinado tema, deixa o processo mais democrático. Mas quando você tem uma ruptura muito grande, o número de líderes não importa, porque fica muito difícil a proposta ser assimilada (de mudança na forma de relacionamento entre os poderes). Eu entendo que a atuação conjunta do líder e do vice-líder ajuda na construção de um diálogo maior e entendimento melhor, porque a discussão vai ser mais ampla.
DeFato: Mas, acompanhando atentamente os trabalhos da Câmara, dá para perceber certo desconforto seu e de Juber Madeira, o líder. Parece que os senhores, em alguns momentos, não se encontram devidamente informados sobre os objetivos e estratégias do governo. Em determinados instantes dos embates, no plenário, há uma percepção de que o líder e o vice-líder estão fazendo um autêntico voo cego. Essa minha observação procede?
Bernardo Rosa: A gente tenta, logicamente, dentro do possível, tomar conhecimento prévio, o mais amplo, de todas as matérias que serão discutidas. Algumas delas são muito específicas, de uma secretaria ou outra, de que não temos um conhecimento mais profundo, até para externar. Mas, quando ficamos reticentes com determinado assunto, muitas vezes, isso se dá pela nossa forma de se manifestar, de se expressar. Eu acho que o embate político é necessário, mas esse embate tem que permanecer na seara política. Eu me policio muito nesse sentido. Mas, quando aparece uma matéria de que de eu não tenho conhecimento, também não receio em afirmar que vou procurar saber a respeito (do assunto). Eu sei que nada sei e, em cada momento, procuro me desenvolver na gestão pública. Então, entendo que preciso aprender muito mais. Mas, admito que a comunicação (entre os líderes e o governo) tem que ser constante e melhor a cada dia, até mesmo para nos municiarmos de argumentos fidedignos.
DeFato: O governo conseguiu barrar a proposta para a implantação do Orçamento Impositivo que, num primeiro momento, contava com o apoio da maioria dos vereadores. Mas, depois de alguma conversa, o placar se inverteu. Então, parecia que o relacionamento com a Câmara estava sob controle. Aí veio a derrubada do empréstimo de R$ 70 milhões, junto à Caixa Econômica Federal. Essa derrota fez o diálogo entre o Executivo e o Legislativo desandar de vez. Algum fator específico provocou essa repentina e radical mudança de postura da maioria dos vereadores?
Bernardo Rosa: Eu acho que são posicionamentos políticos divergentes, devido a essa ruptura na forma de gerir a política (o novo tipo de relacionamento entre Executivo e o Legislativo). Talvez, uma discordância sobre essa nova forma tenha provocado um posicionamento diferente (daquele adotado na votação da emenda impositiva). Então, a consequência foi natural. Quem não concordou com a nova forma (de se fazer política) se posicionou de uma maneira diferente, deixando claro certo descontentamento com essa mudança.
DeFato: E a temperatura institucional subiu consideravelmente depois que o secretário de Governo concedeu uma entrevista exclusiva à DeFato. Na oportunidade, Márcio Passos fez duras críticas à postura de alguns vereadores. Ele sugeriu a existência de uma prática pouco republicana no relacionamento entre a Prefeitura e os vereadores. Em suas lives semanais, o prefeito Marco Antônio Lage tem amplificado a retórica do seu coordenador político. A manutenção dessas críticas ao Legislativo é uma estratégia política, com algum objetivo específico, ou se trata de uma espécie de tiro no pé?
Bernardo Rosa: Eu acho que o diálogo tem que ser mais bem lapidado. Eu não julgo pessoas, não julgo valores. Cada um tem uma forma de exercer a política. Precisamos saber expor as condutas que estão sob o nosso controle. Mas não podemos interferir na conduta de outras pessoas. Eu acho que, opinião todo mundo pode ter a sua, mas o respeito tem que prevalecer. A forma de cada um conduzir a sua vereança precisa ser respeitada. Posso não concordar, mas preciso respeitar. A discussão precisa ser respeitosa. É preciso que fique bem claro: todos, mesmo que de uma forma diferente, procuramos por um objetivo comum, que é o melhor para Itabira. Isso é fato.
DeFato: Pelo que ficou claro na discussão sobre a LDO, a tensão atingiu o limite máximo. Alguns discursos, que beiraram o insulto, chegaram à proximidade do ataque pessoal. A consequência do embate foi o engessamento administrativo do prefeito. E, caso o relacionamento continue nesse diapasão, a governabilidade do município não estaria em risco?
Bernardo Rosa: Sim, eu concordo com você. Se continuarmos nesse embate frequente, isso realmente pode a acontecer (a perda da governabilidade). Então, nesse cenário, a gente se esquece do objetivo maior, que é uma gestão pública de qualidade, para ficar debatendo política, em lados opostos. Eu tenho certeza de que essa situação pode provocar um prejuízo muito grande no futuro. Há o perigo de se ficar gastando muita energia numa discussão política, em detrimento da gestão pública.
DeFato: Mas, não se perde muito tempo com algumas discussões até certo ponto desnecessárias? Vou dar dois exemplos: o veto do prefeito à inserção da Lei Maria da Penha na grade curricular e também um veto ao projeto do senhor, para a criação de um determinado espaço para lazer. No seu caso específico, até para evitar um desgaste para ambas as partes, não teria sido melhor o prefeito ter lhe chamado ao gabinete para sugerir a retirada de pauta da sua proposta? Além disso, essa atitude do prefeito não passou uma imagem de desprestígio do vice-líder do governo? Qual a sua opinião a esse respeito?
Bernardo Rosa: Eu acho que o diálogo tem que ser frequente e até ampliado. Concordo com a sua colocação, porque eu mesmo votei pela derrubada do veto ao projeto que apresentei. Eu também acho que, quando ocorre uma discordância, é necessário o chamamento para o diálogo, para uma conversa. Mas, é preciso entender que, muitas vezes, um veto não é político, mas técnico. Mas é preciso diálogo. É preciso explicar o motivo do veto. O veto, claro, já vem com a justificativa, mas como estamos vivendo um momento de muita tensão, quanto mais explicação, quanto mais diálogo, melhor.
DeFato: Mas, recorrendo ao imaginário itabirano, parece que a Câmara está se transformado numa mina de polêmicas. Como se não bastassem os acirrados embates políticos, a vereadora Rosilene Félix notificou o prefeito sobre uma possível manifestação preconceituosa e de cunho racista, no momento da discussão sobre o presídio de Itabira. Na condição de vereador, presidente da OAB e vice-líder do governo, qual é o seu posicionamento diante dessa atitude da vereadora?
Bernardo Rosa: Com relação a essa questão do possível racismo, a vereadora está tomando as providências que julga necessárias. Eu não vou entrar no mérito, mas nós, que estamos no meio jurídico, temos que ter muito zelo na hora de imputar a alguém algum tipo de responsabilidade. Tem que se apurar, tem que se averiguar o que foi dito, até para verificar se houve, ou não, um condão de racismo. Eu sempre digo: nós somos responsáveis por nossas ações e pelas consequências dessas nossas ações. Então, até porque sou criminalista também, eu considero que tudo tem que ser apurado dentro do devido processo legal.
DeFato: Mesmo porque, na polêmica do presídio, o senhor está na linha de tiro, no olho do furacão…
Bernardo Rosa: Eu sou defensor de um presídio para Itabira. E gostaria de deixar bem claro o seguinte: eu não sou defensor do atual sistema prisional brasileiro. Sou a favor de um presídio como forma de reeducação para a pessoa que cometeu um crime. Eu acho que o modelo APAC pode ser adaptado ao presídio, com educação, trabalho e humanização. E o presídio de Itabira tinha esse condão de tratamento com os presos. Lá dentro (do presídio) havia escola, tratamento odontológico e assistência médica. Ele (o presídio) funcionava muito bem, dentro dessa filosofia que defendemos. Então, eu sou veemente favorável à manutenção de um presídio aqui em Itabira. Até para favorecer à família dos presos. O preso tem que cumprir a sua pena próximo à família, porque a família, no final das contas, acaba ficando presa com ele, durante todo o tempo de cumprimento da pena. Até mesmo porque, o presidiário necessita a ressocialização na comunidade de onde ele saiu.
DeFato: A polêmica se intensificou, e até usando um termo do “juridiquês”, quando a Prefeitura perdeu o presídio, à revelia, porque não respondeu ao governo do estado, em tempo hábil, se queria ou não, uma unidade em Itabira. Nesse episódio, não houve uma omissão aparentemente amadora do Executivo da cidade?
Bernardo Rosa: O prefeito, durante uma live, já havia declarado que não era desejo do Executivo manter um presídio com as dimensões oferecidas pelo governo do estado, aqui no município. O meu posicionamento, nesse sentido, é diferente, pois um complexo penitenciário é diferente de um presídio. Num complexo penitenciário, a segurança precisa ser redobrada, com um número maior de policiais. A estrutura (de um complexo penitenciário) é maior e mais complexa. E isso é diferente de uma unidade prisional isolada. Um presídio, em minha opinião, não exige um investimento maior e comporta em torno de 300 a 400 presos. Com um número inferior a esse, o estado não banca, conforme deixou claro o subsecretário de Segurança Pública, durante visita à nossa cidade.
DeFato: E existe alguma possibilidade de reativação do presídio do Rio de Peixe?
Bernardo Rosa: Já tivemos uma reunião com a Vale para isso e, na ocasião, manifestamos o desejo de reativação do presídio do Rio de Peixe, que seria utilizado só até a construção de uma nova unidade. Seria, nesse caso, uma reativação provisória. Então, nós já começamos uma tratativa com a Vale com esse objetivo.