Vírus também sufoca a cultura: artistas buscam fôlego na pandemia

Bastante impactado pela crise sanitária, setor cultural tem o desafio de encontrar soluções para seguir funcionando

Vírus também sufoca a cultura: artistas buscam fôlego na pandemia
Daniel Bahia Escola de Música conta com 14 professores de diversos instrumentos. Foto: Mayara de Paula e João Freitas / Arquivo Daniel Bahia

De acordo com o Observatório Itaú Cultural, nos últimos três meses de 2019, período pré-pandemia, a indústria criativa e cultural empregava 7,1 milhões de pessoas. No final de 2020, esse número caiu para 6,6 milhões. Uma retração aproximada de 500 mil postos de trabalho.

As áreas mais afetadas foram: artesanato, artes cênicas e visuais, cinema, música, fotografia, rádio e TV e museus e patrimônio. Somente nesses setores, a retração chegou a 18% — passando de 773,9 mil pessoas empregadas em 2019 para 634,2 mil em 2020.

As áreas de apoio às atividades culturais também foram afetadas pela crise sanitária, com uma queda de 15% dos postos de trabalho. Saindo de 2,5 milhões de trabalhadores empregados em 2019 para 2,1 milhões em 2020. Esse impacto pode ser percebido nas cidades mineradoras, onde a classe artística tem sofrido com a paralisação ou restrição de atividades durante a pandemia.

Desafios da cultura itabirana

Esse cenário tem desafiado a classe artística em Itabira. “Sou casada, tenho três filhos e estou esperando o quarto. Eu ajudava na renda da casa com o dinheiro da música, principalmente com eventos particulares, como festas de casamento e aniversário. Devido a pandemia, todos os eventos foram cancelados”, ressalta Maria Cláudia da Silva, a cantora Clau Vianna.

O músico e luthier Rafael Carvalho, que teve queda de 60% do seu faturamento, avalia que os prejuízos de um setor refletem em outras áreas. “Impactou de forma geral, pois se o músico, seja profissional seja amador, não estiver tocando no seu dia a dia de trabalho não terá dinheiro para pagar um profissional para manter os seus instrumentos devidamente regulados”, afirma.

O ensino das artes também precisou se adaptar ao momento. Com a impossibilidade de aulas presenciais, os professores de cultura precisaram recorrer à internet.

“Tenho trabalhado com a opção de aulas on-line e por videochamada via WhatsApp. Porém, perdi e continuo perdendo alunos. Tive uma queda de 40% dos estudantes presenciais”, conta Davi Ricardo Andrade, músico e professor de violão e ukulele.

Alternativas para amenizar

Dentre as soluções para manter as atividades, as lives são bem conhecidas pelo público. Ainda em 2020, Clau Vianna conseguiu produzir algumas apresentações on-line como forma de manter o seu trabalho em evidência e, ainda, contribuir com outras pessoas que vêm passando dificuldade.

Na época, a cantora recebia auxílio emergencial, o que facilitava a realização de shows on-line solidários. Porém, sem contar com a ajuda do Governo Federal, ficou sem trabalhar. “Infelizmente estou passando aperto porque não recebo mais o auxílio emergencial e não posso ajudar na renda da minha casa”, revela Clau Vianna.

Para muitos artistas a solução para amenizar os impactos da pandemia são as aulas e cursos. “Estou atendendo aos meus alunos com distanciamento de segurança, uso de máscara e aulas preferencialmente individuais, com exceção em caso de familiares, que podem fazer aulas em dupla. E sempre com uso de álcool em gel”, destaca Davi Andrade, que também oferta cursos pela internet.

As aulas virtuais também tem sido uma das saídas encontradas por Rafael Carvalho para complementar a sua renda. “Tenho tomado todos os cuidados e seguido o procolo da OMS [Organização Mundial de Saúde] e venho tentando dar aulas de violão on-line”, destaca o músico que conseguiu, neste ano, receber o auxílio emergencial do Governo Federal.

Políticas públicas

Como medidas de apoio à classe artística em Itabira, a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), em 2020, lançou edital de credenciamento para a contratação de conteúdos culturais, das mais diversas áreas artísticas, para exibição on-line. Também executou a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc no município.

“Eu consegui participar da Lei Aldir Blanc, que me ajudou bastante por alguns meses. Mas, entrei neste ano sem recurso algum, sem nenhuma forma de conseguir uma renda da música”, diz Clau Vianna.

Em 2021, a política de publicar editais para fomentar a contratação de artistas segue na FCCDA. A instituição lançou novo edital de credenciamento, chamado “Cultura Todo Dia”, que deve iniciar as suas contratações em breve.

Covid-19: a difícil realidade imposta aos artistas de João Monlevade

Em João Monlevade, todos os eventos de médio e grande porte tiveram que ser cancelados por terem potencial de aglomeração de pessoas. Os eventos de pequeno porte, com o avanço da pandemia, também foram paralisados. O que deixou o artista sem possibilidade de trabalhar.

Daniel Bahia é músico, professor, vendedor e produtor cultural. Também é proprietário da Daniel Bahia Escola de Música, onde mais de cinco mil alunos já se formaram e conta com 14 professores e dois assistentes.

“No início da pandemia foi supercomplicado. Tivemos que fechar a escola. Em meio a isso tínhamos que buscar novas formas de funcionar. Assim, fizemos adaptação para o modelo de aula on-line”, enfatiza.

Após mais de um ano de pandemia, Daniel destaca que ainda é difícil conciliar os alunos entre o virtual e o presencial. “Cada um segue uma crença. Hoje temos 90% dos estudantes de volta às aulas presenciais. É difícil seguirmos um padrão de forma única. A pandemia ainda está aí”, ressalta.

Porém, apesar dos desafios, Daniel viu sua escola alcançar alunos fora do país. “Conseguimos novos alunos do Chile e dos Estados Unidos. Nossa escola deixou de ser regional e virou mundial. Com a internet podemos competir com qualquer instituição do mundo”, finaliza.

Poder público

Em João Monlevade, a prefeitura, por meio da Fundação Casa de Cultura e secretária de Cultura, criou um projeto de consultoria para artistas, coletivos e espaços culturais. A ideia é ajudar na elaboração de projetos, estruturação dos trabalhos e regularização das associações para inscrição em editais de fomento e outras formas de financiamento. 

“Compreendemos que é importante ajudar nossos agentes culturais a se adaptarem à nova realidade. Há centenas de editais públicos e privados acontecendo em todo o país. Acreditamos que os editais são a forma mais justa e transparente de promover os artistas locais. Nós pretendemos fazer um plantão de atendimento para ajudar os proponentes a se inscreverem, para que o processo seja o mais inclusivo possível”, avalia Nadja Lírio.

Sobre a criação de um plano de ajuda e incentivo na retomada dos artistas pós-pandemia, a gerente da Fundação Casa de Cultura ressalta ter um caminho. “Mas, essa construção será feita em conjunto com a classe artística. Estamos preparando o primeiro Fórum de Políticas Públicas Culturais, em que a comunidade será convidada a pensar nos caminhos e estratégias para lidar com esses e outros desafios da cultura monlevadense”, afirma.

Barão de Cocais

O secretário Adjunto de Cultura e Turismo, Lucas Feitosa da Silva, destacou que a Prefeitura de Barão de Cocais manteve a realização de tradicionais eventos da cidade em formato on-line, assim como executou a Lei Aldir Blanc no município.

“Ainda no ano de 2020, desenvolvemos a Festa dos Pés de Pomba, com edição on-line. Todo o evento contou com apresentações de artistas locais, beneficiando aproximadamente 50 profissionais. Além disso, a Lei Aldir Blanc beneficiou 40 artistas locais de várias áreas através de três editais: Bolsa Auxílio ao Processo Criativo, Bolsa Auxílio ao Processo Audiovisual e Credenciamento de Artistas para a apresentação da ‘Live Especial Aldir Blanc – Barão de Cocais’”, enfatiza Lucas da Silva.

O secretário adjunto, porém, afirma que ainda não há um plano de incentivo à retomada do setor cultural, mas destaca que a contratação de artistas seguirá como uma política pública.

Santa Bárbara

A Prefeitura de Santa Bárbara também recorreu a editais para apoiar a classe artística durante a pandemia. Em julho de 2020, o Executivo Municipal deu início ao cadastramento de artistas e espaços culturais para serem beneficiados com recursos da Lei de Aldir Blanc, disponibilizado aos municípios brasileiros pelo Governo Federal.

Durante a pandemia, a Prefeitura de Santa Bárbara também entregou a sede oficial do Congado local. O espaço, conforme destacou a assessoria de comunicação do Executivo, “representa um sonho realizado para os congadeiros, que há mais de 30 anos aguardavam por esse momento. A sede honra Nossa Senhora do Rosário e tem como finalidade incentivar e manter viva a tradição que, por aqui, atravessa gerações”.