As bolsas da vida e a escolha racional do eleitorado
Confira o novo texto do jornalista e colunista da DeFato, Fernando Silva
Uma parcela da população brasileira é preconceituosa. Mantém um viés cultural racista, por exemplo. É fato histórico. Essa característica já foi debatida por Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Os livros “Raízes do Brasil” e “Casa-Grande & Senzala” escancaram essa desprezível realidade.
Um exemplo dos dias de hoje: certos tupiniquins detonam pessoas dependentes de ajuda governamental. Essa gente meio tosca (ou totalmente) sempre tachou os beneficiários do programa “Bolsa Família” de vagabundos, oportunistas, preguiçosos e vadios. Uma lástima. O discurso desproporcional é fruto de ignorância latente. Mesmo porque, os auxílios sociais são simples migalhas, uma autêntica esmola institucional, com escandalosa contradição- mixaria para o doador e fortuna para quem recebe.
Mas, atenção. Uma verdade não é perceptível para as mentes pré-históricas dessa região do planeta: as beneficências oficiais produzem riquezas, diminuem a exclusão e, consequentemente, melhoram os indicadores econômicos e sociais. Afinal, o “óbolo” governamental é utilizado em lojas, farmácias, bares e mercadinhos da periferia, principalmente. É, portanto, uma ferramenta de expansão do PIB.
O governo Bolsonaro criou o “Auxílio Brasil”- uma metamorfose ambulante do “Bolsa Família”. A iniciativa pode ser a mola propulsora do projeto de reeleição do “mito”. Claro que sim. No fundo, no fundo, o “Auxílio Brasil” é uma espécie de bolsa votos. Nada de estranho nesse fuzuê todo. A coisa (bolsa disso e bolsa daquilo) também já foi mina de votos para os petistas. Os chamados cidadãos de bem (ou de mal) condenam o jogo de interesse desse segmento do eleitorado (os moradores da periferia do sistema): dê-me uma bolsa que eu lhe darei o voto. Mas não há nada ilegal ou imoral nesse troca-troca.
Segundo estudos de cientistas políticos norte-americanos, existem três categorias de detentores de votos. O “modelo sociológico” é formado por uma turma que assume a preferência eleitoral do seu grupo comunitário. Esse eleitor não tem consistência ideológica, rabicho filosófico e nem se interessa pela atividade política. Normalmente, segue a orientação de líderes carismáticos ou “adestradores” das redes sociais.
O segundo segmento é movido por “fatores psicossociais”. Esse coletivo é influenciado por familiares, colegas de trabalho, operadores das redes sociais e personagens da mídia tradicional (religiosos, artistas, atletas e oportunistas vários). Nutre simpatia por políticos que se identificam com os seus gostos e opções pessoais. O petismo e o bolsonarismo se enquadram nesse perfil.
E, finalmente, pintam os donos dos chamados votos racionais. Nessa classe, se encaixam os usuários dos auxílios da união (Bolsa Família ou Auxílio Brasil). Esse votante é interesseiro, oportunista e usa o sufrágio como ferramenta de reconhecimento. Premia (com o voto) o candidato que promete maior e mais duradouro amparo. Esses cidadãos não se interessam pelos meandros da política. Tanto faz. Votam em Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes ou Cabo Daciolo com a mesma desenvoltura. E mais: são vira-casaca por natureza. O ídolo de ocasião é aquele que oferece melhores ganhos pecuniários (ou bolsas mais recheadas). Essa parcela do eleitorado é, portanto, extremamente pragmática. Então, os beneficiários das bolsas da vida são portadores de um voto racional. Muito naturalmente, observam o processo eleitoral com foco nas propostas mais vantajosas e imediatistas.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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