Era uma vez Sandra Starling
Ex deputada teve atuação política de destaque em Minas Gerais
Início dos anos 1980. Novas e suaves brisas sopravam no horizonte político do país. O ano, mais precisamente, era 1982. Depois de quase duas décadas, haveria sufrágio quase universal (menos para presidente da república). O eleitorado tupiniquim teria o “prazer e a honra” de escolher governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores.
Em Minas Gerais, dois titãs brigariam pelo Palácio da Liberdade: Eliseu Resende (PDS), candidato da ditadura militar, e Tancredo Neves (PMDB), o nome da oposição. O Partido dos Trabalhadores (PT) faria a sua estreia. O PT contava apenas dois anos de idade (foi fundado em 1980). A candidata do “proletariado” chamava a atenção: a professora Sandra Starling – uma mulher jovem, fisicamente frágil, com longos cabelos ligeiramente encaracolados.
Esse panorama – com simbólica presença feminina – produziu uma cena aparentemente cômica, em Itabira. A cidade foi palco do último comício de Tancredo Neves. O evento coroaria uma campanha vitoriosa. A Praça Nico Rosa (popular Praça da Minas Caixa) ficou lotada, numa noite de sexta-feira.
Na época, esse colunista era colaborador do jornal “Folha de Itabira”, um órgão de imprensa do saudoso José Braz Torres Lage. No dia da festa da quase democracia, Zé Braz sugeriu uma entrevista com a “velha raposa” de São João del Rei. Fui ao local do evento com muita disposição. Meu instrumento de trabalho era um imenso gravador (a estrovenga mais parecia um tijolo). Esperei pacientemente o fim dos discursos. Quando o ex- premier do Brasil desceu as escadas do palanque, agi atrevidamente e quase enterrei o gravador em sua aristocrática boca. Não perdi tempo. Disparei a pergunta que implorava para ser feita:
– Dr Tancredo, como o senhor avalia a participação de uma mulher na disputa para o governo de Minas Gerais?
O candidato balançou negativamente a cabeça, sorriu com ironia e respondeu:
– A professora Sandra é muito bonita.
Surpreendi-me com a resposta, mas insisti:
– Só isso, dr Tancredo?
O velho político virou as costas e apenas balbuciou.
– Mas ela é muito bonita, você não acha?
A meteórica entrevista arrancou gargalhadas do séquito de puxa-sacos.
Sandra Starling participou da fundação do PT mineiro e desenvolveu uma brilhante carreira política. Foi deputada estadual e federal, em vários mandatos. Alguns anos depois, renegou o partido e iniciou uma fase de duras críticas aos “companheiros”.
O interessante é que sempre me encantei com aquela professora (também advogada e mestre em Ciência Política). Era linda. Os longos cabelos ficaram bem mais curtos, com o passar do tempo. O eterno sorriso misterioso fascinava. Esse deslumbramento foi uma espécie de amor platônico. Nunca conversei com Sandra. Jamais a vi de perto.
Em meados de 2021, ela encaminhou-me uma solicitação de amizade. Vibrei com a inesperada novidade. Afinal, essa personagem muito enriqueceria o meu Facebook. Ainda assim, em tempo algum, interagimos na rede social. Uma pena. A primeira mulher candidata ao governo de Minas Gerais morreu, no fim do ano passado, em 14 de dezembro, aos 77 anos. Bonita como nunca, linda como sempre.
PS1: Contei essa história, no programa do Valério, na Rádio Caraça, uma semana antes da morte de Sandra Starling. Um infeliz prenúncio.
PS2: E por falar nisso, passei por outro processo de encantamento, bem no início do tradicional show de Roberto Carlos. A magia aconteceu quando Wanderléa entrou em cena para cantarolar com o Rei e Erasmo Carlos. Uma maravilha. A rainha da Jovem Guarda está com 77 anos, mas aparenta ter três décadas a menos. Apareceu no palco com assanhamento típico de garota sapeca, enquanto os seus dois colegas se comportavam de forma contida. Estou mais ouro-pretano que nunca. Afinal, ando apreciando antigas e raras obras de arte. E muito. Cada vez mais. Em tempo: sou itabirano de Ouro Preto.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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