Após perder o filho de três meses, mãe acusa UPA de Barão de Cocais de negligência

Paula Miranda busca explicações após a morte do pequeno Cauã. Administração do hospital diz que não houve negligência.

Após perder o filho de três meses, mãe acusa UPA de Barão de Cocais de negligência
Paula Miranda perdeu o pequeno Cauã com apenas três meses. Ela faz uma série de acusações contra a UPA de Barão de Cocais. Foto: Arquivo pessoal

O que foi tratado, inicialmente, como um simples resfriado se tornou um drama, com um triste final, para a auxiliar administrativo Paula Miranda. No dia 9 de janeiro, a belorizontina, moradora de Barão de Cocais há 25 anos, perdeu seu filho Cauã, de apenas três meses. Desde então, o sentimento é um misto de tristeza e indignação, já que ela acusa a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Hospital Municipal Waldemar das Dores, em Barão, de negligência durante o caso.

Não são poucas as acusações de Paula. Segundo ela, a equipe médica falhou já nos primeiros procedimentos após Cauã ter dado entrada na UPA, e seguiu falhando mesmo após a morte da criança. O prontuário médico possui informações incompletas e demonstrou, diz ela, que houve omissão em meio à tentativa de tratamento do bebê. Confira, abaixo, uma linha cronológica dos fatos relatada pela própria mãe à DeFato.

UPA Barão
Foto: Arquivo pessoal

2 de janeiro

De acordo com Paula Miranda, no segundo dia do ano apareceram os primeiros sintomas. Cauã apresentava tosse e uma espécie de “chiado” no peito, algo parecido com um resfriado. Com isso, ela levou o filho à UPA do Hospital Municipal Waldemar das Dores, em Barão, onde ele foi examinado pela médica Jeane Carla e Silva, a mesma que voltaria a examiná-lo seis dias depois.

“Escutando o peitinho dele”, como afirma Paula, a profissional falou que Cauã não tinha nada, apenas uma alergia na pele. Diante disso, foi aconselhado à mãe que ela trocasse o sabonete do filho.

4 de janeiro

Com a persistência dos sintomas, Paula levou o filho ao pediatra que o acompanhara desde seu nascimento. Sem pedir um exame mais detalhado, o profissional liberou Cauã e disse que ele tinha apenas um resfriado e dermatite na pele. Foi indicado que o bebê de três meses tomasse o remédio “Preni” e outros medicamentos.

7 de janeiro

Três dias depois, a tosse e o chiado continuavam, e Cauã passou a ter dificuldade em mamar. Desta forma, Paula o levou ao Hospital de Santa Bárbara, no qual a criança foi examinada fisicamente e liberada. A constatação continuava a mesma: era apenas um resfriado, e novos medicamentos foram indicados.

8 de janeiro

No sétimo dia dos sintomas, a situação chegou ao seu patamar mais grave. Cauã passou a ter falta de ar e precisou ser levado às pressas à UPA de Barão de Cocais, por volta das 15h11. Ao chegar no local, Paula logo enfrentou o primeiro transtorno: mesmo com muitas dificuldades de respiração, a criança recebeu pulseira verde, destinada a casos de “pouca gravidade”. O atendimento só foi iniciado quando outras pessoas presentes no local notaram o desespero da mãe e passaram a gritar por ajuda.

UPA Barão
O último registro fotográfico de Cauã, feito no dia 7 de janeiro. A criança estava aparentemente bem. Foto: Arquivo pessoal

Murcho como um balão

A médica Jeane Carla e Silva, que também havia atendido Cauã na primeira visita à unidade, lhe colocou em oxigênio e aplicou antibióticos e 100 ML de soro. Após a aplicação, diz Paula, o acesso da criança foi perdido e um soro intra-ósseo passou a ser aplicado, já que, segundo a médica, ele estava desidratado, embora seu quadro fosse avaliado como “estável”. Mas, mesmo com o tratamento, Cauã não se hidratava e “murchava como um balão”, como define a mãe.

“A todo momento eu perguntava para a médica o que ele tinha, ela só falava que a situação dele estava estável. Aí ela falou que o Cauã tinha bronquiolite severa e uma bolinha de pneumonia. Porém, nenhum exame foi feito desde que chegamos com Cauã. Nenhum exame de sangue, radiografia, não aferiu a temperatura dele, nada”, relata Paula.

Por volta das 21h, seis horas após terem dado entrada na UPA, chegou-se a falar em uma transferência de Cauã para o Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte. No entanto, a vaga foi ocupada por outra criança, que passava por situação parecida.

O filho da moradora de Barão de Cocais seguia recebendo oxigênio e acesso intra-ósseo, até que às 3h foi conseguida uma vaga no Hospital João XXIII, também na capital. Porém, o que poderia ser visto como um momento de alívio, se tornou ainda mais tenso. Cauã chegou a Belo Horizonte com muita dificuldade de respiração, o que causou estranheza na mãe.

“Eu achava estranho, porque se ele estava no hospital de Barão de Cocais, era pra ele sair bem, não era pra sair ruim, praticamente pior do que entrou. Quando cheguei no João XXIII, o Cauã quase morreu na portaria, e rapidamente o levaram para a CTI”, explica Paula.

Segundo a auxiliar administrativo, a médica que os atendeu em Barão de Cocais até disse que o bebê precisava ser atendido em CTI, mas omitiu o verdadeiro estado de saúde do menino.

“A médica falou em Barão que ele precisava de uma CTI porque o problema dele era a respiração e ele estava com uma desidratação, mas ela omitiu alguns fatos. Ela não falava a real situação em que o Cauã estava. Então, pra gente, como era só uma respiração, chegando no João XXIII ele iria melhorar.”

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Teste do pezinho feito em Cauã constatou que ele não possuía nenhum problema de saúde. Este foi um dos questionamentos feitos pela médica do João XXIII. Foto: Arquivo pessoal

Uma das informações importantes que foram omitidas, diz Paula, era sobre o nível de glicose de Cauã, que estava em 584.

No hospital belorizontino, Paula foi questionada se seu filho já possuía outros problemas de saúde, como a diabetes ou doenças renais, ambos negados pela mãe. A moradora de Barão diz ter escutado da médica do João XXIII que o estado de saúde da criança era muito ruim.

“Eu estava sem entender, porque se era um problema de respiração, como a bronquiolite é, como ele chegou lá (João XXIII) num estado pior do que entrou (na UPA)? Aí infelizmente o Cauã não resistiu e faleceu. Só que ele faleceu de outras causas, como acidose metabólica, choque séptico respiratório e insuficiência renal. Sendo que no teste do pezinho dele constava que era um bebê normal”, relata Paula.

“Queremos entender o que realmente houve com o Cauã, do que ele morreu, porque a gente não sabe. Por que mandaram ele para o João XXIII com uma glicose em 584? Não fizeram exame de sangue quando ele chegou. Foi fazer radiografia, teste de Covid-19 e aferiu a temperatura dele já era 22h, chegamos no hospital às 15h11. Ficamos esse tempo todo lá, porque eles falaram que estavam estabilizando a respiração do Cauã. Mas não estava estabilizando, ele ainda estava ruim pela forma que chegou no João XXIII.”

Além do atraso no tratamento e a omissão sobre o nível de glicose da criança, Paula também protesta contra os procedimentos adotados. Baseada em outros relatos de mães cujos filhos também tiveram bronquiolite, ela afirma que o mais correto seria entubar Cauã e lhe aplicar um catéter, o que não foi feito pela equipe médica da UPA.

UPA Barão
Foto: Arquivo pessoal

Sumiço do exame

No dia 11 de janeiro, Paula voltou ao Hospital Municipal Waldemar das Dores para pegar o prontuário do filho. O documento, no entanto, não continha o resultado do exame de sangue que teria sido realizado na criança (Paula garante ter visto uma enfermeira realizando o exame). Neste mesmo dia, ela questionou a profissional sobre isso, e ouviu da enfermeira que não houve o procedimento, pois não foi possível ter acesso ao sangue da criança.

“Como uma criança, bebê, chega com falta de ar no hospital… eles ‘tacaram’ antibiótico nele, soro, fizeram tudo, sem antes fazer exame de sangue? E porque omitiram a situação que ele estava? Então isso que a gente quer entender, se realmente o Cauã tinha essa doença, se houve realmente essa negligência médica. Porque eu acredito que houve negligência, talvez o Cauã estivesse com outra doença que a gente não soubesse e eles simplesmente ignoraram essa doença. Então fica essa indignação, essa dúvida, sem saber o que houve com ele, se os procedimentos foram realmente certos”, desabafa Paula.

À DeFato, a moradora de Barão diz que irá levar o caso à esfera jurídica. Um novo passo em uma história que reúne sentimentos diversos desde o dia 9 de janeiro.

“Sinto impotência por não poder fazer nada e tristeza pelo sofrimento que ele teve nesse hospital de Barão”, lamenta.

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Paula Miranda, Cauã e o companheiro dela, Dirceu Junior. Foto: Arquivo pessoal

O que diz o hospital

Responsável por administrar o Hospital Municipal das Dores, o Instituto Social Mais Saúde, com sede em São Paulo, respondeu a alguns questionamentos da reportagem. A instituição nega ter havido negligência durante o caso e afirma desconhecer outras situações parecidas na unidade hospitalar de Barão. Confira, abaixo, todas as respostas do instituto.

DeFato: O hospital reconhece a acusação de negligência no caso Cauã?

Instituto Mais Saúde: “O Instituto Social Mais Saúde em nome do Complexo Hospitalar Waldemar das Dores ressalta que lamenta o ocorrido e se solidariza com a família. A Diretoria Administrativa e Médica realizou contato com a família para oferecer apoio psicossocial, reiterando seu compromisso na elucidação dos fatos e esclarecimentos que se fizer necessário.

É nesse sentido, que esclarecemos à população que após comissão de investigação interna, foi concluído que não houve omissão no processo de assistência médica do paciente Cauã. Informamos também que não há nenhum laudo médico atestando qualquer tipo de negligência, concluindo dessa forma que o atendimento foi realizado dentro dos protocolos preconizados pela OMS.”

DeFato: A mãe da criança alega que não foram realizados os procedimentos necessários quando ele deu entrada na UPA. Qual a justificativa?

Instituto Mais Saúde: “De acordo com a classificação de risco, o atendimento médico foi realizado de forma prioritária e a coleta de exames realizada. Antes que os resultados dos exames fossem concluídos, houve a transferência devido à gravidade do paciente.”

DeFato: Houve alguma medida contra algum dos profissionais envolvidos no caso?

Instituto Mais Saúde: “Não identificamos irregularidades no atendimento prestado ao paciente. Informamos que todos os médicos, enfermeiros e auxiliares são capacitados e habilitados a prestarem os atendimentos aos quais estão responsáveis. De toda forma, além das capacitações profissionais requeridas para atuar nos respectivos cargos, mensalmente são realizados treinamentos e ações internas para a atualização profissional de acordo com as novas demandas do mercado de trabalho.”

DeFato: Há relatos de outros casos de negligência no local. O que o hospital tem a dizer sobre isso?

Instituto Mais Saúde: “O Instituto Social Mais Saúde desconhece “outros casos” similares na unidade. Estamos atentos e, sendo reportada situações adversas, estaremos a disposição para averiguação dos fatos e correção dos processos de acordo com a sua necessidade.

Aproveitamos o ensejo para informar que os indicadores das pesquisas de qualidade realizadas no ano de 2021, mostram que nas avaliações feitas pelos próprios pacientes e acompanhantes, chegamos a excelentes índices, como 70% Muito Satisfeito no setor de Clínica Médica e 85% de Satisfeito na Maternidade.

Em nossa gestão compartilhada, ressaltamos o compromisso de prestar uma assistência humanizada e reafirmamos mais uma vez nos manter a disposição para ouvir e atender os anseios da população a fim de trabalhar para a melhoria da saúde pública em Barão de Cocais.”

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Hospital Municipal Waldemar das Dores é administrado pelo Instituto Mais Saúde e a Prefeitura de Barão. Foto: Prefeitura de Barão de Cocais

Roteiro parecido, fim diferente

No dia 31 de janeiro, a DeFato contou a história de Camilla Raysa de Linhares Pinto, também moradora de Barão de Cocais. A psicóloga e seu filho, Arthur de Linhares Santana, enfrentaram dificuldades no mesmo Hospital Municipal Waldemar das Dores, onde deu entrada com bronquiolite. O bebê de dois meses, no entanto, felizmene teve um final diferente.

Camilla e seu marido, Jardel Bruno Coelho Santana, conseguiram fretar uma ambulância para o Hospital Nossa Senhora das Dores. No hospital itabirano, o pequeno Arthur pôde receber o atendimento necessário e ganhou alta após cinco dias internado.