“A diversificação econômica deve ser perseguida todos os dias, como saúde e educação”, diz Waldir Salvador
O ex-prefeito de Itabirito e conselheiro da AMIG promove uma reflexão sobre como as cidades mineradoras devem se preparar para o fim da exploração mineral
Um dos grandes desafios para os municípios mineradores é a diversificação econômica dos seus territórios — que permita estabelecer mecanismos para atrair novos negócios, ampliar os postos de trabalho e assegurar a arrecadação municipal. Nesse contexto, Itabira será, mais uma vez, um laboratório para a mineração de Minas Gerais e do Brasil, já que a cidade vê o fim da exploração mineral cada vez mais próximo. E, por isso, a construção de uma almejada independência financeira se faz importante e urgente.
A expectativa é de que a extração de minério de ferro se encerre no Município em 2041, conforme atualização mais recente divulgada pela Vale — mineradora que iniciou as suas atividade em Itabira e que completa, em 2022, 80 anos de fundação. Dessa forma, a população itabirana se vê em uma corrida contra o relógio para buscar alternativas de negócios que possam suprir a queda de receita e a redução de postos de trabalho que venham a acontecer em uma possível saída da indústria mineral do seu território.
É justamente esse cenário que coloca Itabira em uma posição única, mas também preocupante. A cidade pode se tornar um case de sucesso, demonstrando como essa transição de modelo econômico pode ser feita de maneira sustentável, ou se tornar um exemplo da falta de planejamento e má aplicação dos recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) para garantir o futuro sustentável do Município.
Waldir Salvador, ex-prefeito de Itabirito e conselheiro da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) conversou o portal DeFato sobre o tema falou sobre os desafios dos municípios para se preparem para esse momento pós-mineração. Ele também comentou sobre essa situação única que Itabira presencia. As declarações foram dadas no I Encontro Inter-Regional do Médio Piracicaba, realizado em março, onde proferiu a palestra “Mineração Sustentável: Desafios e Oportunidades”.
Essa entrevista foi publicada pela primeira vez no jornal DeFato – Cidades Mineradoras e você pode conferir na íntegra nos próximos parágrafos:
DeFato: Itabira vive um momento delicado, com possível exaustão mineral em 2041. Qual a importância de discutir a mineração e o pós-mineração para que os municípios mineradores possam chegar preparados para o encerramento da mineração?
Waldir Salvador: Itabira é um caso diferenciado. Na minha opinião e, também da AMIG, a própria Vale tinha que ser a maior indutora dessa diversificação econômica antes dela ir embora, inclusive pelo o que Itabira significou tanto para a Vale e quanto para o próprio país. Itabira, na nossa opinião, foi o grande laboratório da extração mineral brasileira. Tudo aconteceu em Itabira: melhorias de processos, diminuição de custos de produção, enriquecimento de minério. A mineração brasileira deve muito a Itabira.
E por ter sido Vale [responsável pela mineração], acho que ela deveria ter contribuído mais para promover a diversificação econômica, mesmo que o Município não tivesse feito isso de maneira assertiva — e não estou falando que o Município não tenha feito, pois conheço os últimos sete prefeitos de Itabira e todos, de alguma maneira, tinham preocupação com isso [exaustão mineral] e deixaram alguma marca. Mas não é fácil fazer diversificação econômica.
Itabira, por exemplo, tem vários entraves. Você tem uma cidade belíssima, como Itabira é, um espetáculo a 100 km da capital Belo Horizonte, mas que até hoje tem um acesso dificílimo. Conforme o dia, você gasta duas horas para ir de BH a Itabira. Então, na nossa opinião, a Vale deveria ter abraçado o Município antes para promover essa diversificação econômica, enquanto ela estava em seu auge para que o baque do fim da mineração fosse menor.
DeFato: Como os municípios mineradores podem trabalhar a diversificação econômica em seus territórios?
Waldir Salvador: Essas cidades têm que começar a promover diversidade econômica e a buscar novos negócios é quando as mineradoras chegam. Assim dá tempo para se preparar e, assim, ter um baque menor [quando termina a mineração]. É o que a gente sempre prega aos prefeitos: tem que fazer com pragmatismo, não pode ser negócio de apenas uma gestão; não deve ter esse negócio de um prefeito implementa um programa que dá certo para a diversificação econômica, mas vem o sucessor e desmancha. Isso não é projeto de prefeito, é projeto da cidade, por isso tem que ser perene.
Diversificação econômica é política pública e deve ser igual saúde e educação, que são áreas nas quais ninguém tem coragem de interromper. Então o caminho é criar políticas públicas de desenvolvimento econômico que vão além de cada mandato, pois você não consegue fazer transferência de matriz econômica de um, dois, três grandes segmentos para trinta, quarenta [outros pequenos segmentos] em um ou dois mandatos. Não existe isso! São vários mandatos para que isso aconteça.
Então nós já temos várias lições. Nova Era, lá perto de Itabira, era isso. A mina de Piçarrão, da Vale, acabou lá no passado e aí veio a Eletro Vale, que agora é a Nova Era SINDICON, colocada lá por um ex-presidente da Vale, que nasceu na cidade, para repor o grande baque que o encerramento da mina deu em Nova Era. Mas qual cidade tem a sorte de ter um presidente da Vale que ajuda por questões emocionais? Assim teremos que ter um presidente de grande mineradora nascido em cada uma das nossas cidades. Então o caminho é perseguir a diversificação econômica igual faz com saúde, com educação, com meio ambiente — todos os dias para enfrentar um baque menor no futuro.
DeFato: As cidades da região do Médio Espinhaço estão discutindo a criação de um fundo regional para diversificação econômica. Como trabalhar isso com diferentes municípios?
Waldir Salvador: Para legitimar isso são necessárias cidades que tenham relação direta com a atividade de mineração. Vamos ser verdadeiros: mineração não é obrigada a sustentar município não, ela é obrigada a compensar os municípios em que ela causa algum tipo de impacto. Então, se eu não sou município minerador, para eu participar de um consórcio desses, com legitimidade, eu tenho que ser pelo menos impactado pela atividade mineradora. Ao contrário eu não tenho legitimidade pra pleitear. E aí fica injusto porque ninguém quer extorquir a mineradora. Mas quer fazer com que ela dê alguma forma de retribuição, de compensação aos lugares em que ela cause impacto.
Então as cidades que são produtoras ou são impactadas pela mineração tem que pensar em suas atividades econômicas afins. Por exemplo: o Turismo é uma porcaria para os cofres municipais, mas é importante para a geração de emprego. Ouro Preto ainda é a cidade com maior fluxo de turismo do Estado, mas não tem o maior fluxo de turismo de permanência. Hoje, em Minas Gerais, esse maior fluxo de permanência é Tiradentes, fica-se mais dias em Tiradentes do que em Ouro Preto, em que o turista vai e volta.
Mas Ouro Preto, mesmo com o maior fluxo em quantidade de turistas, tem uma contribuição para os cofres públicos de apenas 3% do orçamento. Agora, o Turismo tem uma importância enorme na geração de emprego. Desde o guia que fica esperando na Praça Tiradentes, até o restaurante, a lanchonete, o hotel etc.
Economia municipal é isso, um mix entre quem gera muito emprego e quem gera muito tributo. Então o Turismo, em uma região como essa [Médio Espinhaço], com cidades de pequeno porte, mesmo que a atividade turística tenha um pequeno retorno aos cofres públicos, algum retorno ela traz para a cidade.
Dessa forma, se a cidade recebeu ou recebe algum impacto socioeconômico da mineração, faça projetos em comum com outros municípios para dar conforto até para a mineradora falar “de fato vale a pena investir” ou “de fato os meus sócios vão me deixar investir”. Tem que ter uma razão, tem que ter uma ligação e se tiver, quanto mais regionalizado forem os projetos, mais fácil para uma mineradora investir e mais difícil para ela negar esse apoio.
DeFato: No cenário atual, Itabira está no caminho para essa diversificação econômica?
Waldir Salvador: Eu não conheço com profundidade a questão econômica de Itabira. Eu sei que o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) está lutando igual um doido, dia e noite trabalhando para isso [diversificação econômica] e algum resultado vai ter. Mas, certamente, um baque acontecerá — não temos dúvida disso.
Então agora é trabalhar para minimizar esse baque: não inchar a máquina pública porque vai faltar recurso; fazer com que o Governo do Estado enxergue Itabira de outra maneira e leve infraestrutura regional para tornar a cidade, por exemplo, atraente e competitiva para novos negócios; e fazer com que a Vale cumpra pelo menos um papel razoável [para a diversificação econômica]. Tem que trabalhar todos os dias para que esse baque [do fim da extração mineral] seja menor.