A polarização política transformou Lula em Atlas
Eleito pela terceira vez presidente do Brasil, petista terá grandes desafios
O Brasil é o país da polarização. Sempre foi assim. A história endossa essa tese. O antagonismo, em algumas oportunidades, provocou a mais alta tensão. A década de 1950 registrou um exemplo clássico dessa dualidade. Na ocasião, o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN) duelaram na arena da política. O ex-governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek (PSD) enfrentou o udenista Juarez Távora no pleito de 1955. Foi uma disputa pelo Palácio do Catete, a então sede do governo federal, no Rio de Janeiro, antiga capital da República.
O mineiro de Diamantina se elegeu com uma diferença de 6% para o seu adversário. Próximo capítulo. Essa pequena vantagem foi a senha para que o jornalista Carlos Lacerda – líder da UDN e golpista nato – questionasse o resultado das urnas. Lacerda reivindicou aquilo que a Legislação Eleitoral da época não previa: um segundo turno. A tentativa de golpe, porém, morreu no nascedouro. Assim, JK tomou posse e se tranformou num dos maiores chefe de governo (e de Estado) de todos os tempos.
Mais recentemente, já no século atual, o Brasil foi palco de uma polarização ideológica. Dessa feita, petistas e tucanos se alternaram no exercício do poder (1994 a 2014). De um lado, a agenda neoliberal de FHC e Cia. Na outra ponta, o modelo progressista do Partido dos Trabalhadores (PT).
Mas o tempo passou. Hoje em dia, desfila na passarela uma polarização ideológica de elevado risco. O novo arranca-rabo coloca frente a frente “companheiros” e bolsonaristas. A atual refrega não nasceu originalmente em 2018. O triunfo de Jair Bolsonaro não foi fruto de um embate filosófico. Nas eleições daquele ano, o país ficou literalmente dividido entre petistas e antipetistas. Num extremo, o eleitorado insatisfeito com os demandos dos 14 anos de governos do PT. Na outra ponta, o capital residual da esquerda tupiniquim.
Até então, Bolsonaro era um inexpressivo deputado em busca de uma aventura qualquer. O antigo oficial das armadas entrou como azarão na corrida em direção a Brasília. Nem ele acreditava em seu potencial eleitoral, é claro. Até que, mais uma vez, o inesperado fizesse uma supresa: a faca do pisicopata Adélio Bispo alterou o script previamente traçado. O epílogo da chanchada todo mundo sabe: Jair subiu a rampa do Palácio do Planalto com um discurso aparentemente liberal. Essa fantasia (de governo liberal) seria tocada pelo suposto mago Paulo Guedes – um economista adepto dos preceitos neoliberais da chamada “Escola de Chicago”. O ex-capitão do Exército, na prática, gestou um governo de direita, com acentuado contorno de conservadorismo nos costumes. Essa conformação ideológica, porém, só se consolidou a partir de 2020 – o ano que marcou o limiar dessa tal polarização: extrema-direita x esquerda.
Esse embate atingiu o seu ponto máximo de estresse no processo eleitoral desse ano. No round decisivo, Lula da Silva derrotou Jair Bolsonaro. Foi a votação mais acirrada da história. O líder trabalhista ganhou com diferença mínima de 1,6% dos votos válidos. O futuro inquilino do Palácio da Alvorada herdará uma nação literalmente dividida. Os números finais da contenda demonstram essa paridade: Lula venceu em 13 estados e Bolsonaro em outros 13 (fora o Distrito Federal).
O céu inicial do terceiro governo Lula nada tem de brigadeiro. Além de sérios problemas estruturais internos, o presidente eleito enfrenterá um cenário bastante adverso na conjuntura internacional. A grave crise econômica que assola a Europa tem tudo para desembarcar no Brasil. Um fato resta incontestável: a escaramuça eleitoral transformou Lula em Atlas – o titã da mitologia grega, que foi condenado a sustentar o planeta nos ombros por toda a eternidade. Essa é a alegoria de Luiz Inácio Lula da Silva, no momento mais sublime da sua vida. O velho sindicalista já sente o imenso peso de Pindorama em suas costas. Que Zeus – o juiz supremo do Olimpo – proteja o Brasil.