Um minuto de silêncio pelos índios das Américas
Confira o novo texto do colunista Fernando Silva
A tragédia dos Yanomami provocou comoção planetária. As imagens fortes rodaram o mundo. O drama produziu matérias nos principais órgãos da imprensa internacional. As impactantes fotografias mostram homens, mulheres e crianças à procura de comida. São figuras esquálidas. Os ossos estufam a pele. Um horror. O cenário é de total degradação humana. É o mesmo script repugnante do flagelo da fome na Etiópia, principalmente no final do século passado. Na África, milhões de pessoas morreram de inanição. Essa tragédia humanitária, porém, não teve um ponto final. Ainda hoje, a escassez de gêneros alimentícios é uma realidade consuetudinária no continente africano.
A catástrofe dos índios brasileiros não é recente. Esse desastre emoldura um passado eterno. Nos últimos cem anos, algumas etnias indígenas foram praticamente dizimadas. O massacre dos povos originais é uma ferida aberta nas Américas. O genocídio é um crime onipresente em todos os pontos dessa banda da Terra. A história avaliza essa constatação.
No Brasil, a prática do extermínio em massa dos nativos começou bem no limiar do século XV. E continuou por todo o sempre. Os portugueses “descobriram” o Brasil no ano da “graça” de 1500, em 22 de abril. Mas, atenção. Descobrimento é mero eufemismo para a invasão. Quando Álvares Cabral e sua corja colocaram as imundas botas no solo daqui, havia cerca de cinco milhões de indígenas em todo o território tupiniquim. Esse lugar tinha dono.
Os nativos compartilhavam cultura exuberante e tradições encantadoras. A religiosidade era uma extensão da própria natureza. Afinal, o divino se manifestava no Sol (jaci) e na Lua (Guaraci). A invasão dos lusitanos não foi apenas uma violência física. Os ibéricos aniquilaram uma rica cultura com o veneno do etnocentrismo, um apelido “carinhoso” para a arrogância típica do primeiro mundo – que definia uma cultura específica (a europeia) como padrão para comparações.
No ponto de vista da elite do Velho Mundo, as manifestações culturais da periferia planetária eram inferiores. E, aí, incluíam-se crenças diversas do cristianismo ocidental. E, dessa forma, principiou-se a matança generalizada dos “seres inferiores”. Mesmo porque, “índios nem alma tinham”. E note-se. Tudo isso com suporte fundamental dos jesuítas – os homens das sotainas e dos porretes. A historiografia registra uma constante onda de assassinatos de indígenas por mais de cinco séculos. Consequência desse aniquilamento: restam apenas 250.000 filhos de Tupã, em todo o território nacional.
Essa carnificina, porém, não aconteceu (e acontece) apenas no Brasil. Os espanhóis conseguiram superar os portugueses no quesito crueldade. Os “galegos” invadiram a Cordilheira dos Andes e destroçaram uma das mais avançadas civilizações dos “confins do mundo”: o Império Inca, no Peru. Esses indígenas formavam uma civilização muito evoluída. Eles detinham profundos conhecimentos de física, matemática, astrologia e arquitetura. Utilizavam sofisticadas técnicas na edificação de seus monumentos. E nada adiantou tanta sabedoria, pois literalmente viraram pó nas mãos dos colonizadores. Não satisfeitos, os rivais dos portugueses avançaram América acima. E, na Mesoamérica, destroçaram mais dois povos geniais: Maias e Astecas. E, para fechar com chave de chumbo. Lá no cume do continente, os aristocráticos e puritanos ingleses massacraram os velhos moradores do futuro Estados Unidos. Sem dó nem piedade.
Como se vê, o sangue dos índios escorre continuamente por todo o solo do Novo Mundo. Aqui foi (ou é) palco do mais intenso dos genocídios. É tempo de se fazer um minuto de silêncio pelos índios das Américas.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato