Reflexões sobre uma igualdade utópica
Não é simples alcançar igualdade de direitos e conquistas quando não há igualdade de condições
O Dia Internacional das Mulheres — 8 de março — é um dia que marca trajetórias de luta, resistência, conquistas. Também é um dia que abre espaço para debates sobre a contínua necessidade de reconhecer a igualdade de gênero e repensar o sistema, para permitir que as mulheres gozem, de fato, dos seus direitos de liberdade e igualdade.
Foi em 1975 que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 8 de março como Dia Internacional das Mulheres, mas a ideia inicial é atribuída à dirigente socialista alemã — Clara Zetkin, que em 1910 já pretendia estabelecer uma data com tal finalidade. Em 8 de março de 1917 milhares de mulheres russas foram às ruas manifestar por melhores condições de trabalho e de vida, sendo este um marco histórico que influenciou a escolha da data.
Naturalmente, as conquistas femininas pela igualdade de gênero não são recentes e não podem ser limitadas a um, ou a poucos, eventos isolados. Trata-se, na realidade, do desdobramento de um conjunto de transformações culturais, econômicas, sociais e políticas.
No Brasil as conquistas femininas foram mais significativas a partir da década de 1930. O direito ao voto foi conquistado em 24 de fevereiro de 1932, com base no Decreto nº 21.076. Todavia, o voto feminino era facultativo. Apenas em 1965 o voto feminino se tornou obrigatório e, assim, equiparado ao dos homens. De lá para cá outros direitos foram, lentamente, conquistados.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Estatuto da Mulher Casada, a pílula anticoncepcional, a Lei do Divórcio, foram alguns importantes marcos dos direitos das mulheres, até chegarmos à Constituição da República de 1988 (CRFB/1988).
Somente em 1988 uma Constituição Brasileira reconhece, de forma expressa, a igualdade de direitos e obrigações dos homens e mulheres. O reconhecimento da igualdade e das liberdades que hoje são garantidas às mulheres é de substancial importância, especialmente para fins de inserção, manutenção e crescimento das mulheres no mercado de trabalho.
A igualdade de gênero é, inclusive, uma das metas do desenvolvimento sustentável, de acordo com a Agenda 2030 da ONU e também uma importante métrica dentro dos aspectos de ESG – environment, social, governance. O fator “social” do ESG tem como importantes indicadores o respeito a diversidade, o respeito à legislação trabalhista, o combate à discriminação e a igualdade de gênero, sendo possível afirmar que o comprometimento com esses valores representa hoje um ativo das companhias no mercado financeiro.
Falando em finanças, é importante lembrar que a inserção no mercado de trabalho e o sucesso profissional feminino são elementares para viabilizar a liberdade financeira das mulheres. Somente com liberdade financeira é possível alcançar a liberdade plena. A liberdade para tomar as próprias decisões acarreta custos, custos estes que as mulheres devem ter condições de arcar, sob pena de se manterem reféns da condição financeira de seus companheiros.
Apesar de juridicamente a igualdade de gênero seja assegurada, na prática ainda há um longo caminho de transformações para que a igualdade seja, de fato, uma realidade e deixe de ser um discurso utópico. As mulheres ocupam hoje cerca de 44% dos postos no mercado de trabalho1, mas o Brasil ocupa a 94ª posição — de um ranking de 146 países — na avaliação da distribuição de oportunidades entre homens e mulheres, conforme relatório elaborado pela Global Gander Gap Report2.
Se por um lado é certo que as mulheres são trabalhadoras de extrema relevância no mercado de trabalho, por outro também é certo que são elementares dentro de suas casas. O trabalho doméstico e, sobretudo, o trabalho materno, permanecem dentro das atribuições majoritariamente atribuída às mulheres. Embora muitos homens tenham passado a reconhecer esse trabalho, assim como contribuir com as atividades da casa e dos filhos, as mulheres ainda assumem a maior parte das responsabilidades, especialmente o gerenciamento dessa pequena grande empresa que é o lar.
Ainda que juridicamente homens e mulheres possuam os mesmos direitos e obrigações, a vida cotidiana apresenta uma realidade muito diferente. Observe ao seu redor. Observe a dinâmica das famílias que você conhece e convive. Na grande maioria das vezes as mulheres ainda assumem a maior responsabilidade, especialmente no que diz respeito à maternidade.
E daí pergunto: quais as reais chances de igualdade no mercado de trabalho, se, além da atividade profissional as mulheres ainda precisam gerenciar e executar outras diversas funções, como os trabalhos com a casa e com os filhos. Não é simples alcançar igualdade de direitos e conquistas quando não há igualdade de condições.
Os direitos conquistados são de extrema relevância, mas não são suficientes, por si só, para o alcance da igualdade efetiva. Por isso, é preciso refletir, discutir e implementar políticas públicas que viabilizem reais condições para que as mulheres possam estudar, trabalhar, maternar e, não menos importante, se cuidar e se divertir. O processo de empoderamento feminino e o envolvimento dos homens nas discussões também são elementos necessários para o avanço da igualdade de gênero.
Sou advogada e professora de cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Trabalho com Direito Ambiental e Direito Minerário, prestando serviços advocatícios para diversas empresas de mineração e infraestrutura. Para o exercício das minhas das funções, trânsito entre vários ambientes: escritórios, faculdades, minas, órgão públicos, dentre outros.
Também preciso estabelecer conexões com profissionais de diversas áreas, não só áreas dentro do Direito, mas também com engenheiros, geólogos, altos executivos etc. Cada um desses ambientes e pessoas carregam consigo um universo de histórias, de características, de dificuldades e de potencialidades. Tenho a sorte de encontrar inúmeras mulheres brilhantes por todos esses ambientes e, normalmente, os desafios enfrentados não são muito diferentes.
De forma geral, os principais desafios observados referem-se à falta de condições para que as mulheres conciliarem vida profissional, doméstica, materna e pessoal. Vive-se uma maratona de tarefas intermináveis, com pouco, ou quase nenhum, tempo para o autocuidado. Esses desafios resultam em um quadro já conhecido: diferença salarial entre homens e mulheres, baixa ocupação de posições de liderança, menores oportunidades de crescimento, discriminação, dentre outros.
Como já mencionado, o Estado deve rever e investir na adoção de políticas públicas voltadas a apoiar as mulheres em suas mais diversas funções. Por outro lado, as companhias também devem adotar políticas de recrutamento e desenvolvimento de lideranças femininas. A agenda executiva deve estar alinhada com o alcance de objetivos, pois não é mais suficiente apenas cumprir a legislação de forma literal.
O processo de gestão atual passa pela necessidade de avaliar e identificar falhas para implementação de medidas alinhadas com os objetivos. É preciso compreender que as mulheres desempenham papeis sociais de altíssima relevância e dar condições para que exerçam suas funções de forma equilibrada, respeitosa e igualitária parece ser um caminho benéfico à toda sociedade. Termino esse texto com um pequeno — e simples — convite: olhe para a mulher que está ao seu lado e pergunte a ela quais os principais desafios que ela enfrenta e como você pode ajudar.
* Luíza Guerra é sócia da área de Ambiental e Minerário da Sion Advogados. Advogada com mais de 15 anos de experiência, com destaque, nos últimos anos, para o atendimento a empreendimentos de Mineração e de Infraestrutura. Coordenadora do MBA em Direito da Mineração do Instituto Minere. Professora de Direito da Mineração e de Direito Ambiental em cursos de graduação da Funcesi, de pós-graduação e cursos livres. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Dom Helder Câmara. Especialista em Direito Ambiental pela Milton Campos. Especialista em Gestão Jurídica e Contencioso pelo Ibmec. Graduada em Direito pela Milton Campos.
** Acompanhe a advogada Luíza Guerra no Instagram: @sustentabilidadeedireito.