Vereadores aprovam hip-hop como patrimônio imaterial: “podemos nos expressar sem repressão”, comemora o produtor Pi
Proposta recebeu apoio unanime dos parlamentares, que destacaram a importância social do projeto de lei
Mesmo enfrentando diversos obstáculos devido ao preconceito, o hip-hop vem conquistando espaço e se colocando como uma importante vertente cultural em todo o País. Em Itabira, adeptos do movimento artístico têm trabalhado para garantir que possam realizar as suas atividades artísticas com segurança, respeito e sem repressões. Na tarde de terça-feira (13), um importante passo foi dado com a aprovação na Câmara de Vereadores do projeto de lei 39/2023, de autoria de Roberto Fernandes Carlos de Araújo “da Autoescola” (MDB), que torna o hip-hop patrimônio cultural imaterial do município — com o texto recebendo apoio unanime dos parlamentares.
Porém, antes que a proposta seja efetividade na cidade ainda é preciso superar mais alguns trâmites políticos. Isso porque o projeto de lei foi aprovado apenas em primeiro turno e ainda terá que enfrentar a segunda votação na Câmara, o que acontecerá na próxima terça-feira (20) — com tendência para uma nova aprovação unanime. Caso seja confirmado no Legislativo, o texto será encaminhado para sanção ou não do prefeito Marco Antônio Lage (PSB).
“A importância [da aprovação do projeto de lei] é que a gente estará seguro para conseguir entregar o que a gente quer [eventos de hip-hop], tendo nossos direitos respeitados, e tendo o nosso valor. Até semana passada a gente realizava a batalha [de MC’s] e, mesmo com o alvará na mão, sabíamos que se a polícia quisesse chegar e só acabar com o evento ela poderia fazer, igual ela já fez. Porém, temos ciência de que ter um projeto de lei traz segurança não só pra gente, mas para que quiser fazer”, avaliou o produtor cultural Felipe Cordeiro, o Pi, de 19 anos, integrante da produtora Festim, que promove a Batalha da Fênix.
“A ideia é que tenha batalha em todos os lugares de Itabira. Esse projeto assegura não só a gente de poder se expressar na rua, mas assegura que alguém que for fazer a batalha lá no Fênix, no João XXIII, poder se expressar, se reunir aqui sem que eles sejam vistos de outra forma, sem que tenham medo de sofrer repressão por estar fazendo hip-hop”, completa Pi.
O projeto de lei, cuja tramitação avança na Câmara Municipal, prevê o reconhecimento do hip-hop e todas as suas manifestações, como o breaking, grafite, rap e batalhas de MC’s, como patrimônio cultural imaterial.
Posicionamento dos vereadores
Autor da proposta, Robertinho da Autoescola disse que o “objetivo principal desse projeto é valorizar a cultura priorizando e incentivando os jovens que se sentem de alguma forma marginalizado com suas apresentações e manifestações. O objetivo é dar vida a cultura hip-hop”.
O emedebista também destacou o trabalho de articulação de produtores e artistas que o procuraram para auxiliá-los nesse processo. “Vocês [produtores e artistas] que foram propulsores disso tudo pela coragem e por usar a ponte que é o meu gabinete para oficializar isso”, afirmou.
Não foi apenas Robertinho da Autoescola que se manifestou sobre o projeto de lei 39/2023. Outros vereadores também comentaram e elogiaram a iniciativa. “O hip-hop é uma das manifestações que são criminalizadas, principalmente quando o público é da periferia. Então precisamos levar o hip-hop aos nossos jovens. (…) Esse é um projeto de uma relevância enorme”, disse Carlos Henrique de Oliveira (PDT).
Já o líder do governo Marco Antônio Lage na Câmara, Weverton Leandro Santos Andrade “Vetão” (PSB), declarou que “a descriminalização é necessária, embora muito se fala e pouco se tem de ação. É muito importante que política públicas sejam direcionadas para esse ato, pois o hip-hop é cultura, é vida, é sobrevivência”.
A vereadora Rosilene Félix Guimarães (MDB) comentou sobre o preconceito que a manifestação cultural enfrenta: “Sabemos que muitas vezes as pessoas são marginalizadas em razão das suas opções e neste momento nós podemos aprovar um projeto importante e que eleva essa cultura e a faz ser realmente reconhecida como cultura. É um projeto importante não só para este momento, mas para a história de Itabira e para a história das pessoas que são os adeptas ao hip-hop”.
José Júlio Rodrigues “do Combem” (PP) lembrou a trajetória de outras expressões artísticas que também precisaram superar a barreira do preconceito. “Essa quebra de paradigmas sempre acontece na cultura. Se a gente olhar pro passado veremos que o samba, quando surgiu, foi criminalizado e chamado de cultura inútil. Então isso vem acontecendo ao longo dos tempos com vários movimentos culturais que acontecem no Brasil e no mundo. E a maior força mesmo está na resistência de quem faz”, afirmou.
O que é patrimônio cultural imaterial?
De acordo com o governo federal, “os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas)”.
Além disso, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial. Nesses artigos da Constituição, “reconhece-se a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Ainda conforme a União, “o patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”.