Em Itabira, Elisa Lucinda chora ao recitar Drummond e comenta sobre o espaço do negro na arte

Consagrada atriz concedeu uma entrevista coletiva na Casa do Brás

Em Itabira, Elisa Lucinda chora ao recitar Drummond e comenta sobre o espaço do negro na arte
Elisa se emocionou ao recitar o “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade. Foto: Victor Eduardo/DeFato Online
O conteúdo continua após o anúncio


Se profissionais da arte costumam ter um forte quê de sensibilidade, a consagrada atriz Elisa Lucinda deixou esse lado aflorar ainda mais durante uma entrevista coletiva concedida na tarde deste sábado (9), na Casa do Brás, centro de Itabira. Visivelmente entusiasmada, após apresentar sua peça teatral “Parem de falar mal da rotina” na noite desta sexta-feira (8), na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, a global recitou poemas do poeta itabirano e foi às lágrimas.

Além disso, Elisa também analisou o espaço do negro no meio artístico, tema tratado em uma roda de conversa realizada nesta mesma tarde. As atividades fazem parte da programação do “!PULSA! Movimento Arte Insurgente”, evento cultural iniciado ontem e que se encerrará no dia 17 de setembro.

Ao falar sobre sua relação com Carlos Drummond de Andrade, Elisa recitou os poemas “Cidadezinha qualquer” e “Poema de sete faces”, momento em que cedeu às lágrimas. Fã do poeta desde a infância, a atriz relembrou o choque ao saber da morte do itabirano e o privilégio da cidade em tê-lo como principal referência no mundo.

“Quando Drummond morreu, foi uma porrada na minha cabeça. Eu comecei a chorar, chorar, chorar e resolvi decorar um poema dele, e decorei ‘Poema de sete faces’. Estou aqui gastando Drummond, porque, afinal de contas, o homem virou um teatro. E, além de tudo, Itabira é conhecida no mundo por causa de Drummond. Poderia ser conhecida só pelo minério. E acho que ter a herança de um poeta é muito chique para o imaginário de um lugar. Drummond é imenso”, comentou, antes de recitar Poema de sete faces.

O negro na arte

Perguntada pela reportagem sobre o espaço da mulher negra nos diferentes tipos de arte, Elisa ampliou sua resposta também aos homens pretos. Embora admita um pequeno avanço recente, a também poeta, jornalista, professora, autora e cantora citou alguns dos seus incômodos dentro deste cenário marcado pelo preconceito. Um deles, a “unificação” da figura do negro.

“É muito absurdo como nos confundem, e não é de longe não. Nós, negros, conhecemos muitos brancos, mas os brancos não nos conhecem. Eu fazendo novela agora (Vai na Fé), uma novela de sucesso, fui em um samba e o cara falou ‘Margareth Menezes está aqui’. Então é uma coisa muito doida, parece uma doença, não parece que a pessoa está boa. Aconteceu agora em um shopping no Rio, o cara segurou minha mão e disse ‘sou seu fã, te acompanho há muito tempo… te acompanho desde Xica da Silva (trama gravada em 1997, da qual Elisa não participou)’. Já me confundiram com Elza Soares. É uma vergonha, os brancos chamariam de garfe. É o negro único”.

Para a atriz, a evolução obtida até aqui é fruto de uma imposição da própria comunidade negra. Hoje, diz ela, os meios artísticos compreenderam a necessidade de promover espaços mais diversos.

“Então acho que a gente avançou, avançamos no sentido de que a branquitude odeia não estar na crista da onda. E hoje, ser ecológico, ser diversidade e ser antirracista está on. E aí tem as regras de mercado, o programa não quer pagar o mico de não ter um preto pelo menos. Eu sei muito bem o convite que é para completar preto. Mas foi um avanço fruto da nossa exigência. Acho que estamos muito longe do que queremos, mas muito mais perto do que a gente já esteve”.

Jantar simbólico

Por fim, Elisa mencionou um fato recente vivido ao lado de outro artista negro de renome, o ator Lázaro Ramos. Um jantar da dupla na última quarta-feira (7), no Copacabana Palace, representa uma ascensão da luta negra, segundo a atriz.

“Antes de ontem, 7 de setembro, fui almoçar com Lázaro Ramos no Copacabana Palace, ele me convidou. Fui andando para lá, é perto da minha casa, e perguntei ao jornalista: ‘você não vai perguntar para onde vou?’. Eu precisava dizer ‘vou almoçar com Lázaro Ramos no Copacabana Palace’ (risos). Cheguei lá e só havia brancos almoçando, e foi incrível a história porque era o dia da independência. Nós dois, pretos, ali, comemoramos uma ascensão da nossa luta. Mas ainda há muito o que fazer”.