A vexatória omissão de alguns deputados mineiros na Câmara Federal

As posturas dos homens públicos das Gerais, porém, mudaram muito nessa era de nefasta polarização

A vexatória omissão de alguns deputados mineiros na Câmara Federal
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Interessantes estereótipos consagraram os políticos mineiros ao longo dos tempos. O mais memorável deles é o termo “velhas raposas”. E tem uma justificativa. O canídeo é um animal sorrateiro e ladino. Essas qualificações remetem à arte de se fazer política com rara habilidade e fina ironia. Coisas do passado. Aqui vem um exemplo icônico para ilustrar essa narrativa. Os ex-governadores (dentre outras funções) Tancredo Neves e Magalhães Pinto eram antagonistas em tudo. E mais. Os dois se detestavam reciprocamente. Mas jamais perdiam a oportunidade da elegância dissimulada. Certo dia, se encontraram no pré-histórico Aeroporto da Pampulha. Uma simples coincidência. A ocasião permitiu a circunstância patética. As “raposas” trocaram um forte abraço seguido de estrondosas gargalhadas. Essa cena foi a personificação da falsidade em seu mais elevado grau.

Tancredo aproveitou e indagou:

– Para aonde está viajando o “nobre amigo”?

Magalhães respondeu sem pestanejar:

– Vou ao Rio de Janeiro resolver problemas pessoais

Despediram-se e cada um tomou o seu rumo. Tancredo, então, virou para um assessor que o acompanhava e comentou:

– Magalhães pensa que é muito esperto, mas não me engana. Disse-me que está indo ao Rio de janeiro só para eu pensar que o destino dele é Brasília, mas, na verdade, ele está indo é para o Rio de Janeiro mesmo.

Com o tempo, os atores políticos das Alterosas ficaram marcados por outra característica bem peculiar: o posicionamento em cima do muro. Num certo momento, essas personagens nunca abriam o jogo sobre suas intenções e convicções. O sistema pragmaticamente funcionava assim: não sou contra e nem a favor, muito antes pelo contrário. E “la nave va”.

As posturas dos homens públicos das Gerais, porém, mudaram muito nessa era de nefasta polarização. Nesse cenário, alguns representantes daqui cometem corriqueiramente o pecado mortal da omissão. Brasília é a principal testemunha desse comportamento. Veja um exemplo literalmente gritante. No início desse mês, a má ação pegou mal. O parlamento resolveu deliberar sobre manter, ou não, o encarceramento do deputado Chiquinho Brazão, suposto mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, do Psol carioca. A revogação da prisão seria uma afronta ao STF e ainda respingaria no governo Lula. Então, era necessário “saco roxo” para contrariar certos interesses subliminares.

Os nobres membros do Legislativo desempenharam a hercúlea tarefa de optar pelo sim (Chiquinho na cadeia) ou não (Chiquinho no meio da rua). A Câmara é formada por um elenco de 513 deputados. Um total de 277 decidiu manter o encarceramento. Outros 129 acharam melhor escancarar as portas da masmorra. Foi uma votação polêmica. E tem uma sutileza a mais nessa história toda (ou tola): os protagonistas desse teatro de horrores tiveram que botar as caras na frente dos holofotes.

A terra de Tiradentes mantém 53 “representantes do povo” no Distrito Federal. Desses, 15 (ou 7,95% da turma) se omitiram. Não apareceram no plenário na hora da onça beber água. Um estava lá, mas se absteve. Em outras palavras, foi omisso em dose dupla. Em meio aos “sumidos”, chama atenção Aécio Neves. O neto do mítico Tancredo preferiu fugir a honrar um dos mais ricos currículos de homem público de Minas Gerais: governador (por dois mandatos), senador e deputado federal (inclusive presidente da Câmara). E quase se elegeu presidente da República (teve 48,36% dos votos). É incrível. Os políticos mineiros agora se transformaram em “metamorfose ambulante”.

P.S.1: confira a relação dos gazeteiros de Minas na votação sobre a manutenção da prisão de Chiquinho Brazão:

Aécio Neves (PSDB), Bruno Farias (Avante), Domingos Sávio (PL), Emidinho Madeira (PL), Greyce Elias (Avante), Igor Timo (Podemos), Lincoln Portela (PL), Luís Tibé (Avante), Luís Fernando (PSD), Paulo Abi- Ackel (PSDB), Pinheirinho (PP), Rafael Simões (União Brasil), Rodrigo de Castro (União Brasil) e Stefano Aguiar (PSD). Dimas Fabiano (PP) simplesmente se absteve. Como se vê, alguns desses senhores não passam de sujeitos ocultos.

P.S.2: Já Chiquinho- o meu cachorro Yorkshire — desfruta de plena liberdade. Roda a casa toda e ainda tem tempo de subir à janela para bisbilhotar a rua. Chiquinho é uma brasinha, nunca brasão.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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