Moradores afetados pelas obras do Sistema Pontal lançam abaixo-assinado exigindo informações da Vale; entenda
A Assessoria Técnica independente está elaborando um documento sobre a situação alarmante de diminuição do número de remoções na região
Na noite desta quarta-feira (22), a Assessoria Técnica Independente da Fundação Israel Pinheiro (FIP/ATI) em Itabira, promoveu uma roda de conversa sobre o processo de reparação das famílias dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia – que são diretamente atingidas no processo de descaracterização do Sistema Pontal pela mineradora Vale.
Indignados com a forma que a empresa vem conduzindo a situação – bem como as obras em curso no território atingido – os moradores conseguiram junto à FIP/ATI a criação de um abaixo-assinado. Entre outras reivindicações, o documento pede por acesso às informações que esclareçam a redução das remoções previstas na região, apesar do risco potencial de rompimento da barragem ainda ser o mesmo, segundo os representantes. O documento também discorre sobre todo o impacto causado à vida das pessoas, como tráfego intenso de máquinas pesadas; poeira; rachaduras nas casas; desvalorização dos imóveis; problemas com esgoto; entre outros.
Entenda
Em abril de 2024, a Vale anunciou que em breve, irá iniciar a construção da segunda Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ2) – projeto que faz parte das obras de descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, que compõem o Sistema Pontal. Para esta obra ser realizada, mais 17 famílias – que já estão em processo de negociação com a mineradora – serão removidas da região.
Popularmente chamado de “mega-muro”, essa estrutura será construída dentro da área da Vale, terá 330 metros de extensão e será composta por diversas estacas metálicas tubulares, com no máximo seis metros de altura externa – além de vários metros de perfuração interna ao solo. De forma resumida, essa estrutura servirá para conter todo o rejeito e reduzir danos ambientais e materiais, caso haja eventual rompimento dos diques.
Inicialmente, a obra previa quase 2km de extensão do “mega muro”, mas agora, o projeto foi alterado, sendo reduzido para apenas 330 metros – sem que a Vale apresentasse à ATI/FIP, os estudos necessários para as alterações. A Vale também não detalhou por onde a mega estrutura será construída, se limitando apenas a dizer que o muro será levantado em “região específica do bairro Bela Vista”. Além disso, não informou aos moradores um plano para mitigar os impactos sociais, psicossociais e de segurança pública às centenas de pessoas que ficarão na comunidade e se tornarão vizinhas à estrutura de concreto e aço. Em função destas e de várias outras reclamações, os moradores acumulam dúvidas sem esclarecimento, e seguem vivendo entre a incerteza e a insegurança.
“O abaixo-assinado serve como uma forma das pessoas atingidas mostrarem a insatisfação no modo como o processo está sendo conduzido. Também serve como um meio de unir a comunidade em torno de um objetivo em comum”, frisou Lucas Mageste, coordenador técnico de campo da FIP/ATI. Uma opinião compartilhada por Lívia Maris, coordenadora jurídica da FIP/ATI.
“Esse foi um pedido da comunidade que vê no abaixo-assinado um instrumento para expressar a inconformidade em relação à condução do processo de descaracterização do Sistema Pontal pela empresa Vale. Sem informações claras e precisas, as pessoas seguem com suas vidas suspensas, adiando planos, vivendo sob forte angústia e ansiedade no tocante às remoções e a classificação de risco da barragem. Temos, hoje, uma situação de inobservância da lei por parte da empresa, e o sentimento das pessoas atingidas é de que suas vozes não estão sendo ouvidas”, disse.
A advogada ainda destaca que a Assessoria Técnica independente está elaborando um documento técnico sobre a situação alarmante de diminuição do número de remoções previsto, e as Instituições de Justiça e Poder Público serão oficiados para que providências sejam tomadas.
O sentimento dos moradores
Durante a roda de conversa, vários moradores pediram a palavra tanto para tirar dúvidas, quanto para incentivarem a união entre eles. O eletricista Kleyton da Silva, morador do Nova Vista, foi uma das pessoas que fez questão de se pronunciar. Ele falou das inseguranças que vem vivendo nos últimos anos.
“Nossa luta é grande, mas com a união vais nos levar ao objetivo maior, que é a reparação e a segurança de todos os moradores. Eu temo pela minha vida e da minha família, e é isso que me motiva a participar dos encontros e reuniões com a ATI. Todos os dias, eu me levanto para trabalhar e fico preocupado se pode acontecer alguma coisa. Eu me deito na minha cama e me preocupo se a barragem pode vir a romper, ou algo assim. Esse abaixo-assinado é algo que a gente já queria muito para fazer as autoridades olharem para a gente com um pouco mais de carinho”, finalizou.
Giéser Rosa Coelho, morador do bairro Bela Vista e liderança comunitária ativa no processo de reparação, comentou que a construção de orientações fornecidas para a população, por meio da FIP/ATI, tem sido feita em base sólida.
“Esse tipo de roda de conversa, com foco na formação, é necessário porque vai atraindo mais pessoas, trazendo mais interesse. O abaixo-assinado tem toda a informação do que está acontecendo e nossa luta pela reparação integral dos atingidos. Isso nos fortalece no entendimento do que são os danos causados pela Vale, que não estão restritos apenas às questões estruturais das casas e desapropriações, mas também os danos causados pela não-informação. Tudo isso gera transtornos que, muitas vezes, não serão mensurados em valores financeiros. As pessoas estão adoecendo e sofrendo. E qual seria o valor financeiro para isso?”, questiona.
O evento
Durante o evento, os técnicos da FIP/ATI explicaram e esclareceram dúvidas sobre os instrumentos legais que integram a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB); o que trata o Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM); onde os bairros atingidos se encaixam na mancha de inundação; o que são as zonas de autossalvamento (ZAS); os perigos que as barragens do Sistema Pontal ainda oferecem; e quais são os direitos das pessoas atingidas.
Para Lucas Mageste, o aumento da presença da comunidade nos eventos da ATI reflete o empenho por parte de todos da equipe. “Mostra também que a população está acreditando no trabalho que está sendo desenvolvido. A participação deles nesses espaços é fundamental para o fortalecimento de todo o processo. Serve, ainda, como um local de acolhimento para as pessoas atingidas, onde são informados, instruídos, tem suas dúvidas sanadas e seus problemas ouvidos”.