Assédio e coação econômica: Vale é denunciada no Ministério Público por violação de direitos em quatro comunidades itabiranas
“A Vale S.A. é uma empresa de mineração com uma notória história de violação de direitos humanos, ambientais e trabalhistas”, diz o documento
A mineradora Vale terá que lidar com mais uma denúncia de violação de direitos no território de Itabira. Dessa vez, a empresa é acusada de cometer assédio — inclusive por meio de coação econômica — nas comunidades rurais de Cubango, Turvo, Borrachudo e Criciúma com objetivo de convencer os moradores dessas localidades a venderem os seus terrenos. O documento foi encaminhado para Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e outros órgãos.
“A Vale S.A. é uma empresa de mineração com uma notória história de violação de direitos humanos, ambientais e trabalhistas, responsável por graves situações de contravenção onde opera no Brasil, inclusive em Itabira e região, como é de conhecimento do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Na historiografia de Itabira podemos citar os emblemáticos casos das expulsões de moradores na Vila Sagrado Coração de Jesus (Explosivo), na Vila 105, no Camarinha, no Rio de Peixe, na Vila Santana e, agora, nos bairros Bela Vista e Nova Vista, que têm sido ameaçadas desde 2021, e começaram a ser expulsos de suas casas em 2022, devido ao processo de descomissionamento da barragem do Pontal”, ressalta a representação contra a mineradora.
A denúncia é de autoria da Caritas Diocesana e do Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira. O representante das duas instituições e professor do campus local da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), Leonardo Ferreira Reis, entregou o documento para: Giuliana Talamoni Fonoff, promotora de Meio Ambiente e Direitos Humanos do MPMG; Shirley Machado de Oliveira, promotora da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do MPMG; Marcelo Mata Machado, promotor de Justiça do MPMG; Denes Martins Costa Lott, secretário municipal de Meio Ambiente e presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema); e Bella Gonçalves (PSOL), deputada estadual.
“Estas comunidades são formadas majoritariamente por camponeses, que têm na agricultura familiar e no trabalho rural sua principal fonte de subsistência e renda, sendo que muitas das famílias vivem em condições de vulnerabilidade social, situação que é aproveitada pela mineradora para convencer, através da coação financeira, a venda das terras que são do seu interesse”, diz trecho da denúncia contra a Vale.
Ainda conforme o documento, “moradores das comunidades rurais do Cubango, Turvo, Borrachudo e Criciúma estão relatando diversos casos de assédio por parte da mineradora Vale S.A., interessada na compra das suas propriedades, sendo que alguns moradores já efetivaram a venda em negociações individuais com a empresa. Porém, estes relatos apontam que as negociações foram feitas sem que os moradores recebessem qualquer assessoria, ou apoio no processo, tendo sido convencidos que a saída do território em benefício da Vale S.A. era inevitável”.
“Não foi informado aos moradores quais as razões para o interesse na compra das terras e eles, assim como a sociedade itabirana, desconhecem, até o momento, se existe algum plano de nova expansão das atividades minerárias da Vale S.A. na região, que por si só preocupa tendo em vista as implicações socioambientais e até econômicas em Itabira e região, dentre elas faz-se relevante destacar a existência de córregos e nascentes, que em razão da crise hídrica do município demandam imperiosa proteção do poder público e atenta vigilância e controle social pelas entidades ambientalistas”, diz outro trecho da denúncia.
Solicitações
Diante das denúncias, é requerido que a Vale explique quais são os interesses nas terras dos moradores das comunidades rurais de Cubango, Turvo, Borrachudo e Criciúma, que fazem divisa com um empreendimento da mineradora na Serra do Esmeril. “Inclusive apresentando a localização/situação atual e futura dos títulos minerários da empresa e os respectivos Planos de Aproveitamento Econômico apresentados e/ou aprovados pela Agência Nacional de Mineração (AMN)”, destaca o documento.
Também é solicitada uma visita técnica da CIMOS “nas comunidades para levantar os impactos sociais e ambientais que a comunidade vem sofrendo com o assédio da mineradores Vale para a compra de terrenos na região”. Assim como pede que seja averiguado se “as negociações que estão em andamento e já concluídas sobre a compra de terrenos na região têm ocorrida respeitando a equidade de condições entre as partes”.
Por fim, cobra a “contratação de uma Assessoria Técnica Independente, nos moldes estabelecidos pela lei 23.795 (PEAB), para assessorar os moradores da região sobre os seus direitos, criando uma matriz de danos sobre os impactos socioambientais da mineração na região, e estabelecendo condições mínimas coletivamente para que as negociações sejam realizadas com os moradores das comunidades”.
Outro lado
A mineradora Vale encaminhou ao portal DeFato um posicionamento oficial em relação à compra de terrenos na zona rural de Itabira. De acordo com a empresa, a compra desses terrenos é para “aplicação de novas formas de compactação de estéril e rejeito” sem que haja necessidade de barragens. Além disso, informou que todo o processo de aquisição de áreas acontece “de forma transparente, respeitosa e diálogo permanente com as pessoas diretamente envolvidas”.
Confira a nota na íntegra:
“A Vale vem adotando novos processos e tecnologias em suas operações para diminuir a necessidade de barragens e, assim, continuar sua atividade minerária de forma segura e sustentável, com foco nas pessoas e no meio ambiente. Neste contexto, tem sido estudada a viabilidade de aplicação de novas formas de compactação de estéril e rejeito, o que implica em uso de áreas e na consequente aquisição de imóveis, não sendo essa uma atividade de extração mineral. Ressalta-se que todo o processo de aquisição conta com o diagnóstico socioeconômico das famílias e tem sido conduzido de forma transparente, respeitosa e diálogo permanente com as pessoas diretamente envolvidas. A Vale reforça que o atendimento às famílias está em conformidade com a legislação vigente, normas técnicas aplicáveis e alinhado às diretrizes de padrões internacionais de sustentabilidade”.