Ex-comandante da VoePass denuncia uso de palito no sistema antigelo de aeronave da companhia aérea

Um avião da VoePass era chamado Maria da Fé. Motivo: “o aparelho só voava pela fé”

Ex-comandante da VoePass denuncia uso de palito no sistema antigelo de aeronave da companhia aérea
Foto: Reprodução/Redes sociais

Ex-comandante da VoePass e um dos primeiros pilotos de aeronaves do modelo ATR no Brasil, Ruy Guardiola contou que, durante um voo da companhia, a equipe de manutenção das aeronaves utilizou um palito de fósforo para resolver um problema no botão de acionamento do sistema antigelo.

O episódio ocorreu em 2019, quando Guardiola trabalhou por ao menos um mês na Passaredo, que depois viria a se chamar VoePass.

A empresa aérea foi fundada em 1995, em Ribeirão Preto, interior paulista, especializando em voos regionais, sendo a mais antiga do país.

Segundo Guardiola, “o problema foi detectado no nível de aquecimento de um dos sistemas. A solução encontrada pela manutenção foi a colocação de um palito de fósforo, ou sei lá, um palito de dente. Eu vi com esses olhos que a terra há de comer”, disse o piloto em entrevista ao Fantástico.

Outro ex-funcionário da empresa e ex- comissário, que não quis se identificar, disse que havia um avião da companhia que era conhecido como Maria da Fé, tamanha era a precariedade da aeronave.

“A empresa colocava a segurança em segundo ou terceiro plano. Visava mais o lucro, e a gente tinha um avião que chamava Maria Da Fé, pra você ter ideia. Porque só voava pela fé. Porque não tinha explicação de como um avião daquele estava voando”.

Falha no sistema antigelo do avião é exatamente a primeira suspeita da causa do acidente que vitimou 62 pessoas na sexta-feira (9), na cidade de Vinhedo, interior de São Paulo. Quatro tripulantes e 58 passageiros, além de um cachorro, perderam a vida no fatídico acidente.

Especialistas acreditam que essa possa ser a principal causa da tragédia e que possivelmente os pilotos não perceberam o acúmulo de gelo nas asas do avião, voando na mesma altitude até a perda da sustentação.

Uma segunda teoria é a de que, mesmo percebendo o excesso de gelo nas asas, o sistema não tenha funcionado.

Nas informações prestadas pela empresa à TV Globo, a VoePass disse que: “Cumpre e respeita as leis trabalhistas, e que o esforço principal da empresa, neste momento de dor, está em apoiar e dar assistência às famílias dos passageiros e tripulantes que estavam a bordo”.

Afirmou também que “o avião estava “aeronavegável”, com todos os sistemas requeridos em funcionamento, cumprindo requisitos exigidos pelas autoridades”.

No entanto, um piloto da VoePass, Luis Cláudio de Almeida, em relato numa audiência pública na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), realizada em 28 de junho desse ano, denunciou uma suposta pressão da empresa para exceder a escala de jornada de trabalho durante as folgas e uma rotina de fadiga constante.

“A empresa às vezes me liga para fazer o voo: Vai, vai que dá {para voar}, mas na escala diz que não é para ir”.

Almeida afirmou, ainda que a empresa liga mesmo em dias de folga para combinar voos e que já chegou a receber até oito ligações em dias em que não deveria trabalhar.

“A gente acorda da escala, quando você acorda tem oito ligações da escala no seu dia de folga. Eu estava de folga e precisei desligar o meu celular”.

Almeida alertou aos técnicos da Anac que um dia, ao ligarem o jornal, serão surpreendidos por notícias de um acidente aéreo provocado por fadiga.

“Não queremos entrar nessa estatística. Queremos conforto”.