O “fuck you” de Janja provocou saudades de Dona Marisa Letícia
A indomável língua da mulher do “Homem” ensejou oportunidade para um questionamento óbvio: afinal, qual a utilidade de uma primeira-dama?
Rosângela Lula da Silva — popular Janja — roubou a cena no primeiro dia do G20, no Rio de Janeiro. A mulher do “Homem” sentiu-se incomodada com o som de uma buzina de navio. Eu, que sou mineiro, nem sabia que esse “trem” buzinava. O ruído inusitado aconteceu durante a participação da socióloga num painel do G20 Social. Lula também se encontrava no local. Janja tentou ser engraçadinha e disparou um nada a ver. “Deve ser Elon Musk. Eu não tenho medo de você”, desafiou a distinta. E completou, resvalando para a sarjeta: “Fuck, Elon Musk”.
Observe — em livre tradução — a emenda pior que o soneto: “vai se foder, gringo”. Mas tem um problema. O destinatário do palavreado tosco não é um estrangeiro qualquer. Aqui se fala do sujeito mais rico do mundo, agora empregado do “todo poderoso” do planeta. Vamos ao ponto. Musk será o diretor do Departament of Government Efficiency (DOGE) na futura administração Trump. A pomposa sigla DOGE significa poder extraordinário. Uma realidade, porém, se apresenta bastante clara. Donald botou uma raposa para vigiar o galinheiro. O bilionário, na verdade, defenderá os seus interesses privados numa esfera pública.
Musk, de imediato, respondeu à provocação de Rosângela com reveladora ironia. O megaempresário aparentemente levou a coisa na gozação. Postou emojis de sorrisos e devolveu com dissimulado tom ameaçador: “eles [a esquerda brasileira] vão perder a próxima eleição”. O contexto ficou explícito. O dono da rede social “X” investirá na extrema-direita dessas bandas em 2026. Essa estratégia já despontava na linha do horizonte. Então, a resposta à cutucada é didática: Elon tentará interferir na próxima sucessão presidencial.
A indomável língua de Janja, mulher do “Homem”, ensejou oportunidade para um questionamento óbvio: afinal, qual a utilidade de uma primeira-dama? Noves fora a natural breguice, ninguém é capaz de revelar a serventia do “nobre” cargo. Para começo de conversa, essa bizarrice não é uma invenção tupiniquim. Trata-se de uma importação vira-lata. A americana Frances Cleveland estreou o “honroso” apelido. Essa senhora era casada com Grover Cleveland — o 24º presidente dos Estados Unidos (1893 a 1897). A partir daí, o modismo se disseminou mundo afora como uma pandemia de mau gosto estético.
Mas, atenção! Primeira-dama não é uma atribuição legal. Trata-se de um ponto institucional fora da curva. Nesse país tropical, a função (ou seja lá o que for) adquiriu relevância inicial com Darcy — a “dona” de Getúlio Vargas. Em 1942, a madame criou a Legião Brasileira de Assistência (LBA) — uma entidade de ajuda aos familiares dos pracinhas que lutavam na Segunda Guerra Mundial na Itália. Depois do confronto, a LBA virou importante ferramenta de apoio às famílias carentes em geral. A instituição foi extinta em 1995 pela discreta e notável Ruth Cardoso, cônjuge de FHC.
E por falar em discreta, vem à memória Marisa Letícia, a consorte de Lula nos dois mandatos anteriores (2003/2006 e 2007/2010). Essa genuína dona de casa morreu precocemente em 2017. Letícia era sinônimo de discrição elevada à enésima potência. Jamais abria a boca em público. Apenas sorria preguiçosamente. A ex-grande companheira de Luiz Inácio é o mais completo contraponto à Janja, atual mandatária do coração de Lula.
Marisa, todavia, não era uma pessoa simplória, pacata ou submissa. Pelo contrário. Em particular, a “galega” mandava, desmandava e distribuía palavrões às pencas. O estilo desbocado veio à tona no vazamento de um áudio na época da crise do Mensalão. Numa noite de barulhento panelaço contra o governo petista, Letícia não se conteve e desabafou para um filho (o Lulinha) com quem conversava: “manda [sic] esse pessoal enfiar essas panelas no cu”, sugeriu a tímida primeira-dama do Brasil.
P.S.: Recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron tentou oficializar o cargo de primeira-dama. Não deu certo. O morador do “Palácio do Eliseu” recebeu pancadarias de todos os lados e desistiu da ideia.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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