Muito antes de falar: o que o silêncio das crianças pode estar dizendo
Embora cada criança tenha seu próprio ritmo de desenvolvimento, é importante ficar atento a alguns marcos esperados

Nos primeiros anos de vida, as crianças constroem as bases para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas e sociais. É nessa fase, chamada de primeira infância, que vai do nascimento até os seis anos, que o desenvolvimento da fala e da linguagem acontece de forma mais intensa e significativa. Quando há atrasos ou alterações nesse processo, a intervenção precoce com um fonoaudiólogo pode fazer toda a diferença.
Quando a fala demora a chegar
Embora cada criança tenha seu próprio ritmo de desenvolvimento, é importante ficar atento a alguns marcos esperados. Por exemplo, aos 12 meses, a maioria das crianças já fala pelo menos uma ou duas palavras com significado; aos 2 anos, já é esperado um vocabulário de cerca de 300 palavras e o uso de pequenas frases. Quando esses marcos não são atingidos, ocorre um atraso de fala, que pode estar associado a causas diversas, como fatores ambientais, auditivos, neurológicos ou genéticos.
A fonoaudiologia é a área da saúde responsável por investigar, diagnosticar e tratar esses atrasos e alterações, atuando diretamente na promoção da comunicação. Intervenções realizadas logo nos primeiros sinais de dificuldade tendem a ser mais eficazes, pois aproveitam a neuroplasticidade da idade, ou seja, maior capacidade de aprender e se adaptar.
Autismo e desenvolvimento de linguagem
No caso de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), as dificuldades de comunicação estão entre os principais sinais observados. Muitas vezes, a criança com autismo pode apresentar ausência ou atraso significativo na fala, além de dificuldades na interação social, uso de gestos e contato visual. A atuação do fonoaudiólogo, nesses casos, vai além da fala em si: envolve o desenvolvimento da comunicação funcional, o uso da linguagem no contexto social e o suporte à família para favorecer o processo terapêutico.
A identificação precoce do autismo é essencial. Quanto antes a criança for avaliada e iniciar o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar que inclui fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e médicos, maiores são as chances de avanços significativos na comunicação e na qualidade de vida.
Apraxia de fala infantil: quando o cérebro quer falar, mas a boca não responde
Outro transtorno que merece destaque é a apraxia de fala na infância. Trata-se de um distúrbio neurológico motor que afeta a capacidade da criança de planejar e coordenar os movimentos necessários para falar. Diferente de um atraso simples, a apraxia é marcada por dificuldades na produção de sons e sílabas, inconsistência na fala e grandes desafios na imitação de palavras, mesmo com esforço.
A apraxia requer um diagnóstico cuidadoso e um acompanhamento intensivo com estratégias específicas. O trabalho fonoaudiológico é focado na repetição estruturada, na associação entre gesto e som, e em ajudar a criança a construir uma base segura para a comunicação verbal.
A força da intervenção precoce
Quando uma criança é acompanhada desde cedo por um fonoaudiólogo, é possível minimizar impactos no desenvolvimento global, incluindo aspectos sociais, emocionais e cognitivos. A comunicação é a ponte que conecta a criança ao mundo. Sem ela, o aprendizado, as relações e a autonomia ficam comprometidos.
Pais, cuidadores e professores desempenham um papel fundamental nesse processo, pois são os primeiros a notar quando “algo não está indo bem”. Buscar ajuda especializada logo nos primeiros sinais é um gesto de cuidado e de amor que pode mudar o futuro de uma criança.
Referências
- American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). (2022). Speech and Language Development Milestones;
- Ministério da Saúde. (2013). Diretrizes de Atenção à Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA);
- Gadian, L., Capovilla, F. C., & Capovilla, A. G. S. (2016). Apraxia de fala na infância: Diagnóstico e intervenção fonoaudiológica;
- Zorzi, J. L. (2003). Aquisição e desenvolvimento da linguagem oral: uma abordagem fonoaudiológica;
- Fernandes, F. D. M. (2006). Fonoaudiologia e desenvolvimento infantil: perspectivas atuais. Revista CEFAC.
Sobre a colunista
Thaís Martins Fernandes é fonoaudióloga, formada e mestre em ciências fonoaudiológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aperfeiçoada em reabilitação neurológica infantil pela Associação Mineira de Reabilitação Infantil (AMR), com formação em terapia ABA (academia do autismo). Sócia da Clínica Integrar, atua em linguagem e desenvolvimento infantil, acompanha crianças com atrasos de fala, autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento.
É também criadora de conteúdo no Instagram (@thais.fonointantil), onde compartilha informações acessíveis sobre linguagem, maternidade e saúde infantil. Mãe da Maitê, une sua vivência profissional e pessoal para defender a importância da escuta, do acolhimento e da intervenção precoce.