O problema do álcool: entrevista com psicólogo da Amai
Rangel Sá de Oliveira, psicólogo da Amai
O psicólogo da Amai, entidade que cuida da recuperação de dependentes químicos em Itabira, Rangel Sá de Oliveira, explica na entrevista a seguir o problema do álcool na sociedade e o trabalho de recuperação feito pela organização. A entrevista (publicada na íntegra) foi fonte de informação para a reportagem Vítimas do Álcool, da revista DeFato – edição de outubro.
Confira
Por que entre as drogas lícitas, o álcool é mais aceitável na sociedade do que o cigarro? (Há leis mais rígidas para a divulgação do cigarro, por exemplo, do que para as bebidas alcoólicas).
Inicialmente, gostaria de contextualizar brevemente que o uso de substâncias psicoativas tem acompanhado o homem no decorrer da história, adquirindo diferentes significados ao longo dos anos, com marcantes transformações das funções dessas substâncias na vida de seus usuários. O uso pelos povos antigos estava relacionado à integração social e/ou à transcendência espiritual, principalmente em ocasiões festivas e ritualísticas. Não há indícios de que as drogas tenham representado risco social e de saúde nessa época. Atualmente, com a industrialização, o surgimento da farmacologia, o isolamento de princípios ativos de plantas, como a morfina e a cocaína, as formas de uso de substâncias psicoativas foram ampliadas, sendo iniciada a partir daí, uma forte busca por medicamentos capazes de diminuir os vários tipos de sofrimentos físicos e psíquicos.
Hoje não se pode dizer sobre “aceitação do álcool em relação ao tabaco”, mesmo porque temos que entender que a dependência é o fator a ser destacado. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, a dependência éuma "doença crônica" que atinge a pessoa de forma indiscriminada, provocando a desestruturação de todas as áreas do seu ser: física, mental, espiritual, social, familiar e profissional, podendo levar à morte.
Para ambas as drogas existem leis que proíbem o uso excessivo. Em relação ao uso do álcool, em 2008 foi aprovada a “Lei Seca” de 2008, como existe também a proibição da vendas de álcool para menores. O cigarro por sua vez foi proibido em propagandas, vendas para menores, uso em locas fechados e divulgação em sua cartela sobre os males do uso.
O que se pode levar em conta é que o cigarro era visto como glamour, pessoa bem sucedida, esportista, totalmente o oposto dos males causados pela dependência do tabaco. O que seria incoerente com a realidade, devido a tantos males que pode causar à pessoa, como exemplo câncer de pulmão. Por isso, investiu-se para diminuição dessas propagandas na mídia. Por outro lado, o consumo de álcool é consequência de vários fatores, dentre eles o apelo das propagandas sedutoras que, de maneira ilusória, dizem que a pessoa está bem, alegre, aceita no meio social e tem muitos amigos. Penso que deveria acontecer o mesmo como houve com o cigarro, visto que o álcool, além do mal para própria pessoa, está sempre relacionado a terceiros, como família, acidentes, esposas, filhos, trabalho, ou seja, o álcool é mais agravante socialmente. É válido ressaltar que a grande maioria das pessoas se considera que bebem apenas socialmente. Apesar do uso não ser frequente, o uso exagerado pode causar consequências danosas ao usuário e ou a terceiros como exemplo acidentes automobilísticos.
Os males causados pelo alcoolismo ao usuário e à sociedade são evidentes. Dá para dizer que o álcool é mais ou menos prejudicial do que outras drogas (inclusive ilícitas)?
Não, em se tratando de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, o que é prejudicial é a dependência, pois essa é que irá ocasionar o uso compulsivo, descontrolado da droga. E o uso compulsivo é o grande causador dos prejuízos à pessoa e à sociedade. Se observarmos nos noticiários, o envolvimento com as drogas ilícitas são os maiores causadores de mortes e criminalidade. Seja no tráfico, no consumo até mesmo da disputa de poder.
Um destaque é que não existe uma droga mais ou menos prejudicial do que outra. O grande problema é quando ingerida pelo organismo ela provoca alterações muitas vezes descontroladas, o que pode levar a consequências gravíssimas. Ou seja, droga se relaciona ao bem estar social.
Em linhas gerais, como é feito o tratamento de recuperação dos alcoolistas na Amai?
Na AMAI, existe um programa terapêutico para o tratamento de alcoolistas. Esse programa é individualizado, onde o recuperando é acompanhado por Psicólogo, Assistente Social e pelo Médico, além do coordenador e monitores que acompanham os internos nas atividades diárias. O recuperando passa por um período de nove meses, onde se trabalha com o mesmo um projeto de vida, buscado resgatar seis aspectos importantes na vida do sujeito, sendo: Aspectos Familiares, Aspectos Econômicos, Aspectos Comunitários, Aspectos Espirituais, Aspectos Médicos/ Psicológicos e Aspectos Profissionais. A elaboração de um Projeto de Vida implica no estabelecimento de ações contínuas que se interligam, de forma harmônica, os aspectos necessários ao estabelecimento ou ao resgate da rede social do paciente. Após completar os noves meses, o recuperando passa pela alta terapêutica, uma cerimônia para consolidar a sobriedade do recuperando. Após o tratamento, o recuperando continua sendo acompanhado pelos técnicos da AMAI por um período de um ano.
E a reinserção do recuperado na sociedade? Ele consegue com facilidade trabalho, por exemplo?
Logo que o recuperando conclui o sexto mês de internação, o mesmo inicia seu processo de reinserção à sociedade, onde passará sete dias com sua família. Isso ocorre no sétimo e oitavo mês.
Na AMAI, estamos aperfeiçoando e capacitando as pessoas que passam pelo tratamento, visto que muitos deles são profissionais de ótima capacidade em diferentes áreas. Hoje temos sala de informática, barbearia, cuidados com rãs, entre outras atividades de laborterapia.
Sempre que o recuperando sai da comunidade são elaborados currículos para o mesmo e contatos com empresas para encaminhamento desses recuperandos. Temos tido muito êxito nestes encaminhamentos, mais de 90% dos recuperandos que concluíram o tratamento após um período, já estão inseridos no mercado de trabalho.
Qual a mensagem da Amai para a prevenção ao álcool, principalmente para os jovens?
O que temos feito é levar mensagens para crianças e adolescentes nas escolas, que o melhor tratamento para a dependência química é saber escolher, pois somos sujeitos livres para escolher, mas nossas escolhas podem dizer o que devemos fazer. Então o cuidado com as companhias o respeito e principalmente dedicação aos estudos. A adolescência é uma fase de descobertas e oportunidades e cada adolescente valorize essa fase única para as coisas boas, positivas, pois o plantamos no hoje colhemos no futuro.
Algo mais que gostaria de esclarecer?
A melhor maneira de tratar a dependência é a prevenção. Os pais devem manter diálogo aberto com os filhos, buscar escutar o que eles têm a dizer, participar mais das atividades do filho, ter conhecimento do que o filho está fazendo. Isto tudo com cuidado, pois, nada em excesso é saudável.