“A cidade não pode ter uma briga entre o Executivo e o Legislativo”, ensina Marco Antônio Gomes

“Tem que se chegar a um consenso”, reforça o vice-prefeito

“A cidade não pode ter uma briga entre o Executivo e o Legislativo”, ensina Marco Antônio Gomes
Foto: DeFato Online
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O médico Marco Antônio Gomes, 64 anos, é sergipano, natural de Estância, uma cidade de 68 mil habitantes, no litoral Sul do estado nordestino. O atual vice-prefeito de Itabira formou-se em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, em 1982. Fez Residência Clínica no Hospital Belo Horizonte e Residência no Hospital Vera Cruz, também na capital mineira.

É nefrologista (trata de doenças do sistema urinário) e intensivista (cuida de pacientes da UTI).  O popular Dr Marco Antônio desenvolve uma extensa atividade profissional em Itabira, onde vive desde 1988. Há muito tempo ocupa também o cargo de pastor da Igreja Batista Central. Nas eleições do ano passado, o médico iniciou a sua carreira política.

Na entrevista a seguir, Gomes faz uma análise sobre o momento da pandemia do novo coronavírus, em Itabira. Opina sobre o precoce atrito da Prefeitura com a Câmara de Vereadores e comenta alguns aspectos da atual situação política nacional. Confira a entrevista: (Fernando Silva)

DeFato: O coronavírus tem um comportamento atípico em Itabira. A primeira onda não fez muitos estragos, com média de até três mortes por mês. A segunda onda foi avassaladora. Houve registro de até 12 óbitos num único dia.  A partir desse mês, essa situação voltou a ficar aparentemente sob controle, com a cidade até entrando na “onda verde”.  Por que o coronavírus tem esse comportamento diferente, no município? Mesmo porque, o que menos se vê por aqui é o respeito ao protocolo de distanciamento, principalmente.

Marco Antônio Gomes: Na primeira onda, Itabira e Minas Gerais ficaram bem abaixo das expectativas de transmissão (da doença) e mortes. Nós tivemos aqui, em Itabira, um fator importante, que é a globalização. Então, essa comunicação não presencial, sem o vaivém de funcionários da Vale e, até mesmo de itabiranos, nos ajudou na primeira onda. As pessoas estavam mais sossegadas.  O vaivém não estava tão intenso, e isso nos ajudou bastante na primeira onda…

DeFato: O senhor quer dizer que, naquela ocasião, o itabirano estava mais sedentário?

Marco Antônio: Não só mais sedentários, mas os itabiranos que moravam em Belo Horizonte, estavam em Belo Horizonte. Quem estava no Rio de Janeiro, ficava no Rio de Janeiro. Na segunda onda, as medidas dos governos estaduais determinavam que as pessoas contaminadas permanecessem sozinhas, em seus apartamentos. Então, o que aconteceu com essas pessoas? Vieram para Itabira em busca de apoio de seus familiares. Então, conseguimos superar a primeira onda porque o (itabirano) contaminado se encontrava em sua localidade (outro município). Então, é isso. Na segunda onda, as pessoas contaminadas estavam dentro de casa. Por isso, como médico, somos contra o lockdown, mas somos submissos à vontade do governante.

DeFato: Deixa ver se entendi. O senhor, um experiente médico, é contra o lockdown?

Marco Antônio: Sou contra porque, com o lockdown, a pessoa volta para dentro de sua casa e contamina toda a família. O lockdown joga a pessoa pra dentro de casa. Então é isso: ou acaba com o lockdown meia boca ou se faz um lockdown pra valer.  Eu sou favorável a um lockdown completo, não ao lockdown meia boca. 

DeFato: Então, qual foi o motivo para Itabira retornar a uma nova fase de aparente normalidade (a cidade se encontra na onda verde do plano Minas Consciente)?

Marco Antônio: E tem ainda uma questão cultural. Quando você tem pleno conhecimento da doença, a prevenção é muito mais fácil. Quando você não tem conhecimento da doença, nunca imaginará que ela terá tanta gravidade, que poderá levar à morte. Não percebe que ela (a pessoa doente) poderá parar na UTI, com insuficiência renal e problemas respiratórios, e não sabe que a doença apresenta um elevado índice de mortalidade.   Devido a esse desconhecimento, o vírus nadou de braçada. Mas, a recuperação dessa aparente normalidade inicial (em Itabira) se deve a uma maior divulgação sobre doença em todos os meios (mídia) pela Prefeitura. E também houve um preparo da equipe médica, tanto da rede primária quanto da rede secundária (os hospitais). Isso nos ajudou bastante. A diminuição da intensidade de pessoas em circulação também foi muito importante. Por exemplo, os idosos itabiranos tinham o costume de ir ao centro da cidade para bater papo, às vezes, sem máscaras. Essas pessoas iam a um banco, que abriria às dez horas, mas elas chegavam às oito horas, para ficar batendo papo. Para acabar com essa atitude dos idosos, tivemos que cancelar o passe livre nos ônibus, na parte da manhã. Muitas pessoas da nossa sociedade foram contra essa medida, que foi muito importante. Depois nós entramos na fase da vacinação, e nós sabemos que a vacina é o fator mais importante para a contenção dessa pandemia. 

DeFato: E, no momento, qual o índice da vacinação em Itabira?

Marco Antônio: Hoje, de acordo com a última informação que recebi, nós estamos com um índice de 17% a 20% de pessoas vacinadas (percentual referente à população total). Agora, o grande problema que temos, aqui em Itabira, é que as pessoas ainda não se conscientizaram da importância da segunda dose.

DeFato: Essa segunda onda, coincidentemente, se intensificou depois das eleições do ano passado.  Houve muitas aglomerações, passeatas e o corpo a corpo. Esse quadro não teria provocado o agravamento da pandemia?  Inclusive, o senhor e o prefeito contraíram a doença durante a campanha eleitoral. 

Marco Antônio: Sim, tem essa questão das eleições, mas não tínhamos alternativa. Ou você sai para a rua, ou você perde as eleições.  Tivemos que trabalhar muito mais, porque Marco Antônio (o prefeito), embora de Itabira, era pouco conhecido. A família Lage é muito conhecida, mas o prefeito nem tanto, porque trabalhou mais de 20 anos na Fiat, em outra cidade (Betim). Era um itabirano de renome, mas pouco conhecido na sua terra. E, além disso, eu também era politicamente pouco conhecido. Então, não teve outro jeito. Tivemos que sair, de mostrar as nossas caras.  Você tem que dançar conforme a música e, naquela ocasião, a música era essa.

DeFato: Itabira tem um histórico de atritos entre o prefeito e o vice. Por exemplo: Roberto Chaves se desentendeu com João Izael, no segundo mandato. Li rompeu com Ademar Mendes e Reginaldo Calixto bateu de frente com Damon. E, num passado mais distante, Virgílio Gazire se afastou de Daniel de Grisolia. O bom relacionamento de Marco Antônio Lage e Marco Antônio Gomes tem prazo de validade?

Marco Antônio: Olhe, eu tenho, no meu coração, a palavra de Deus que diz que o reino dividido, não subsiste. Então, temos que fazer o possível e o impossível para manter uma boa relação. E tem outro ditado que também carrego em meu coração: se você não pode fazer amigos, não faça inimigos.  A nossa vida tem que ser pautada dessa forma.  Além disso, eu sou muito hierárquico. A hierarquia é muito importante. Ele (Marco Antônio Lage) é o prefeito e eu sou o vice. E isso é fácil? Claro que não, mas aí tem uma coisa muito importante chamada de respeito. Eu respeito e me encontro à disposição de Marco Antônio Lage. Posso até não concordar com certas coisas, mas isso não quer dizer que eu seja contra. E acho que opinião faz parte do momento democrático do Brasil, mas eu sou submisso, respeito e ajudo no que for preciso. Essa história (de rompimentos entre prefeitos e vices) me incomodou muito, antes de eu entrar na política, tanto que orei e pedi a orientação de Deus.

 DeFato: O vice não tem poder, mas expectativa de poder (só assume no caso de impedimento do prefeito). Do contrário, fica institucionalmente hibernando por quatro anos.  O senhor desempenha alguma atividade extra no exercício desse cargo? 

Marco Antônio: Você, em cidade alguma, vê rua com nome de vice, praça com nome vice ou avenida com nome de vice. Você vê é com o nome do prefeito ou de alguém que já morreu. Mas, lógico que a posição de vice não é boa, porque a decisão não está em suas mãos, mas nas mãos do prefeito. O que o vice pode fazer é ajudar ao prefeito. O Marco sempre me cobra na área da saúde. Então, quando tenho oportunidade, eu opino. Eu vou à Secretaria de Saúde. Eu conheço alguns médicos, já fiz reuniões com eles, conheço equipes de enfermagem. Então, dessas áreas, onde trabalho, eu opino.  Eu trabalho na área médica desde 1982, em Itabira desde 1988. E eu tenho sonhos e observando o plano de governo do Marco, eu coloquei o meu sonho. O meu sonho é ver uma rede primária em Itabira, onde o povo possa ser bem atendido. O prefeito e a atual secretária de Saúde sabem do meu sonho. Eu acho que a população de Itabira merece uma boa saúde, não apenas quem tem convênios. Nós sabemos que 40% da população têm convênios médicos, mas o restante carece de um bom atendimento.

DeFato: No início do mês, Itabira foi cenário de uma crise institucional. Essa crise se resume em dois capítulos.  Primeiro: os vereadores derrubaram a proposta de um empréstimo de 70 milhões de reais junto à Caixa Econômica Federal. Segundo: o secretário de Governo (Márcio Magno Passos) reagiu e fez duras críticas aos vereadores. Como o senhor avalia essa situação?

Marco Antônio: Eu creio que, na democracia, você tem o direito de opinar, mas você tem que ouvir o adversário.  Você não pode ouvir e agredir as outras pessoas. Eu acho que a democracia funciona assim: você ouve, rumina, pensa duas ou três vezes, antes de tomar uma atitude. O que temos de entender, nesse relacionamento entre o Legislativo e o Executivo, é o ensinamento de Jesus Cristo: o reino dividido não subsiste. A cidade não pode ter uma briga entre o Executivo e o Legislativo. Tem que se chegar a um consenso. É preciso que se entenda o seguinte: é uma verba alta (o empréstimo de R$ 70 milhões), nós temos uma arrecadação muito boa. É uma verba que nos dá uma carência de dez anos, com baixos juros. Então, trata-se de uma boa oportunidade. E nós, que passamos por vários bairros, durante a campanha, sentimos as necessidades da população. O objetivo era pegar essa verba e colocar em ação de imediato, pois o tempo é curto. Nós tínhamos quatro anos, porque seis meses já se passaram. Além disso, enfrentamos uma pandemia, que nos imobilizou. Eu disse para os vereadores que, quando se perde um jogo, não se perde um campeonato. 

DeFato: Mas o governo não contribuiu para o agravamento dessa crise? 

Marco Antônio: É como eu disse pra você: democracia é saber ouvir e saber argumentar. Na vida é assim. Então, acontece que a Prefeitura usou o seu argumento. O Legislativo usou o argumento dele. Nós ouvimos opiniões dos vereadores e de parte do governo. Na Câmara, há vereadores antigos que sabem o que estão falando. Existem vereadores novos, que também sabem o que estão falando. Então, temos que respeitar a opinião deles. 

 DeFato: O senhor é um pastor da igreja Batista Central. Gostaria de saber o seu ponto de vista sobre a ideia do presidente Jair Bolsonaro de indicar uma pessoa “terrivelmente evangélica” para a próxima vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sabendo que o Brasil é um Estado laico. Na rotina do STF, não se deveria priorizar mais a leitura da Constituição do que da Bíblia?  

Marco Antônio: Sim, eu concordo com você. Mas, eu creio que a visão do presidente da República é a de que temos vários ministros, no Supremo, que têm acarretado sérios problemas ao Brasil. Ou seja, estão rasgando a Constituição, quebrando a Constituinte. E são pessoas experientes na área da Justiça. Então, não é amadorismo.

DeFato: Mas, um magistrado macumbeiro não poderia ajudar na resolução desse problema?

Marco Antônio: Poderia, um macumbeiro poderia também (assumir uma vaga no STF). A coisa não deve ser levada a um radicalismo tão grande. Eu sou evangélico e acho que a Bíblia deve indicar a nossa maneira de viver, pois Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Eu acho que o magistrado pode ser católico, evangélico e até ateu. Ele não pode é se comportar como folha de bananeira, cada hora de uma maneira. A Constituição está aí para ser seguida e obedecida. 

DeFato: O bispo primaz da Assembleia de Deus Ministério de Madureira- Manoel Ferreira- almoçou recentemente com o ex-presidente Lula da Silva. Esse episódio foi duramente criticado por evangélicos, principalmente pelo pastor Silas Malafaia. O senhor também sentiu- se incomodado com esse almoço?

Marco Antônio: Olha, eu não nasci em Minas Gerais. Eu nasci em Estância, estado de Sergipe. O meu pai é mineiro de Araxá. A minha mãe nasceu em Sete Lagoas. A minha esposa é mineira de Teófilo Otoni. Eu digo isso porque acho que você pode almoçar ou jantar com qualquer pessoa. A pessoa não traz em sua fisionomia o símbolo de um partido político ou alguma indicação de que ela é evangélica, católica ou espírita. Essa é a beleza da democracia. Você acha que apenas os evangélicos votaram em mim ou no Marco? No meu gabinete, eu vou receber só os pastores? Eu sou o vice- prefeito de toda a população de Itabira. Aceitar a realização desse almoço (de Lula com o bispo Manoel Ferreira) é um amadurecimento de vida, um amadurecimento político. E isso não quer dizer que eu seja ligado a Lula, que eu concorde com ele. O prefeito Marco Antônio é filiado ao PSB, então está mais à esquerda. Eu estou no Partido Liberal (PL) e sou de direita. Mas eu sempre disse para ele (o prefeito): a minha ligação é com você, não com o seu partido.