“A espera é pior que a tragédia”, desabafam moradores de áreas de risco de Barão de Cocais
Bruna Natalia Barbosa passou a usar medicação controlada para conter o estresse e ansiedade. Desde fevereiro, não consegue dormir sem os remédios. Ela é uma das 6.054 pessoas que vivem nas áreas demarcadas como em risco pelo plano de salvamento da Vale em Barão de Cocais, cidade 80 km a leste de Belo Horizonte onde […]
Bruna Natalia Barbosa passou a usar medicação controlada para conter o estresse e ansiedade. Desde fevereiro, não consegue dormir sem os remédios. Ela é uma das 6.054 pessoas que vivem nas áreas demarcadas como em risco pelo plano de salvamento da Vale em Barão de Cocais, cidade 80 km a leste de Belo Horizonte onde fica a mina de Gongo Soco.
Natalia, 23, diz que desde fevereiro precisa recorrer a um agiota para pagar contas de aluguel. Sua lanchonete, ao lado do Fórum da cidade, parou por tempo indeterminado por falta de clientes. “Há dois anos ia bem, agora não vem mais ninguém aqui. Eu não sei mais o que esperar. Há dois meses eu e meu marido não conseguimos pagar as contas, estão todas acumuladas e eles não me dão solução.”
Além dos remédios, ela faz acompanhamento com psicólogos contratados pela Vale para atender a população. O temor de não conseguir acordar de madrugada e se salvar, caso a barragem venha romper, viraram constantes. “Minha filha é pequena e eu preciso salvá-la. Não querem me tirar daqui, mas não vou conseguir sair por conta própria, não tenho pra onde ir. Por enquanto só estão retirando da área os acamados”, afirma.
Ela recebe da Vale, além do atendimento psicológico, uma cesta básica mensal. “A gente já está é torcendo pra romper logo, acabar tudo e a gente tentar reconstruir a vida.”
Nas últimas semanas, marcadas por treinamentos para evacuação, os moradores de Barão de Cocais convivem com a possibilidade de Gongo Soco estourar e despejar na cidade 6 milhões de metros cúbicos de rejeito, volume equivalente à metade do tsunami de lama que cobriu Brumadinho (MG) em 25 de janeiro.
Em fevereiro, a mineradora informou à população de Barão de Cocais que os taludes que sustentam a estrutura da barragem Sul Superior, encarregada de abastecer a mina, estavam em situação precária. Se eles ruírem, a estrutura toda da mina, a 1,5 km dali, entra em risco de colapso.
Um muro de contenção está sendo erguido para evitar uma tragédia. A mancha da área de risco tem atuado como uma lama invisível na cidade, onde apenas os bairros mais altos foram poupados.
No território marcado em 8 de fevereiro, o cotidiano mudou.
Sinais na calçada e placas em laranja, um grau aquém da iminência do vermelho, alertam para a segurança principalmente na área central. Há uma semana, agências bancárias e dos Correios fecharam.
Se a lama vier, engolirá toda a área comercial, onde estão bancos e as principais lojas. É, também, a área de maior circulação, onde estão marcados os pontos de apoio aos quais a população deve recorrer em uma eventual evacuação.
Santa Bárbara e São Gonçalo
Outras cidades, como Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo, também estão na rota dos rejeitos, segundo o plano de impacto da Vale. Os rios São João e Santa Bárbara podem ser contaminados em um trecho de 70 km.
“A cidade adoeceu, ninguém mais dorme. Temos um só hospital municipal. Nossa demanda na saúde está altíssima e não estamos conseguindo atender”, diz Joseane Batista, secretária de saúde municipal.
Vilarejos menores na região estão semivazios após a retirada de 550 pessoas. Em Socorro, moradores que deixaram tudo para trás, às pressas, criticam a mineradora.
“Os psicólogos terceirizados estão nos adoecendo, eles querem minimizar o problema. Nosso município está o caos, não estávamos preparados para essa tragédia”, diz Patrícia Reis, ex-funcionaria da mineradora que trabalha na empresa de topografia do pai.
O artesão José João, 70, diz achar a espera pior do que a tragédia. Afirma ter medo de andar nas ruas e de deixar a esposa em casa sozinha, sem condições físicas de reagir ao toque da sirene de evacuação.
Descendente de indígenas e escravos, ele questiona por que a Vale não agiu assim em outras cidades afetadas por tragédias, como Mariana, atingida em 2015. “Até ontem não fizeram nada lá. Eu estava aqui quando o progresso chegou. Não tem um lugar onde ele chegue que deixe alegria.”