A grande verdade sobre Marco Antônio Lage
Leia o novo texto do jornalista e colunista da DeFato, Fernando Silva
“Palavras são palavras, nada mais que palavras”, falavam-se antigamente, ainda nos meus tempos de menino barroco. Mas palavras não são apenas palavras. São muito além. Palavras destacam o instantâneo de uma época. Mostram costumes, contam histórias, revivem lembranças e ilustram o tempo.
Palavras são músicas, poesias, filosofias, costumes e tradições. Algumas fazem o bem. Outras provocam dor. Palavras são concordância, tolerância, conciliação e perdão. Mas palavras são ira, desentendimento, vingança e ódio. Encarnam símbolos antagônicos. Crime, eutanásia, homicídio e guerra são palavras mortais. Amor, fraternidade, amizade e solidariedade celebram a vida.
Muitas palavras nasceram da imaginação popular. Esse fenômeno recebe o nome de neologismo. Cafona, tiririca e mala sem alça emanaram da alma do povo. Muitas palavras estão apenas aqui. Há aquelas encontradas exclusivamente mais adiante. A camofa de Ouro Preto é cambriacho em Itabira. Ambas são promíscuas na língua oficial, mas sobrevivem no dialeto sacana das duas cidades. O xibiu baiano é caixinha de rapé no resto do país. É a glória. A boceta está consagrada em prosa e verso. Virou expressão popular.
Há palavras que de tão despercebidas passam desapercebidas. Não são o que aparentam ser. Essas duas aí atrás não me deixam mentir. Meningose, estafilotomia e recoleto escondem-se no recôndito do dicionário. Dei-me com elas fortuitamente. Antigas palavras saíram de moda. Não se sabe por aonde andam. Alguém tem notícias de alcaide, epístola, egrégia e fortuita? Às vezes, uma delas reaparece na praça.
Certas palavras são crias da tecnologia. E soam mal. E pior. Nunca mais se consegue deletá-las do cotidiano. O corretor ortográfico não reconhecia a coisa. O dispositivo simplesmente recomendava trocar a monstruosidade por delatar – uma palavra setecentista ressuscitada recentemente. Como não sou alcaguete, finjo que não entendi.
Inúmeras palavras confundem. Veja a forma do bolo. Será que falei do formato do bolo? Ou fiz simples referência à vasilha onde se assa a guloseima (que palavra engraçada!). Para complicar, aboliram o acento diferencial dessa polêmica. Em reforma ortográfica de outrora. Polêmica? Nesse caso, o circunflexo é “indispensável” porque estamos lidando com orgulhosa proparoxítona. E isso é grave, não diferencial. Um grupo de palavras é o que não queria ser. Paralisação tem pose de “paralização”. Já assessor tem pinta de “acessor”. E nem sei o que fui nessa quizila. Quem nunca trocou as bolas que atire a primeira pedra.
Existem palavras safadas e traiçoeiras. Elas habitam o interior de grandes corporações. Um trio é terror dos trabalhadores: mudança, paradigma e reengenharia. Cada uma com sentido próprio. E cada sentido deságua na exploração do homem por outro animal do mesmo espécime. Mudança é eufemismo para olho da rua. Paradigma representa a transformação do nada em coisa alguma. É uma palavra contumaz na boca do chefe sem argumentos. É um novo sinônimo para arrogância. Reengenharia é a prática de se ganhar dinheiro com abobrinhas. Os tecnocratas se especializaram na arte de confundir trouxas (não a de roupas) com palavras confusas.
E todo esse pessoal convive com a síndrome do rabo de cachorro. Roda, roda, roda e roda indefinidamente. O cão se cansa perseguindo a própria cauda e não chega a lugar algum. Nem calda dá. As palavras explicam. As ações se perdem.
Quem conseguiu chegar até aqui – com muita paciência – não conseguirá segurar a pergunta que insiste não calar: e o que tem essa lengalenga a ver com a “grande verdade” sobre Marco Antônio Lage? Eu respondo: nada.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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