A infernal barulhada de Itabira

E este é o “claro enigma” do ainda limiar de um novo século: cadê a suposta tranquilidade interiorana? Tal privilégio não existe mais na “cidadezinha qualquer”.

A infernal barulhada de Itabira
Foto: Reprodução
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“Um homem vai devagar, um cachorro vai devagar, um burro vai devagar, devagar as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus!”. Assim, as fatigadas retinas de Carlos Drummond de Andrade enxergaram  a bucólica Itabira de Mato Dentro em meio a gigantescas e quase intransponíveis montanhas de ferro. O “Gauche” testemunhou um cenário da primeira metade do século passado. O remoto lugarejo, portanto, era sinônimo de paz, sossego, sombra e muita água fresca. Muita!

O tempo passa. De tão rápido, assimila metamorfoses físicas, morais e éticas. Nessa trajetória histórica, imensos e consistentes paradigmas ruíram como meros castelos de areia. Chegamos aqui. E, hoje, essa nova realidade revela uma cidade pulsante, progressista, exuberante e plena de energia.

E este é o “claro enigma” do ainda limiar de um novo século: cadê a suposta tranquilidade interiorana? Tal privilégio não existe mais na “cidadezinha qualquer”. Para começo de conversa, um fenômeno psicossocial assusta: a onipresente sensação de insegurança.

E não é só. De repente, sabe-se lá o porquê, uma variedade de ruídos ensurdecedores invade o espaço. Itabira anda escandalosamente irritante. A zoeira intensa não começou de uma hora para outra. Muito menos está explícito o motivo da balbúrdia. Seria ação coletiva involuntária ou um modelo de protesto subliminar?

A baderna ensurdecedora virou componente da paisagem. A barulhada acaba com a tranquilidade do “recesso sacrossanto de qualquer lar” — como gostavam de frisar os velhos sacerdotes das igrejas barrocas de Ouro Preto. Itabira, de repente, foi invadida por decadentes motocicletas com escapamentos mais esburacados que solo lunar. A algazarra não tem limites. Um inferno. Por sinal, a moradia do tinhoso deve ser bem mais silenciosa. E, cá para nós, qual o prazer em trafegar com o cano de descarga em frangalhos? Nem Freud explica tão bizarro prazer, mas é coisa de louco.

E a aporrinhação não acaba nesse ponto. Há ainda a mórbida satisfação de “maníacos” que desfilam os seus péssimos gostos musicais, a pleno volume, em velhos animais rodantes. E a patuscada sonora não tem local, hora ou dia específico. O espalhafatoso prazer obedece a involuntário revezamento. A coisa detona os tímpanos e a paciência pela manhã, tarde, noite e madrugada adentro. O desatino inicia na área central, passa pela periferia e desagua nos distritos.

A terra do Poeta Maior virou um território antissocial — sem lei e ordem. E “Deus” que tenha misericórdia dos pobres habitantes dessa barafunda. É muita falta de cidadania e respeito ao próximo. São sinais dos tempos.

P.S.1: Gostaria, então, de voltar para Ouro Preto. Mas, não dá. Lá não é muito diferente. Como, um dia, disse padre Simões, a antiga Vila Rica “virou a maior zona a céu aberto do planeta”. Caso fosse a zona convencional, até daria para encarar.

P.S.2: E, paradoxalmente, as igrejas também se transformaram numa irritante fonte de poluição sonora. Nesse contexto, resta apenas uma pergunta: é preciso berrar tanto para ser ouvido por Deus?

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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