A morte de Daniel de Grisolia: o dia mais trágico da história política de Itabira
É chegada a hora do desfecho da narrativa trazida por Fernando Silva, com as últimas horas de Daniel de Grisolia, morto em 1970. Os detalhes minuciosos ilustram a terceira e última parte da crônica sobre a vida do político itabirano.
O último dia de DG:
O vereador Pedro Drumond – embora oposicionista – tinha bom relacionamento com Daniel de Grisolia. Drummond cobrava, com muita insistência, a reforma de uma escola, no distrito de Ipoema. E essa pressão deu resultado. No dia 19 de setembro de 1970, em pleno sábado, Grisolia telefonou, por volta das 11 horas, para o local de trabalho do vereador, na Cia Vale do Rio Doce, e perguntou:
– Pedro, você não quer ir a Ipoema para a gente olhar aquele negócio da escola? Apanho você aí, às 11h20, mais ou menos.
Às 12 horas, além do prefeito e Pedro Drummond, viajaram o motorista Clóvis e João Araújo, mestre de obras da Prefeitura.
Durante o percurso, contrariando seu estilo pessoal – sempre brincalhão – Daniel conversou muito pouco. Manteve-se pensativo, com um olhar perdido nas montanhas.
No distrito, o grupo foi recebido pela professora Maria Arlete de Moura Dias, diretora do estabelecimento de ensino. Grisolia permaneceu impassível o tempo todo.
Em certo momento, nas proximidades da escola, o prefeito tomou uma atitude estranha, inesperada: sentou-se no meio-fio, abaixou a cabeça e tapou o rosto com as duas mãos.
– Algum problema, DG? Perguntou Pedro Drumond, com preocupação.
– Não, Pedro. Tá tudo bem, respondeu Grisolia.
Minutos depois, com a chegada de populares, o prefeito se levantou, entrou numa farmácia e indagou para o balconista:
– O senhor tem arsênio aí?
Pedro, que o acompanhou, novamente se surpreendeu:
– Arsênio para quê, Daniel?
– “Ora, para matar ratos na Dglândia”, retrucou Grisolia, com irritação.
O Dglândia era um belo restaurante defronte a uma lagoa, rodeada por vários caramanchões. Um grande empreendimento do comerciante DG, no bairro Chapada.
No retorno a Itabira, Daniel insistia em não conversar. Em determinado momento, olhou para o mestre de obras e ordenou:
– Olhe aqui, João, tome todas as providências para arrumar essa escola de Ipoema, porque Pedro já está me enchendo o saco.
O automóvel passou direto pelo Dglândia. Esse detalhe mereceu um comentário de Drumond:
– A gente passa em frente ao restaurante do prefeito e nem para pra comer alguma coisa?
Imediatamente, Daniel ordenou que o motorista voltasse com o carro.
O próprio Grisolia, exímio cozinheiro, preparou um churrasco, mas não comeu absolutamente nada. De repente, pediu licença, levantou-se da mesa, entrou no banheiro e lá permaneceu por quase uma hora.
Os viajantes chegaram a Itabira por volta das 17 horas. Daniel ficou na prefeitura e, antes de entrar no prédio, ainda comentou, ao se despedir:
– Tenho algumas coisas para fazer aqui.
Pedro Drumond chegou à sua residência, mas não teve sossego. As atitudes estranhas de Grisolia, durante todo o dia, deixaram o vereador apreensivo. Tenso, Pedro foi à casa do seu amigo Bebé Magalhães, onde começou a relatar o inusitado comportamento do chefe do Executivo.
De repente, o telefone toca. Dona Tereza, esposa de Bebé atende e, lívida, quase sem fala, apenas balbuciou:
– DG acaba de se suicidar, lá na prefeitura.
Imediatamente, os três se dirigiram para o paço municipal. E depararam com a terrível cena. Daniel de Grisolia estava estirado sobre um tapete, em seu gabinete, ao lado de uma poça de sangue e um revólver. Em cima da sua mesa de trabalho, havia uma garrafa de guaraná pela metade e um copo com um pouco do refrigerante e uma estranha substância sólida. O médico Bráulio Torres, primeira pessoa que chegou ao local, diagnosticou para os presentes:
– Ele bebeu arsênio com guaraná e, depois, deu um tiro no ouvido.
Daniel morreu aos 46 anos de idade.
Hoje em dia, o ex-vereador Pedro Drumond faz uma observação sobre aquele fatídico 19 de setembro:
– Eu desconfio que DG tentou se suicidar quando retornávamos de Ipoema. Exatamente naquele instante em que ele se trancou no banheiro do restaurante, e lá ficou por uma hora. Naquele momento, acho que ele não teve coragem de se matar.
Grisolia não deixou justificativa para o gesto extremo. Há três hipóteses para a causa desse autoextermínio: a pressão da Câmara de Vereadores, uma depressão alcoólica ou a ameaça de prisão pela ditadura militar.
Conclusão: um copo de guaraná com arsênio e um tiro no ouvido puseram fim ao período mais fascinante da história política de Itabira: a era de Daniel Jardim de Grisolia.
PS: Na imagem, uma multidão na frente da prefeitura, no dia da posse para o último mandato de Daniel de Grisolia. Nesse mesmo local, em seu gabinete, o prefeito se suicidou. Essa fotografia – que foi extraída do portal “Vila de Utopia” – é do arquivo pessoal de José “Tobias” Belisário.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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