A privatização do SAAE seria a baboseira das baboseiras

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A privatização do SAAE seria a baboseira das baboseiras
Sede do SAAE, no bairro Pará, em Itabira – Foto: Arquivo/DeFato
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Não jogo no time liberal. Mas, porém, contudo, todavia, e, no entanto, não sou tão estatizante. Nesse caso, o meu posicionamento é adversativamente pragmático. E justifico essa postura. Alguns cabides de empregos necessitam ser escorraçado do estado. O contribuinte não pode arcar com as famigeradas boquinhas politiqueiras.

Mesmo porque, compadrio não rima com competência. Tenho um ponto de vista a esse respeito, bastante consolidado: comunicação, saneamento básico e infraestrutura urbana são responsabilidades exclusivas dos governos, em todos os níveis da federação.  

No começo dos anos 1990, Fernando Collor iniciou uma bateria de privatizações. Só não fez mais porque foi apeado do poder. O tucanato de Fernando Henrique Cardoso – que pintou na sequência –  promoveu impiedosa liquidação de bens públicos. Uma pechincha de ocasião. Várias empresas estatais foram repassadas à iniciativa privada a preço de bananas. O símbolo maior desse “entreguismo” foi o leilão da velha Cia Vale do Rio Doce. A “joia da coroa” foi “vendida” (ou doada) por irrisórios R$ 3 bi.  

A negociação do conglomerado de telecomunicação foi outra farra. O bota-fora institucional gerou filhos bastardos como Vivo, Tim, Claro, Oi e outras aberrações do tipo. E note-se: essas instituições, por lei, nem podem ser negociadas. Apenas concedidas. 

A antiga rede de telefonia prestava excelente serviço à sociedade. Muita gente ainda sente falta da Telemig, por exemplo. A telefônica mineira mantinha um serviço de muita qualidade, mas, principalmente, não dilapidava o bolso (e nem a paciência) da clientela. 

Fiz esse preâmbulo todo para tomar o rumo da província. Enfim, chegamos a Mato Dentro. Na terra do poeta modernista, uma autarquia e uma empresa pública sempre são mencionadas quando o assunto é privatização: o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) e a Empresa de Desenvolvimento de Itabira (Itaurb). Ambas com excelência técnica reconhecida. 

A Itaurb é referência nacional em coleta seletiva de lixo. E só. Mas é uma fábrica de prejuízos. Sobrevive eternamente no modo falimentar. Negociá-la significaria tirar um imenso peso morto da cacunda do município. A Itaurb, embora eficiente, não dá lucros, apenas encrencas financeiras a granel. 

O SAAE é diferente. A autarquia é responsável pelo abastecimento de água – um item capital para a qualidade de vida. Os mais antigos já diziam: ficar sem energia elétrica até é suportável. Porém, a carência do líquido insípido, inodoro (nem sempre incolor) provoca comoção geral. E a natureza nada cobra por essa dádiva. Mas o homem – na sua ganância mercantilista – naturalmente emporcalha o precioso recurso natural. 

A água não é um produto para ser comercializado. É um  direito fundamental do cidadão. E essa situação contraria  a lógica das privatizações: o ganho imediato a qualquer custo. A dinâmica da “privataria” é muito clara:  lucro exacerbado acima dos interesses da coletividade. 

Veja bem. A primeira iniciativa de um suposto comprador do SAAE seria radical enxugamento administrativo. É uma estratégia para recuperar o capital investido no negócio. E, no momento seguinte, entra em cena o famoso choque de gestão (ou indigestão). O palavrão embolorado é um eufemismo para demissões em massa. O drama seguinte é a máxima exploração da capacidade humana. O chamado colaborador (ou sobrevivente) terá que ralar dia e noite para compensar a drástica redução do quadro de funcionários. A Consequência dessa readequação administrativa é previsível: a eficiência na prestação de serviço vai para o espaço.  

Confira o resumo da ópera-bufa (ou efeito de uma possível privatização do SAAE): aumento considerável do preço das tarifas, acentuada queda na eficiência e radical deterioração na qualidade do atendimento. Então, em pouco tempo, o povo começaria a sentir saudade da época em que um órgão público gerenciava o abastecimento d`água. 

Mas o modismo da desestatização teve uma alteração no arcabouço original, nos últimos tempos. O processo está mais seletivo. Grandes cidades do planeta privatizaram o saneamento básico, principalmente na década de 1990. E deram literalmente com os burros n` água. Foi um fiasco. Recentemente, essas metrópoles fizeram meia-volta e reestatizaram o sistema. Essa mudança aconteceu em Berlim, Paris, Budapeste e na vizinha Buenos Aires.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato.

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