A Vale é sinônimo de irresponsabilidade social, ambiental e humanitária
Os familiares das vítimas de Brumadinho e Bento Gonçalves ainda andam com pires nas mãos em busca das mixarias compensatórias
A mineradora Vale é uma vendedora de ilusões. A empresa turbinou a sua pseudo boa imagem social por meio de migalhas. Esmola institucional significa arrumação de pracinhas, calçamento de becos, construções de míseras quadras esportivas, precárias pavimentações de ruelas e outras irrelevâncias. Esse batom estrutural sempre maquiou nosso caos ambiental de cada dia.
E a deslumbrada plateia aplaude com entusiasmo esses anestésicos auxílios. Nada surpreendente. A sociedade é uma instituição masoquista. Adora sofrer. Esse quadro psicossocial até é compreensível. Afinal, algumas pessoas se satisfazem com presentes de grego. Nesse contexto, é relativamente normal a “grande empresa” embromar a população com manjadas falácias.
A antiga Cia Vale do Rio Doce (CVRD) foi vendida (ou doada) pela bagatela de R$ 3,3 bilhões, há 27 anos. Depois disso, ela se encolheu e virou apenas Vale. Esperava-se que a desestatização representasse um novo tempo — uma nova forma de relacionamento com a comunidade. Mas não. A “revolucionária” filosofia administrativa se transformou em emenda pior que soneto. A nova (arcaica) transnacional exibe um currículo recheado de sangue e imundícies de todos os tipos. A Vale tem importante qualificativo em seu cartão de visita: a notória especialização na “arte” da degradação ambiental.
O pragmatismo do cotidiano comprova essa percepção. Densas nuvens de poeira cobrem os quatro cantos de Itabira. Esse é um panorama histórico da terra do Poeta Maior. É pó para todos os lados. E a grave poluição atmosférica tem séria consequência. Ao longo dos tempos, o itabirano convive com graves problemas respiratórios. É um mimo especial da exploradora de minério para esse povo. E tem mais. As ensurdecedoras detonações nas áreas das minas abalam as estruturas das casas e a paciência de homens, mulheres, crianças e animais. Essa esculhambação generalizada mais parece enredo de uma peça de ficção escatológica. A Vale é uma péssima companhia.
Mas nada é tão ruim que não possa piorar e expandir um pouco mais. Os tentáculos da ex-estatal ultrapassaram as montanhas (isso ainda existe?) da eterna Mato Dentro e literalmente invadiram o resto das Minas Gerais. Nos últimos nove anos, a trajetória catastrófica da organização chegou ao seu nível mais dramático. A tragédia de Bento Rodrigues foi um tétrico sinal de alerta. E tudo ficou muito claro. Havia algo de podre no reino dirigente da antiga “Joia da Coroa”. Vale e Samarco são sócias nos lucros e nas desgraças. O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, matou 19 pessoas e provocou o maior desastre ambiental do planeta.
Cadáveres dão duas safras? O próximo capítulo desse filme de terror confirmou o nefasto pressentimento. Brumadinho, então, foi um colapso anunciado. A já gigantesca irresponsabilidade social, ambiental e humanitária ficou latente com o desmoronamento da barragem da mina de Córrego do Feijão. Cadáveres dão duas safras. O acidente ocasionou a morte de 272 pessoas. A Vale foi a vilã desse homicídio culposo. A cena do imundo lamaçal devorando tudo e todos foi destaque negativo nos principais órgãos de imprensa mundo afora.
Os familiares das vítimas de Brumadinho e Bento Gonçalves ainda andam com pires nas mãos em busca de mixarias compensatórias. Uma perambulação humilhante pelos corredores dos três poderes. Mas vida (humana e animal) não tem preço. Essa extenuante narrativa desnuda definitivamente a irresponsabilidade social, ambiental e humanitária da velhíssima “joia da coroa”. A mineradora foi contaminada pela síndrome do rabo de cavalo: cresce, cada vez mais, para baixo.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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