Ambientalistas cobram regulamentação de pilhas de rejeitos da mineração em Minas Gerais

Deslizamentos recentes acenderam alerta para o risco de empilhamento de toneladas de material sem o controle necessário

Ambientalistas cobram regulamentação de pilhas de rejeitos da mineração em Minas Gerais
Pilha de disposição de rejeito a seco na mina Conceição, em Itabira. Foto: Gustavo Linhares/DeFato Online

Os rompimentos de barragens em Mariana, na região Central de Minas Gerais, em 2015, e em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em 2019, evidenciaram os perigos envolvidos no método de alteamento a montante dos rejeitos da mineração. As duas tragédias mobilizaram parlamentares, o poder público e a sociedade civil organizada na busca de maior segurança na atividade minerária.

Agora, no entanto, é preciso dar um próximo passo e desenvolver um marco regulatório das pilhas de rejeitos da mineração, ameaça que ainda não recebeu a devida atenção, de acordo com os participantes de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável realizada, na terça-feira (18), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Minas possui atualmente cerca de 750 pilhas de rejeitos e estéreis. Em 2022, em meio a fortes chuvas que castigaram o Estado no início do ano, ocorreu o deslocamento de parte da chamada Pilha Cachoeirinha, da mineradora Vallourec. O material transbordou e provocou uma avalanche de lama de resíduos minerários que interditou completamente o tráfego de veículos na BR-040, bem próximo ao trevo de Ouro Preto, no trecho que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2024, dezenas de moradores evacuaram suas casas no município de Conceição do Pará, no Centro-Oeste mineiro, pelo deslizamento de rejeitos e movimentação de terra em uma mina da Jaguar Mining.

Ambientalistas cobram regulamentação de pilhas de rejeitos da mineração em Minas Gerais
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) é autora de projeto sobre segurança e fiscalização para pilhas de rejeitos – Foto: Henrique Chendes/ALMG

Transparência de informações

Ambientalistas denunciam a total falta de controle sobre essas pilhas, estruturas robustas que podem causar grandes estragos. “Pilhas de rejeitos foram construídas nos últimos anos, certamente, sem cálculo da base necessária nem de altura máxima”, afirma Júlio Grillo, ex-superintendente regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“O interesse das empresas não é a técnica, é fazer que acionistas tenham lucros exorbitantes”, complementou Euler Cruz, presidente do Fórum Permanente São Francisco. Eles também questionaram a fiscalização dos órgãos competentes. “O Crea [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais] exige a Anotação de Responsabilidade Técnica [ART], só para dizer que o profissional que errar por incompetência vai ser preso. Mas quem foi preso em Mariana e Brumadinho? Ninguém!”, acrescentou.

“A Semad [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] aceita autodeclarações e afirma não ter responsabilidade sobre informações recebidas nem avaliar riscos”, pontuou, na mesma linha, Júlio Grillo.

Os convidados ainda questionaram a falta de transparência das informações sobre as pilhas de rejeitos, tanto por parte das mineradoras quanto por parte dos órgãos de controle, muitas vezes sob a alegação de segredo industrial.

Sandoval Pinto Filho, diretor da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), chamou atenção para a magnitude de projeto da CSN para empilhamento de rejeitos da mineração no município.

No ano passado, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou a ampliação da pilha Fraile, no Complexo Minerário Casa de Pedra. Segundo Sandoval, o projeto compreende mais de 60 milhões de metros cúbicos, em uma área de 300 hectares. A altura da pilha pode ultrapassar 200 metros e a área afetada está a pouco mais de 100 metros de bairros residenciais.

Ambientalistas cobram regulamentação de pilhas de rejeitos da mineração em Minas Gerais
Audiência pública na ALMG sobre a necessidade de regulamentação das pilhas de rejeito de minério em Minas Gerais – Foto: Reprodução/Vídeo/TV ALMG

Projeto prevê obrigações para as mineradoras

A audiência foi solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT) para discutir o projeto de lei (PL) 2.519/24, de sua autoria, o qual dispõe sobre ações de segurança e fiscalização para pilhas de disposição de rejeitos e estéril de mineração no Estado.

O projeto traz obrigações para as mineradoras, como informar qualquer alteração nas estruturas no prazo máximo de 12 horas e manter registros periódicos dos níveis de contação do ar, do solo e de cursos hídricos na área de influência do empreendimento.

Em página eletrônica, com livre acesso ao público, a empresa deverá disponibilizar detalhes das pilhas, inclusive seu potencial de dano, além de resultados das análises sobre sua estabilidade.

A deputada destacou que a proposição prevê a regulação mínima das pilhas de rejeitos e que a audiência pode subsidiar o parecer da Comissão de Meio Ambiente sobre a proposta.

Presidente do colegiado, o deputado Tito Torres (PSD) defendeu a aprovação do projeto em plenário para se garantir maiores condições de segurança às populações possivelmente afetadas.

O promotor João Paulo Brant, responsável pela Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente e Mineração, concordou que, de fato, há um vácuo normativo do tema em Minas Gerais. “Parece que estamos esperando uma nova tragédia acontecer”, advertiu.

Também reconhecendo a importância do tema, Leandro César Carvalho, gerente regional da Agência Nacional de Mineração em Minas Gerais (ANM), ponderou que o órgão exerce a melhor fiscalização possível diante de um quadro de defasagem de pessoal. Contudo, ele admitiu a necessidade de compartilhamento de documentos sobre as pilhas de rejeitos com a sociedade.

Representando a Semad, Fernando Baliani explicou, em resposta às críticas apresentadas durante a audiência, que a pasta não realiza estudos de análise de risco no processo de licenciamento ambiental pela falta de normas que possam embasar essa atividade na secretaria e de servidores com qualificação específica para essa atividade.

Em tempo

Tramita no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) de Itabira o pedido de anuência da mineradora Vale para ampliar as cavas de Conceição e Minas do Meio, que fazem parte do Complexo Minerador da empresa no município, além de implantar duas estruturas para a disposição de estéreis e rejeitos de minério de ferro. Porém, a empresa não oferece nenhuma contrapartida direta para o município — ao invés disso, propõe compensações em outras cidades. A solicitação da licença ambiental está prevista para ser votada na próxima sexta-feira (21).

A proposta feita pela Vale prevê a doação de uma área para o Parque Nacional do Gandarela, que tem sede na cidade de Rio Acima, e R$ 576.135,00 para se investir em projetos selecionados pelo ICMBio — e que atendam aos componentes do Programa Nacional de Conservação do Patrimônio Espeleológico. Ou seja, Itabira ficará com os passivos da atividade minerária, como poluição atmosférica, rebaixamento de lençol freático e outros danos ambientais, mas sem que seja recompensada por isso.

Desde o início do processo de licenciamento ambiental para a ampliação das cavas de Conceição e das Minas do Meio, a Cáritas Diocesana, uma das entidades que compõem o Codema, tem sido uma voz destoante de muitos conselheiros ambientais do município e tem encampado uma briga para que seja realizada uma audiência pública para se discutir o pedido da mineradora e debater de maneira ampla quais compensações serão feitas para Itabira.

A Cáritas Diocesana foi a responsável pelo pedido de vista no processo de licenciamento ambiental, travando a votação e uma possível aprovação da proposta feita pela Vale. Outras quatro entidades acompanharam esse pedido de vista coletivo: Sindicato Metabase de Itabira e Região, Funcesi, Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agropecuária de Itabira (Acita) e Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae).