André Viana decifra o funcionamento do Conselho de Administração da Vale
Ex-vereador de Itabira concedeu entrevista exclusiva à DeFato
André Viana Madeira (36) é o mais jovem presidente da história do Sindicato Metabase de Itabira. Formado em Teologia, Direito e Mecânica Industrial, Viana entrou na Vale em 2004. Na mineradora, exerceu a função de operador- mantenedor mecânico, nas usinas de beneficiamento de minério das minas do Cauê e Conceição.
A sua atividade sindical começou em 2008. Dez anos depois (2018), candidatou-se a presidente do Metabase e se elegeu. Na Legislatura 2017/2020, ocupou uma cadeira na Câmara de Vereadores de Itabira. Não tentou a reeleição. No início desse ano – depois de um polêmico processo eleitoral – conquistou uma vaga no Conselho de Administração da Vale.
Mas, na realidade, qual é a utilidade desse Conselho? Seria apenas uma “boquinha” para conter sindicalistas mais impetuosos? “Não é nada disso”, garante o dirigente do Metabase. Na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Fernando Silva, André Viana decifra o funcionamento do Conselho da Vale, lamenta as demissões de Carlos Henrique da Silva Filho (o Carlin Sacolão Filho) e Heraldo Noronha e opina sobre a exaustão das minas de ferro de Itabira.
DeFato: Essa cadeira de membro do Conselho de Administração da Vale tem alguma utilidade prática ou é apenas um cargo honorífico, uma simples estátua na paisagem urbana?
André Viana Madeira: Com toda a certeza, a resposta é que o cargo é muito importante para a representação dos trabalhadores, tanto que é um cargo eleito por eles (os trabalhadores). São 13 cadeiras no total, e uma delas pertence ao representante dos trabalhadores. E também, dentro do Conselho, tem a designação dos Comitês. Então, além de membro do Conselho, eu estou designado para compor um Comitê de excelência operacional e risco. Então, passam pelo Conselho todas as informações e decisões da empresa. Decisões em relação a investimentos, em relação à saúde e segurança ou sobre a relação com a comunidade, por exemplo. Então é uma cadeira superimportante, quando aqueles, que nela se assentam, cumprem o seu papel, que é abrilhantar a função para a qual foram escolhidos.
DeFato: Esse Conselho é daquele tipo que funciona uma vez na vida e outra na morte, ou ele tem alguma atividade rotineira?
André Viana: O Conselho tem um funcionamento bastante contínuo. São reuniões mensais ordinárias e, às vezes, até extraordinárias. E, além das reuniões do Conselho, existem também as reuniões dos Comitês, que se reúnem tematicamente. Hoje mesmo (2/07), eu participei, a convite, de uma reunião do Comitê de Auditoria, que é o Comitê que faz análise de finanças, geologia, saúde e segurança. Então, temos um Conselho e Comitês, com uma agenda hiperaquecida. Então, nessas ocasiões, são discutidos temas de interesse local, regional, nacional e até internacional. Aí também são debatidos, por exemplo, a relação com a China e o preço do minério. Não se debatem apenas assuntos relativos a minério de ferro, mas também metais básicos como cobre, zinco ou níquel. É uma vastidão de assuntos, onde o Conselho desenvolve um trabalho de orientar, conhecer e ajudar nas tomadas de decisões da diretoria executiva da Vale.
DeFato: Como está muito claro, o Conselho de Administração da Vale é multitemático e multifuncional. O senhor ocupa uma cadeira representativa dos trabalhadores. E quais são as outras cadeiras?
André Viana: Além dessa cadeira que ocupo, também há cadeiras cujos membros são indicados pelos acionistas da empresa. Hoje, por exemplo, o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco é um dos conselheiros. Também participa (do Conselho) a senhora Rachel Maia, que representa o Grupo Soma. Então, é um Conselho que conta com notáveis presenças de pessoas hiper capacitadas, técnica e economicamente. É um Conselho robusto de conhecimento e seriedade, com um trabalho extremamente contínuo e responsável, pois pertence (o Conselho) à maior empresa da América Latina, uma das maiores mineradoras do mundo.
DeFato: A sua presença no Conselho da Vale não tira um pouco de sua autonomia e independência como presidente do Sindicato Metabase? Não haveria incoerência em ser sindicalista e, simultaneamente, membro do Conselho de Administração da mineradora?
André Viana: Essa pergunta é muito interessante pela oportunidade para esclarecimento, mas eu não vejo por esse lado. Pelo contrário, a nossa presença no Conselho colabora com os trabalhos, porque os interesses do Sindicato Metabase são o emprego, a manutenção do emprego, a renda e a comunidade onde a empresa explora o minério. E, todos esses temas também são discutidos no Conselho da Vale. Por exemplo, um assunto de constante discussão no Conselho é a questão das barragens. Também se discute o novo comportamento da empresa em relação à saúde, segurança e meio ambiente. Ali (no Conselho), debatemos os anseios dos trabalhadores. Isso não significa que sempre seremos atendidos, porque não somos maioria (no Conselho), mas a nossa voz está ali para fazer valer o respeito aos trabalhadores e às comunidades, onde a Vale explora o minério. Um exemplo claro disso é a preocupação com o futuro de Itabira, diante da exaustão do minério, um tema que já foi debatido (no Conselho) em várias oportunidades. Então, é um Conselho que, se bem utilizado, com muita seriedade, pode trazer muitos benefícios para a cidade e os trabalhadores.
DeFato: Itabira, a partir de agora, entra numa fase decisiva da sua história socioeconômica. Dentro de dez anos, a Vale encerra as suas principais atividades no município. Na sua avaliação – como sindicalista e membro do Conselho da Vale – como a cidade deve-se preparar para enfrentar essa mudança tão radical?
André Viana: Nós chamamos a exaustão de uma realidade pós-lavra. A ideia empresarial e corporativa é que Itabira se torne um “case de sucesso”, um exemplo para outras cidades, que estão enfrentando ou enfrentarão uma situação semelhante (a exaustão das minas). Mas, na verdade, o povo itabirano ainda não acordou para essa realidade. Eu acho que Itabira não está preparada para esse momento. Perdeu-se muito tempo e o tempo urge, mas nem tudo está perdido. As instituições governamentais, não governamentais e a população precisam se envolver num trabalho coletivo para fazer o que ainda pode ser feito. Itabira não preparou uma diversificação econômica para substituir a atividade mineradora. Veja bem: somente a Unifei (Universidade Federal de Itajubá) não tem condições de salvaguardar o futuro de Itabira. O impacto de uma interrupção total da exploração mineral, que não acontecerá repentinamente, mas de forma gradativa, pode trazer sérios problemas para a cidade, se nada for feito. Tudo isso é muito sério porque mais de 80% da economia local gira em torno da mineração. Hoje, nós temos (em Itabira) mais de quatro mil empregos direto da Vale e mais de oito mil empregados de terceirizadas. Nós estamos com o desemprego em alta em todo o Brasil, são 14% de desempregados, segundo dados do IBGE. Mas, em Itabira, acontece o contrário, devido às obras de descomissionamento das barragens. Todos os hotéis da cidade estão com 100% de ocupação. Além disso, os fornecedores e o comércio exibem um faturamento bastante expressivo. Como você pode observar, a economia de Itabira é muito dependente da Vale. E uma economia como essa não se substitui do dia para noite.
DeFato: No seu ponto de vista – levando-se em consideração sua experiência como trabalhador da Vale, político e sindicalista – qual será a nova trajetória (vocação) de Itabira no pós-exaustão da atividade minerária?
André Viana: Nós temos aí um potencial cultural muito bom. Itabira tem um desenvolvimento cultural muito bom, e o exemplo maior nesse nicho é o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. O turismo cultural é muito pouco explorado em nossa terra. Temos também o ecoturismo e o agronegócio, que podem ser desenvolvidos nas regiões distritais e no entorno de Itabira. A cidade, nessa questão de ensino, tem possibilidade de se tornar um polo educacional. Acho que existem mais opções para a Unifei como, por exemplo, a implantação de um curso de medicina. Isso não resolve tudo, mas ajuda. Eu entendo também que Itabira tem que abrir as portas para a indústria 4.0, ou novas tecnologias. A gente precisa observar que, em algumas regiões do Brasil, estourou o E-commerce digital, que também pode ser uma opção interessante. Então, nós temos aí diversas possiblidades que podem ser buscadas, porque investir em apenas uma atividade não resolverá o nosso problema. Nós vamos precisar de uma diversificação econômica e eu acho que a Vale tem muito a contribuir para essa transformação.
DeFato: Recentemente, os ex-vereadores Carlos Henrique Silva Filho (o Carlin Filho) e Heraldo Noronha Rodrigues foram demitidos do quadro de funcionários da Vale. Por coincidência, os dois foram adversários do senhor na eleição para uma cadeira do Conselho de Administração da empresa. Essas demissões, logo depois da derrota de ambos, foram mera coincidência ou puro maquiavelismo, que é a mais dura realidade do exercício da política?
André Viana: Nós, como sindicalista, como presidente do Sindicato Metabase, combatemos e lamentamos toda e qualquer demissão ilegal, injusta ou arbitrária. As portas do Sindicato Metabase estão abertas, com sua estrutura jurídica, para receber todo e qualquer trabalhador em suas necessidades, inclusive quando fragilizado por um mal maior, que é a demissão. As demissões desses dois empregados, como todas as demais que aconteceram durante o ano, foram lamentadas por nós. Lamento a demissão desses dois trabalhadores, que foram meus colegas na Câmara, e nos colocamos à disposição para tentar trabalhar e resgatar alguma possível injustiça.
DeFato: O senhor foi vereador por um mandato. Não quis tentar uma reeleição para o Legislativo. Como analisa a atual tensão no relacionamento entre a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, uma grave crise institucional?
André Viana: Os conflitos políticos (entre o Executivo e o Legislativo) quando são para o bem da população, para o bem público ou para a res pública (coisa do povo) são bem-vindos. Primeiramente, é preciso ressaltar que não existe unanimidade na política. Eu vejo que essa relação atual (de tensão) entre o Executivo e a Câmara é uma oportunidade para amadurecimento do comportamento dos dois lados. Nós temos um prefeito novo na política, que está pela primeira vez ocupando um cargo público. E nós temos uma Câmara mesclada (com experientes e novatos) e a equipe de governo é formada por novos na política e alguns experientes também. Eu sempre ouvi que a matéria prima da política é a saliva. Então, é necessário ter muito diálogo. As portas de diálogo do Executivo nunca devem ser fechadas para a Câmara de Vereadores e, em contrapartida, a Câmara não deve também fechar as portas do diálogo com o Executivo. Então, é preciso que a cidade tenha um poder Legislativo independente, mas que seja harmônica (a relação entre os dois poderes), porque se faltar harmonia, o povo é quem pagará um alto preço. Eu acredito que com diálogo se conquista muito.