Anglo American ainda não planeja reassentamento de comunidades atingidas por Minas-Rio

Após determinação de juíza, mineradora nega ter recebido intimação; comunidades alegam impactos em água, alimentos e animais

Anglo American ainda não planeja reassentamento de comunidades atingidas por Minas-Rio
Comunidade ribeirinha utiliza água poluída para consumo no Córrego Vargem Grande assoreado. Foto feita pela comunidade para realização de BO

Mesmo após ação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que obriga a Anglo American a reassentar três comunidades em Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro, o empreendimento Minas-Rio executado pela mineradora continua causando prejuízos a essas famílias. A Ação Civil Pública (ACP) determina que as pessoas que moram em São José do Jassém, Passa Sete e Água Quente devem ser removidas da Zona de Autossalvamento (ZAS) em até um ano. No entanto, a Anglo American afirma ainda não planejar o deslocamento das famílias. 

O veterinário Lúcio Guerra Júnior tem propriedades nas três comunidades e percebe que o principal problema é a contaminação da água. Os resíduos tóxicos afetam a vida das comunidades, que utilizam os córregos para uso, consumo e lazer. “A água é primordial pra todo ser humano, inclusive mais pra comunidade da Água Quente, porque a própria Água Quente é extremamente dependente do córrego. Está construída a barragem sobre o leito dele”, explica Lúcio.

Contenção de sedimentos provenientes de erosão no Córrego Pereira, próximo a sede da empresa Anglo American. Foto: PMMG
Contenção de sedimentos provenientes de erosão no Córrego Pereira, próximo a sede da empresa Anglo American. Foto: PMMG

Autor de mais de um Boletim de Ocorrência (BO) nos locais, Lúcio presenciou a poluição e o assoreamento dos córregos que abastecem toda a vizinhança. Além disso, o veterinário registrou junto à Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) a morte e o atolamento de animais provenientes dos impactos ambientais causados pela Anglo American.

Detalhe de BO registrado pela PMMG. Captura: DeFato Online
Detalhe de BO registrado pela PMMG. Captura: DeFato Online

A água contaminada também prejudica a alimentação da comunidade. Além de impedir o consumo das hortas em seus quintais, Lúcio aponta que moradores do entorno à Mina do Sapo tinham uma produção intensa de farinha e polvilho para biscoitos e pães de queijo que está sendo interrompida. “A melhor farinha da região. Muitos foram deixando a atividade, porque a mandioca, depois de triturada, vai pra secar. E, nessa fase pra fazer a farinha, o que vinha em cima? A poeira do minério. Então prejudicava essas famílias também”, conta.

A sentença emitida no dia 17 de setembro pela juíza Letícia Machado Vilhena Dias foi baseada na Lei Mar de Lama Nunca Mais e determina 60 dias para que a mineradora apresente um Plano de Reassentamento Coletivo. Além disso, o processo deve ser acompanhado pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab). Segundo a ATI 39 Nacab, a Ação também solicita a anulação da atual licença ambiental concedida pelo Estado à Anglo American e impede novas licenças até a correção da ilegalidade. 

O próprio processo de reassentamento pode causar impactos às comunidades. É por isso que o Plano também deve contar com a participação delas para preservar sua cultura – os laços afetivos e a economia. A intenção é que as condições de vida das comunidades São José do Jassém, Passa Sete e Água Quente sejam iguais ou melhores que as anteriores às atividades minerárias.

Apesar de ter sido obrigada a elaborar um calendário com as etapas, modos de elaboração e execução do Plano, a Anglo American alega em nota que ainda não foi notificada da decisão: 

A Anglo American informa que não foi comunicada oficialmente da decisão sobre o julgamento da Ação Civil Pública que trata do processo de reassentamento coletivo das comunidades de Água Quente, Passa Sete e São José do Jassém, na zona rural dos municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro (MG). Assim que intimada, a empresa irá analisar a decisão e se pronunciará nos autos do processo. A Anglo American ressalta que desde 2019 vem implantando um programa de reassentamento para as comunidades de Água Quente e Passa Sete, e está aberta a continuar o diálogo com a comunidade de São José do Jassém sobre eventual reassentamento.

O valor do reassentamento a ser custeado pela Anglo American está estimado em R$ 500 milhões. Caso a mineradora não apresente o Plano de Reassentamento Coletivo em até dois meses, será penalizada por uma multa de R$ 50 mil por dia de atraso.