Apenas uma questão de finitude

Leia o novo texto do jornalista e colunista da DeFato, Fernando Silva

Apenas uma questão de finitude

Gosto muito de ler. É uma das minhas razões de viver. Leio compulsivamente desde os sete anos de idade. Nada escapa. Aprecio livros, revistas e jornais. Devoro bulas e pequenos anúncios com a mesma voracidade. É uma doença. E não tenho a mínima preocupação em me curar desse mal.

 

Gosto muito de Machado de Assis e Eça de Queiroz (que não é parente daquele outro). Capitu, com seus olhos de ressaca de uma cigana oblíqua e dissimulada, é personagem marcante. Que me desculpe o ressabiado Bentinho pela minha ousadia. Apreciei também o padre Amaro, apesar da vilania. Encantei-me com o péssimo caráter de Macunaíma. Vibrei demais com as vadiagens de Vasco, ao som de “Música ao Longe”, um clássico de Érico Veríssimo. Há muito tempo li “O Quinze”, primeiro livro de Rachel de Queiroz. A saga daqueles esquálidos refugiados (retirantes) de uma das mais terríveis secas do Nordeste bagunçou a minha alma. 

Considero Graciliano Ramos e Guimarães Rosa gêmeos intelectuais. Normalmente,  me atrapalho com os nomes e as obras  dos dois. “Angústia” poderia muito bem ter sido escrita por Graciliano Rosas. “São Bernardo”- por sua vez – é  a cara de Guimarães Ramos. Não gosto tanto de poesias. Carlos Drummond, Cecília Meireles e Vinicius de Moraes são necessários e suficientes. E ponto. O “poeta maior” e o “poetinha” suprem as minhas carências emotivas. Amo os versos soltos e sem compromisso do Modernismo. As rimas fatais e métricas rigorosas do parnasianismo me torturam.  

Um livro, no entanto, mudou a minha maneira de ver o mundo. Nada de Victor Hugo ou Dostoievski. Era uma produção inexpressiva. Tanto  que sequer memorizei o título. Tampouco me lembro do autor do atentado literário. Contava com treze anos de idade. Preparava-me para os encantos e fantasias da adolescência. Lia aquilo com grande indisposição. 

E aí uma colocação aparentemente banal mexeu com o meu imaginário: “Às vezes, devemos olhar para o céu, pois é lá que estão as grandes verdades”, recomendava o escrevinhador. Refleti muito sobre o conselho  e passei a observar a abóboda celeste. Nunca mais deixei de praticar esse instigante exercício. Perco, ou ganho muito tempo, todas as noites, nesse meu namoro com as estrelas. Já presenciei coisas estranhas. Estou à procura de algo indefinido. 

Consigo até ouvir o meu próprio eco nos confins dos cosmos. Ando atrás da minha  verdade. Viver num planeta minúsculo, quase um asteroide, é uma realidade apavorante. Busco desesperadamente por um vestígio de Deus. A harmonia dos astros clama pela presença desse ser ambíguo. E Ele se manifesta  onisciente, encoberto por uma privilegiada onipresença.  Sinto-me impotente diante de tão escandalosa onipotência. 

Então, mirei o infinito e dei de cara com a finitude. Afinal, a nossa passagem por esse planeta não dura mais que meros segundos do tempo universal. Esse relógio é implacável. Num piscar de olhos a história se desenvolve: mitos desaparecem, mistérios são desvendados, civilizações se desmancham, vilões se evaporam e heróis se engrandecem. E assim a vida se esvai célere. O céu – com toda sua placidez – é testemunha privilegiada de cada ato da peça teatral dessa existência Tempus edax rerum. Essa é a única verdade que prevalece.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato

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