As vistorias para emplacamento de veículos são costumes paleolíticos
Confira o novo texto do jornalista e colunista da DeFato, Fernando Silva
Vamos por parte. Ninguém é obrigado a conhecer determinados palavrões. Mesmo porque, os dicionários são moradia do exotismo. Paleolítico, por exemplo, é uma expressão bem familiar para geólogos. O humano comum pouco sabe dessa coisa.
Um simples feijão com arroz da retórica, porém, esclarece o básico. O paleolítico – que começou há 2,5 milhões de anos – é o primeiro período da pré-história. Faz muito pouco tempo, portanto. Essa era planetária é conhecida também como idade da pedra lascada. E, como se nota, é tudo muito anterior ao famoso tempo do onça.
O Brasil herdou certos procedimentos dessa longínqua fase planetária. De vez em quando, um gênio do bananal periférico dá um salto triplo e alcança a modernidade. Recentemente, ocorreu uma evolução mental do espécime tupiniquim. Confira a sequência do parto de uma maravilhosa gestação governamental. Uma proeza meritória da atual geração de homens públicos.
Durante muito tempo, a cada ano, os “velhinhos” (e até alguns novinhos) do INSS necessitavam se deslocar compulsivamente até uma agência bancária. Esse estranho ritual tinha surreal objetivo: provar que aposentados e pensionistas continuavam habitando o caótico mundo dos vivos. A obrigatoriedade, no entanto, era uma tragédia.
Os idosos chegavam -na maioria das vezes – montados em muletas ou pilotando cadeiras de rodas. Alguns até apareciam em companhia de singelas bombinhas de oxigênio. Tanto sacrifício para prosaica justificativa: evitar o cancelamento dos pagamentos de “nababescos” benefícios.
No mês passado, finalmente, a excêntrica farra terminou. Alguém incorporou o espírito santo e descobriu a fórmula mágica para cancelar a sacana exigência. E, cá pra nós, a pombinha sagrada demorou muito para abrir a mente mentecapta dos sábios do Instituto da previdência. Mas esse é apenas um exemplo com final feliz.
Agora segue a exibição de outra papagaiada institucional: a famigerada fila de vistorias para emplacamentos de automóveis. A estrovenga é outra punheta legal de pindorama, uma exigência típica da idade da pedra lascada. Todas as vezes que um cidadão de bem (ou de mal) adquire um novo carro tem que se sujeitar à farofada: uma vistoria veicular. A bizarrice, no mínimo, produz filas “dinossáuricas”.
E a coisa parece não ter prazo de validade. Sai ano, entra ano, o bonde anda, a fila fica. O mundo vivencia a era da informação (ou terceira revolução industrial). O homem até já pisou o solo lunar, mas a indiana da vistoria teimosamente não sai de lugar. E nem o padre eterno consegue dar um jeito na encrenca.
O DETRAN até se modernizou em muitos aspectos. As novas “variantes” da carteira de habilitação são um avanço. Então, por que a fila para inspeção de automóveis virou um patrimônio histórico? Elementar, meu caro Watson. Tem gente faturando com o atraso. Afinal, tudo no ser humano muda, menos a ganância monetária. Enquanto isso, a fila da placa não desempaca.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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