Barulho e direito de ouvir

Aos contrários às minhas ideias, peço compreensão principalmente para doentes, idosos, crianças e quem precisa do mínimo de silêncio para viver

Barulho e direito de ouvir
Foto: Reprodução
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Itabira é a cidade do barulho. Ainda assim não foi denominada, mas deve ser, com urgência, para fazer jus a uma de suas características. Sugiro que retirem cidade do ferro, que só levou ferro, e tenha uma denominação a ser dividida com Drummond. Pode ser também cidade dos doidos varridos. Que dizem estar atraindo empresas de fora e os traem com uma seta estampando um convite não muito simpático: “Rota de Fuga”.

Conheço, frequentei muito e dela guardo grandes recordações pelas amizades que lá tive: Capelinha, no Vale do Jequitinhonha. A urbe, de uns 40 mil habitantes, segundo o IBGE, chegou a ser eleita por jornalistas a cidade mais barulhenta de Minas Gerais. A Justiça, vendo a aberração, promulgou a lei que tem assim determinado o artigo primeiro: “É proibido soltar foguetes em Capelinha”.

A suposta imitação surgiu logo no início da atual administração itabirana. O vereador Bernardo Rosa fez algo idêntico: subscreveu projeto de lei proibindo estampidos de fogos na terra do barulho. Apesar de tudo, contudo, alguns foguetes pipocam por aí, ou no Dia de Nossa Senhora Aparecida (e ninguém tem prova de que gosta de fogos), ou quando jogam Atlético x Cruzeiro e o placar é empate.

A meu ver, ambas as cidades trituraram-se no ar. Os estrondos de Itabira, bem como os de Capelinha, não são nem em 1% originários da queima de fogos. O barulho começa religiosamente às 8 horas da manhã e só termina quando os perturbadores têm sono. Os autores não são apenas as motos turbinadas, nem os caminhões desregulados, nem somente os sons-volante. O grande fragor ocorre exatamente nas madrugadas de conhecidos vagabundos. Em carros comuns, em veículos preparados só para mostrar que o piloto é o dono do pedaço.

Barulho e direito de ouvir
Charge de Jokslane publicada no livro “Ser Vereador”, do colunista da DeFato José Sana – Foto: Arquivo/José Sana

Mas, somando tudo isso, ou se multiplicando, já que os estampidos são insuperáveis, Itabira pode ser uma Hiroshima brasileira, que absorve essa quantidade extranormal de estrondos nos ouvidos 80% do dia. Duas amigas, residentes da avenida João Pinheiro, movem ações na Justiça, sem resultado positivo, desde os tempos da chegada do chamado progresso à nossa terra, amada e barulhenta. Fato histórico, as duas cidadãs, irmãs, adentrarem o Fórum para defender um direito da população: de sofrer menos com horrores.

Aos contrários às minhas ideias, peço compreensão, principalmente para doentes, idosos, crianças e quem precisa do mínimo de silêncio para viver. Rogo, também, pelos surdos. Parece um paradoxo, mas não é. Grande parte dos moucos usam aparelhos auditivos e esses aumentam a potencialidade no alarido.

A surdez maior não é por não ouvir, não escutar, mas, principalmente, por não discernir. Espero que entendam, falo de cadeira. E falarei mais neste tema em breve, quando pretendo lançar meu terceiro livro, agora com o arremate em conclusão, “Direito de Ouvir”.

E não será apenas para proteger doentes, idosos e crianças, mas os nove milhões de deficientes auditivos que existem no Brasil e mostrar ao mundo surdo, cego, trôpego e idiota que é o maior alvo de bullying.

José Sana é jornalista, historiador, professor de Letras e ex-vereador em Itabira por dois mandatos, onde reside desde 1966

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