Bolsonaro confirma que enviou dinheiro aos EUA por ‘dúvida’ da política de Lula
A Polícia Federal pensa diferente e acredita que o era manter nos EUA os recursos enquanto havia uma tentativa de golpe de Estado no Brasil
Na última quinta-feira (15), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) confirmou ter feito transferência de R$ 800 mil para um banco dos Estados Unidos antes de sua viagem com a família ao país, no final de dezembro de 2022, e evitar, assim, passar a faixa presidencial ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Enviei, sim, da minha poupança do Banco do Brasil para o BB América. Ou seja, o dinheiro continuou em um banco brasileiro. Dizia a nossa querida Polícia Federal [PF] que o último país do mundo que um golpista e ditador enviaria recursos seria os Estados Unidos, porque é um país democrático e respeita tratados, e esses recursos seriam imediatamente bloqueados. Além disso, em 2023, os brasileiros enviaram para fora do país dois bilhões e 100 milhões de dólares. Isso não é crime. E porque eles fizeram isso? Porque, assim como eu, tinham dúvidas sobre a política e economia do atual mandatário de esquerda”, afirmou Bolsonaro.
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Já a Polícia Federal pensa diferente e, segundo investigações, o objetivo da transferência seria manter em solo norte-americano esses valores enquanto havia um desdobramento de uma tentativa de golpe de Estado no Brasil — e se houvesse necessidade de se instalar nos EUA para se precaver de um inquérito pela conspiração de ruptura do Estado democrático de direito.
Essas informações constam de um documento da PF publicado pela revista Veja na quarta-feira (14),.
A quebra do sigilo bancário do ex-presidente demonstra que, prestes a encerrar o seu mandato, ele teria feito uma operação de câmbio de R$ 800 mil em 27 de dezembro de 2022. O dinheiro seria transferido para um banco com sede nos Estados Unidos, onde Bolsonaro tem conta.
Em documento, a PF ressalta que: “Evidencia-se que o então ex-presidente Jair Bolsonaro, ao final do mandato, transferiu para os Estados Unidos todos os seus bens, lícitos e ilícitos, com a finalidade de assegurar sua permanência no exterior, possivelmente aguardando o desfecho da tentativa de golpe de Estado que estava em andamento”.
A PF observa que os recursos financeiros poderiam ser lícitos ou ilícitos por suspeitar que parte do montante transferido tenha sido acumulado com o “desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras”.
Ainda de acordo com a PF, Bolsonaro e os demais investigados na operação Tempus Veritatis, deflagrada na semana passada, “tinham a expectativa de que ainda havia possibilidade de consumação do golpe de Estado”.
Da mesma forma, “estavam cientes dos ilícitos cometidos e tentavam se precaver de eventual persecução penal”, ou seja, da instalação de um inquérito e da eventual responsabilização na Justiça pela tenntativa de romper com o Estado democrático de direito.
Ainda segundo o documento da PF, “alguns investigados se evadiram do país, retirando praticamente todos os seus recursos aplicados em instituições financeiras nacionais, transferindo-os para os EUA, para se resguardarem de eventual persecução penal instaurada para apurar os ilícitos”.
Após a transferência dos R$ 800 mil para os EUA, conforme aponta a quebra de sigilo bancário feita pela PF, o ex-presidente ficou com um saldo negativo em sua poupança no Brasil, no valor de R$ 111 mil. Esse valor foi posteriormente coberto por ele ao retirar recursos de um fundo de investimentos, não revelado pela PF o montante desse fundo.
Nos argumentos apresentados pela PF à Procuradoria-Geral da República (PGR), estão:
- Bolsonaro efetivamente participou e não apenas ouviu falar um plano de tentativa de golpe. Ele sabia de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder. O então presidente discutiu o teor da chamada “minuta do golpe” e pediu ajustes.
- A versão inicial previa a prisão dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mas Bolsonaro pediu que os nomes de Gilmar e Pacheco fossem retirados, mas exigiu a manutenção do trecho que previa a realização de novas eleições.
- Com as mudanças no texto original da minuta, Bolsonaro convocou generais e comandantes das Forças Armadas. Ele apresentou a minuta e pressionou os oficiais a aderir ao golpe. Apenas o comandante da Marinha colocou a tropa à disposição, segundo a PF.
- Militares da ativa pressionaram colegas contrários ao golpe para tentar convencê-los a aderir ao movimento. Em uma das conversas recuperadas pela PF, o general Braga Netto, então ministro da Defesa, chamou o comandante do Exército, general Freire Gomes de “cagão”.
- Oficiais do Exército organizaram manifestações contra o resultado das eleições e atuaram para que os manifestantes tivessem segurança. O movimento incluiu o acampamento em frente aos quartéis, onde, segundo a PF, militares ensinavam técnicas de guerrilhas a civis.
- O grupo mais próximo a Bolsonaro, incluindo ministros civis e militares, monitorou os passos de Alexandre de Moraes, trocando informações sobre sua agenda. Esse núcleo da “organização criminosa” era comandado pelo ex-assessor especial de Bolsonaro Marcelo Câmara.
- A intenção do monitoramento era garantir a prisão de Moraes, caso o golpe militar tivesse êxito. Marcelo Câmara tinha o itinerário exato de deslocamento do ministro nas semanas finais de dezembro de 2022.
- Ainda em dezembro de 2022, o então chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Cals Teóphilo Gaspar de Oliveira, se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada e disse que colocaria tropas especiais nas ruas se ele publicasse a minuta do golpe.
- Os mais fiéis aliados de Bolsonaro, como Mauro Cid, seu ajudante de ordens, ajudaram a articular e financiar os atos que levaram á invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, dando orientações e oferecendo R$ 100 mil a uma major do Exército para ajudar na organização dos atos em Brasília.
O PL, partido de Bolsonaro, foi usado para financiar narrativas que atacavam as urnas eletrônicas. O partido contratou um instituto para elaborar um estudo questionando o resultado da eleição.
Na sede da legenda, os federais encontraram um documento questionando o resultado da eleição, assim como um documento para decretação do estado de sítio.