O empresário do ramo farmacêutico Lucien Marques Cosme, 43 anos, sempre esteve envolvido nas questões sociais de João Monlevade e de sua terra natal, São Domingos do Prata. Conhecido pelo empreendedorismo, participa de importantes entidades da sociedade monlevadense. Atualmente é vice-presidente da Associação Comercial de João Monlevade (Acimon), diretor do Sicoob Credimepi — cooperativa de economia e crédito mútuo, com 6 mil cooperados e nove agências na região —, membro do conselho curador da Fundação Comunitária Educacional e Cultural de João Monlevade (Funcec) e membro do conselho curador da Fundação Monique Leclercq, que assiste e qualifica menores carentes de São Domingos do Prata.
Entretanto, nenhuma, dessas funções fez com que Lucien passasse tantas dificuldades quanto as que enfrentou a partir do momento em que tomou posse da provedoria do Hospital Margarida (HM), em 2006. A unidade de saúde monlevadense vinha de uma longa trajetória de insucessos financeiros e imagem manchada perante a opinião pública. A crise ainda durou cerca de um ano após Lucien assumir a provedoria.
Após ter superado carências financeiras e promovido melhorias, por meio de parcerias e convênios, o HM encontra-se em um momento crucial para determinar seu futuro. Há a necessidade de se definir a continuidade ou o fechamento dos serviços de Urgência e Emergência do Pronto Socorro, situação que depende de um convênio firmado com a Prefeitura de João Monlevade. O assunto vem sendo discutido amplamente e o provedor do HM aponta a solução. Essa e muitas outras questões são esclarecidas na entrevista a seguir.
Qual era a situação e os desafios do Hospital Margarida (HM) em 2006, quando o senhor aceitou assumir a provedoria?
Era uma situação de descrédito total junto à classe médica e aos fornecedores, com dez meses de atraso com os mesmos e dívida de custeio superior a 2 milhões de reais. Total sucateamento da estrutura física e de equipamentos, além de imagem negativa junto à comunidade, devido à alta exposição negativa na mídia. As principais metas para superar as dificuldades foram o pagamento de todos os compromissos em atraso, o desenvolvimento de um plano diretor para nortear nosso trabalho de recuperação da estrutura física, das ampliações e construção de dois novos anexos e do CTI com dez leitos, totalizando durante a nossa gestão quase 15 milhões de reais em investimentos. Os maiores obstáculos foram conquistar a credibilidade junto às partes interessadas da instituição e manter as contas em dia, haja visto que somos uma unidade que atende mais de 70% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), além de mantermos um Serviço de Urgência e Emergência com seis clínicas 24 horas, subfinanciado, apesar da sua importância no cenário regional e estadual.
Quais foram as principais ações tomadas nesse período para que a instituição voltasse a ter o controle de suas finanças?
Busca de parcerias junto ao poder municipal, estadual, empresarial e com a comunidade por meio da Associação dos Amigos do Hospital Margarida (AAHM), que foi criada por nós. A primeira providência foi contratar duas administradoras com especialização em gestão hospitalar, enxugar os gastos com pessoal e custeio, eliminar despesas por meio de otimização de serviços e cancelar contratos essencialmente desnecessários.
O senhor afirmou que a criação da AAHM havia sido uma das metas primordiais para que pudesse assumir o cargo. Em sua opinião, esse foi o fator determinante para que o hospital voltasse a atender com qualidade a população?
Foi sim, porque se tratou de uma estratégia nossa fazer com que a comunidade abraçasse a causa do hospital e entendesse que ele é uma associação comunitária, o que equivale dizer que pertence à sociedade. Assim sendo, os ônus e bônus não são somente do poder público, mas de toda a coletividade. Foram repassados pela AAHM ao hospital, nesses seis anos de atuação junto à comunidade monlevadense, montante revertido única e exclusivamente em melhorias para a unidade de saúde, em torno de 1 milhão de reais. O dinheiro só foi utilizado em melhorias, jamais em custeio, conforme exige o estatuto da AAHM. Reformas e compra de equipamentos, móveis, uniformes e rouparia em geral, foram feitas, além de pinturas, troca de telhados etc.
Como a sociedade pode continuar a contribuir para o projeto?
Ampliando as doações e dando ideias para inovarmos com novas ações de arrecadação. É enorme a importância do HM hoje para João Monlevade e região. É o único hospital da cidade e referência para mais seis cidades da região, em média e alta complexidade, e no atendimento das Urgências e Emergências. O HM atende um público de cerca de 140 mil habitantes na sua área de influência. O hospital também é de grande importância nacional, por ser o quarto no ranking de primeiro atendimento aos acidentados em BR´s no Brasil. Para que a qualidade nos atendimentos seja mantida na unidade de saúde, é feito um trabalho permanente de treinamento da equipe de qualidade implantada em nossa gestão, junto aos funcionários e corpo clínico, além da busca constante de melhoria de equipamentos e novos serviços.
Em algum momento, o senhor pensou em desistir do compromisso assumido com o hospital?
Já na posse eu tive vontade de desistir ante ao desafio assumido. Porém, uma força irresistível de fazer o bem e a certeza da grandiosidade da obra que poderia realizar (e que uma vez concretizada geraria benefícios na vida da nossa sociedade), além da confiança irrestrita no poder divino que nos coloca missões compatíveis com nossas forças. Tudo isso me levou a persistir sempre, focado em metas. Também devo salientar que trago desde a minha adolescência o hábito de realizar algo para aqueles que precisam mais, imbuído pelos princípios esposados pelo bom entendimento do cristianismo à luz da Doutrina Espírita, que estudo com interesse há mais de 30 anos.
Recentemente, o Pronto-Socorro do HM foi fechado temporiamente, por dificuldades financeiras. Qual a solução para que a população não seja prejudicada?
O fechamento anunciado do Pronto-Socorro do HM deveu-se à desistência de realização de plantão por um cirurgião de fora da cidade, que só nos avisou às 16h de uma sexta-feira. Todos os esforços empreendidos para substituí-lo foram sem sucesso. Tomamos a decisão de não abrir devido ao risco para os pacientes e aos médicos das clinicas que estariam presentes, mas sem capacidade técnica para atender traumas e acidentados. Somente conseguimos mantê-lo aberto porque, na última hora, dois cirurgiões dividiram o plantão. A Prefeitura de Monlevade vem atrasando as parcelas do convênio, de setembro em diante, em média, em 30 dias, o que nos tem gerado atrasos com os plantonistas e os desestimulado na função. Devo lembrar que, no ano passado, pela incapacidade de transferência de sete parcelas de R$ 260 mil pela Prefeitura, conforme convênio assinado, o HM teve que buscar um empréstimo de R$ 1,8 milhão para não fechar o serviço. A solução possível, no momento, seria o município repassar os recursos em dia ou assumir a sua responsabilidade legal de Urgência e Emergência, aliviando o HM desse encargo.
O senhor chegou a dizer na mídia que a unificação dos serviços seria um bom caminho para a solução dos problemas ocorridos pela falta de repasse do município. Como seria essa unificação?
Na verdade, isso seria uma ação do governo municipal, e não do HM, porque o Serviço de Urgência e Emergência é obrigação constitucional do poder público. E talvez uma melhor solução seria a unificação deste tipo de serviço no Hospital Margarida, podendo ser gerido pela Prefeitura. Tudo isso que estou apresentando se deve à conclusão de uma consultoria contratada pela própria Prefeitura, que dá o parecer favorável à unificação nos aspectos técnico, financeiro e de logística.
Como será o planejamento para garantir que o Centro de Tratamento Intensivo (CTI), inaugurado no último mês de setembro, tenha funcionamento pleno?
Vamos manter o primeiro ano com recursos dos convênios por meio da prestação dos serviços de internação em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e usando a verba de R$ 2,2 milhões conseguida junto ao governo de Minas para auxiliar no custeio desse serviço. Até agora o CTI tem funcionado com ocupação média de 80% e a tendência é atingir 100% de ocupação diária já nas próximas semanas, haja visto a alta demanda existente no estado. Para depois do primeiro ano, a formatação será a seguinte: seis leitos para SUS e quatro para os convênios. Atualmente, os custeios dos quatro leitos de convênio não geram prejuízo. Os seis leitos do SUS ainda são deficitários, mas a partir de janeiro de 2012, a remuneração prevista para esses leitos vai gerar resultados positivos também. Isso porque o Ministério da Saúde, com os estados, formatará o custeio dos leitos de forma que não gere déficit, como ocorre hoje. Sobre a ajuda dada pelo Governo do Estado, nos três primeiros meses ocorre o faturamento, mas o recebimento só acontece 90 dias após o fechamento do primeiro faturamento, o que gera uma necessidade inicial de pelo menos R$ 1,2 milhão em caixa para manter o serviço operando.
Por que a direção do HM não consegue firmar parcerias com as prefeituras da região, de forma a investir no bem-estar de toda a população usuária?
Os municípios da região mantêm uma contratualização com a Prefeitura de Monlevade e eles pagam aquilo que foi combinado entre as administrações. Da mesma forma que Monlevade não auxilia financeiramente Belo Horizonte na sua rede de saúde, apesar do grande uso de monlevadenses que ocupam os serviços da capital. Não é obrigação dos outros municípios ajudar financeiramente na saúde de Monlevade, mesmo porque todos os municípios brasileiros estão sobrecarregados no custeio de serviços, sem a devida contrapartida dos governos estaduais e federal, que detêm as maiores parcelas da arrecadação.
O fato de o HM ser apontado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) como o quarto hospital com mais atendimentos nas rodovias brasileiras não o credencia a receber mais verbas do Governo do Estado e do Governo Federal?
O governo do estado investiu, nos últimos cinco anos, mais de dez milhões no HM. Poderia ser mais, mas já é alguma coisa. Já o Governo Federal não investiu nada. Quanto a custeio do Serviço de Urgência e Emergência, recebemos, mensalmente, R$ 37 mil do Governo do Estado e R$ 260 mil da Prefeitura de João Monlevade. Mas o custo desse serviço chega a R$ 480 mil e o HM arca com mais ou menos R$ 185 mil por mês para realizar um serviço que é obrigação constitucional de poder publico, gerando déficit nos balanços do hospital em torno de R$ 720 mil reais por ano.
O senhor deve abandonar a função em breve. O que a região pode esperar da próxima gestão?
Sim, já estamos discutindo a sucessão e pretendo finalizar meu trabalho no mais tardar até janeiro. Acredito que dei uma boa contribuição à nossa sociedade, dedicando-me com todas as forças de forma voluntária a uma obra do bem. Somente consegui fazer isso porque, graças a Deus, tenho uma boa condição financeira e minhas empresas são muito bem geridas pela minha equipe de funcionários e coordenadores. Minha maior satisfação é o orgulho que vejo no olhar de minhas filhas e nos exemplos de cidadania que leguei a elas, para serem seguidos quando forem adultas. Sairei com a consciência tranquila e deixarei o Hospital Margarida em ótimas mãos, com o empresário Marcos Albano. Os monlevadenses podem ficar tranquilos e aguardar uma administração muito melhor do que a que tenho feito pelo nível de experiência dele, associada a uma equipe competente que formamos na administração do HM, da diretoria aos colaboradores.
Como o HM será entregue à próxima administração?
Quando assumi o hospital, ele tinha um déficit de R$ 1,3 milhão. Iremos entregá-lo, após cinco anos e meio de mandato, com um patrimônio líquido em torno de R$ 10 milhões, sinalizando um crescimento significativo. Quanto aos compromissos com fornecedores e encargos financeiros, eles se encontram rigorosamente em dia. Temos um pequeno atraso no pagamento dos plantonistas do Pronto-Socorro devido aos atrasos no repasse da Prefeitura para o hospital. Também vamos deixar o hospital com mais de R$ 1 milhão em caixa para dar continuidade às reformas e com quase R$ 2 milhões em convênios com o Governo do Estado, para ajuda de custeio. Apesar de operacionalmente o HM ser deficitário, financeiramente, temos conseguido cobrir seus déficits nos últimos anos por meio de parcerias em convênios fechados.