Cocaienses autônomos criticam exigências que emperram negociações com a Vale

Apesar do termo de compromisso indicar a necessidade apenas de uma declaração pessoal de renda, advogados da mineradora estão exigindo documentos assinados por contadores, algo impossível para quem sempre atuou sem uma empresa constituída

Cocaienses autônomos criticam exigências que emperram negociações com a Vale
A costureira Eloísa e seu filho Alysson lutam para conseguir direitos perante a mineradora

Costureira tradicional em Barão de Cocais, Eloísa Fernandes trabalha há 20 anos na informalidade com o conserto de roupas. Um humilde escritório no primeiro cômodo de sua casa abriga a máquina de costura, linhas, tecidos e as diversas peças que os clientes confiam às mãos de “Elô”. A matriarca da família, no entanto, vem sofrendo com a queda de sua renda mensal desde o ano passado, quando a barragem Sul Superior, da Vale, alcançou o nível 3 e entrou em risco iminente de rompimento.

O trabalho, bem como a residência de Eloísa estão localizados na avenida Getúlio Vargas, área central da cidade e também conhecida como zona secundária de risco (ZSS). O termo passou a ser familiar no município após a ameaça de rompimento da barragem da Mina de Gongo Soco, desde quando a sirene tocou pela primeira vez na área sob responsabilidade da Vale no dia 8 de fevereiro de 2019. 

Alysson Fernandes, filho de “Elô”, acompanha de perto a situação da mãe desde que o temor quanto ao colapso da estrutura se espalhou na cidade.

“O escritório dela [Eloísa] é de fácil acesso. Nesses 20 anos de trabalho, ela ganhou muitos clientes fiéis, mas também conseguiu ficar conhecida graças à localização. Infelizmente se tornou um problema quando surgiu o medo da barragem. As pessoas pararam de vir nessa região por medo. Nos primeiros meses o número de clientes chegou a zero e ela só se sustentou por ajuda de terceiros”, conta.

Tentativa de acordo

Mãe e filho entraram com um pedido de ressarcimento dos danos por parte da Vale. Mas, segundo Alysson, os advogados da mineradora exigem um documento assinado por um contador comprovando a queda na renda. O problema é que a costureira nunca teve uma empresa formal, o que torna impossível esse tipo de documentação. 

A advogada responsável pelo pedido da família, Karine Castro, argumenta que o termo de compromisso utilizado pelos advogados para negociação da Vale com as famílias interessadas diz que a declaração pessoal é suficiente para que o ressarcimento seja aceito, diferente do que a empresa tem exigido da costureira.

“No dia da reunião para negociação com a Vale, nós fizemos a sustentação no item 2.10 do termo que compromisso, que diz:  ‘para fins de comprovação do alegado, o atingido poderá valer-se de todos os meios em direito admitido, sendo considerado a declaração pessoal como meio de prova’. Eles [a família] fizeram, assinaram, tiveram custos de cartório e a Vale não se posicionou até o momento”, diz a advogada.

Alysson ainda destaca a frustração de não conseguirem um posicionamento sobre a negociação com a Vale. “A gente fica chateado com o pouco caso da mineradora não só com a gente, mas também com amigos da gente. Já fui no escritório aqui na cidade e eles não falam nada. Fui duas vezes e da segunda vez fui recebido com arrogância. Perguntei se havia alguma novidade e falaram que se tivessem o que falar, seria falado com o advogado”, reclama.

Praticamente um ano após o primeiro toque da sirene na cidade, a rotina do trabalho da costureira ainda não foi completamente restabelecida. “Agora os clientes voltaram a aparecer, mas a maioria dos clientes da minha mãe é de pessoas mais velhas e ela tem roupas pra entregar já faz meses, e eles não vem buscar. Mesmo com essa questão do muro, o medo ainda existe”, finaliza.

Relembre

A sirene da barragem Sul Superior soou no dia 8 de fevereiro e obrigou que mais de 400 pessoas deixassem suas casas. As comunidade de Vila do Gongo, Piteiras, Tabuleiro e Socorro foram evacuadas. Posteriormente, no dia 22 de março a sirene tocou novamente, elevando o nível da barragem para três, com risco iminente de rompimento da estrutura.

As famílias continuam fora de suas casas enquanto um muro gigantesco é erguido nas proximidades das barragens para frear a onda de rejeitos em caso de um rompimento.

Procurada para se manifestar a respeito das críticas apresentadas pela costueira Eloísa, o filho Alyson e pela advogada Karine Castro, a Vale respondeu por meio de nota:

“A Vale informa que todos os casos são tratados individualmente, respeitando as necessidades e peculiaridades de cada requerimento. Os atingidos que tenham interesse na solução consensual para indenização por danos materiais e morais, em razão da evacuação da Barragem Sul Superior, podem procurar o escritório da Vale, situado na Rua Horácio da Mata, 54, bairro Vila Regina, que funciona de segunda a sexta-feira, de 9h às 18h. Os interessados devem estar acompanhados por advogados. Além disso, destaca que realiza encontros regulares com representantes legítimos dos atingidos visando uma reparação célere e respeitosa”.