Codema veta pedido de anuência da Vale e abrirá consulta pública sobre novas pilhas de rejeito em Itabira

A consulta pública é considerada inédita nas decisões do Codema e foi aprovada em votação unânime, onde apenas a Vale se absteve do voto

Codema veta pedido de anuência da Vale e abrirá consulta pública sobre novas pilhas de rejeito em Itabira
Foto: Guilherme Guerra/DeFato
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O Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) de Itabira retirou de pauta, nesta sexta-feira (21), o pedido de anuência da mineradora Vale, que busca ampliar as cavas das minas do Meio e de Conceição, que fazem parte do Complexo Minerador instalado na cidade. Para aumentar as cavas, o projeto pretende instalar duas pilhas de estéreis e rejeitos de minério de ferro, sem oferecer nenhuma contrapartida direta para o município — propondo apenas compensações em outras cidades.

Além de ter impedido a votação do pedido de anuência, o Codema aprovou a realização de uma consulta pública, para que a população possa entender os objetivos da proposta feita pela Vale e elaborar em conjunto as condicionantes que julgar necessário para aprovação do pedido. A consulta pública foi aprovada em votação unânime, onde apenas a Vale se absteve do voto.  

O surgimento da consulta só foi possível após um pedido de vista coletivo à proposta, feito no último mês por entidades participantes do Codema – além da mobilização popular, envio de abaixo-assinado (com apoio de 12 vereadores) e entrega de ofício feito por deputada estadual.

Agora, o Conselho de Meio Ambiente irá formar um grupo técnico de trabalho, onde os conselheiros definirão como o evento será realizado, a sua data e demais informações. O evento é considerado inédito nas decisões do Codema e não se trata de uma votação a favor ou contra o projeto, mas de um encontro para levantar preocupações ambientais e propor soluções que possam ser incluídas ao parecer do órgão. 

Após mobilização, pedido de anuência foi retirado de pauta 

Desde o início do processo da solicitação de anuência, a Cáritas Diocesana (uma das entidades que compõem o Codema), estava sendo uma voz destoante de muitos conselheiros do Codema, encampando “briga” para que fosse realizada uma audiência pública. A intenção da entidade era discutir o pedido da mineradora e debater de maneira ampla quais compensações serão feitas para Itabira. Após longa discussão sobre a ausência de estudos de impactos socioambientais, possíveis efeitos no abastecimento de água em Itabira e outros problemas que poderiam ser causados às comunidades do entorno, a proposta teve pedido de vista concedido no último mês. 

Nesta tarde, a presidente do Conselho, Elaine Mendes, explicou que o órgão se debruçou para estudar a possibilidade da audiência, mas que por entendimento jurídico, o Conselho de Meio Ambiente não poderia promover tal evento. “Nós não somos o órgão licenciador, nós somos o órgão anuente, portanto nós não podemos fazer a audiência pública, isso está bem evidente na nossa legislação ambiental municipal, quanto na estadual. A gente não pode fazer aquilo que a legislação não permite”, disse em entrevista à DeFato.

A aprovação da consulta pública já é considerada um marco na história do município: “Depois da votação de hoje, que foi favorável, agora a gente vai pensar e estudar como faremos essa consulta, porque é a primeira vez que o Codema de Itabira faz uma consulta pública de anuência ou de licenciamento, isso nunca ocorreu, então estamos encarando um pioneirismo”, afirmou Elaine Mendes, explicando que após a consulta pública, o pedido de anuência voltará à pauta do Codema –  trazendo consigo o relatório elaborado durante a consulta para ser anexado junto ao parecer técnico da proposta.

“O resultado dessa consulta, nesse formato, em que a população efetivamente tem a voz, vai ter um papel muito importante e histórico para Itabira sugerir condições no processo de licenciamento. A Vale está pedindo algo para Itabira, é muito diferente do que sempre acontece. “É sempre Itabira dependendo da Vale”, agora, a Vale depende de nós. E nós temos condições de apresentar o que nós queremos”, disse Leonardo Reis, representante da Cáritas, em entrevista à DeFato. 

Representante da OAB Itabira demonstra preocupação com possíveis impactos ambientais caso pedido de anuência seja aprovado

De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (Eima/ Rima) – que não estavam anexados ao pedido de anuência-, foi constatado que a proposta da Vale pode rebaixar o lençol freático e aumentar a poluição atmosférica em Itabira. Segundo Leonardo,  representante da Cáritas no Codema, uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Itajubá – Campus Itabira, em 2024, apontou que 75,25% das outorgas de água no município são destinadas para a mineração, enquanto somente 19,18% são voltadas para o consumo humano. Esta seria a maior diferença entre os municípios minerados da Bacia do Rio Piracicaba.

De acordo com o parecer técnico CGA n° 78/2024, a proposta de ampliação das cavas causará o rebaixamento do nível de água na Mina Conceição e nas Minas do Meio. O aumento da vazão na Mina Conceição subirá de 650m³/h para 1663 m³/h, enquanto nas Minas do Meio o consumo de água subirá de 1590 m³/h para 1773m³/h 

Outro ponto destacado por Leonardo Reis foi a segurança das pilhas de estéril. Atualmente, existem 12 estruturas de estéril e duas pilhas de rejeito compactado já construídas em Itabira. Com a ampliação das cavas está prevista a construção de mais duas pilhas de rejeito e estéril, onde segundo a Cáritas, não foram considerados, dentro dos estudos de impacto, os efeitos das mudanças climáticas e eventos extremos. Ainda de acordo com o representante da Cáritas no Codema, “não existem informações claras sobre a segurança das barragens e muito menos das pilhas de estéril existentes ou a serem construídas em Itabira”.

A poluição atmosférica também é motivo de preocupação, já que recorrentemente a cidade de Itabira é invadida por poeira, que muitas vezes ultrapassam os limites legais e aumentam os casos de problemas respiratórios, principalmente entre crianças e idosos. Na apresentação da Cáritas feita na Câmara de Itabira, foi informada uma pesquisa da professora Ana Vasques, apontando que, se padrões ainda mais rigorosos de poluição atmosférica fossem adotados em Itabira, poderiam ser evitadas 41 internações por doenças respiratórias, 28 internações por doenças cardiovasculares e 40 mortes prematuras de adultos maiores de 30 anos. Ainda de acordo com a apresentação, um estudo da pesquisadora Mariana Morozesk encontrou valores de poluição atmosférica de 2 a 3 vezes maiores do que a repassada pela Vale ao poder público municipal.

Segundo parecer CGA n°78/2024, com a ampliação das cavas e a construção das pilhas de estéril e rejeito que a Vale está pedindo anuência ao Codema, a quantidade de particulado atmosférico será ultrapassado 8 a 10 vezes por ano, com relação ao máximo permitido pela Conama 491/18 (lei estadual que é mais branda que a lei municipal). Partículas menores (Pn2,50 e Pn10), que são mais prejudiciais à saúde, também irão ultrapassar os limites legais mais vezes que já fazem atualmente. 

Para Patrícia Freitas, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Itabira, os possíveis impactos ambientais são preocupantes. “O que mais me chamou a atenção na análise dos documentos é o impacto evidente, sobretudo na questão da água, tanto da sua qualidade quanto da sua quantidade, como do ar também. Além de outros impactos inerentes na questão da mineração”.

“Não é ser contra a mineração, não é ser contra a Vale, muito pelo contrário, é importante sim os postos de emprego, os impostos, que é inerente a qualquer atividade em presença de empresarial, não apenas a mineração. Nós dependemos da mineração para muita coisa, mas nós somos diariamente impactados; Sofremos muito com a questão, sobretudo, do ar, das partículas suspensas, e passar sem o devido controle, sem uma fiscalização adequada no momento oportuno de se dar ou não essa licença,  eu acho que é muito temerário. Como conselheira do Codema e como representante da OAB, não acho cabível fazer isso”.

Foto: Guilherme Guerra/DeFato

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