Com auditório lotado e poucas respostas, Vale ignora população e empurra marketing em reunião sobre ampliação das cavas em Itabira

Auditório superlotado, ausência de respostas efetivas e presença em massa de funcionários da mineradora marcaram o encontro que discutiu a ampliação das cavas das minas em Itabira

Com auditório lotado e poucas respostas, Vale ignora população e empurra marketing em reunião sobre ampliação das cavas em Itabira
Foto: Giovanna Victoria/DeFato

A reunião pública do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), realizada na última segunda-feira (12), evidenciou mais uma vez o abismo entre a mineradora Vale e a população de Itabira. Convocada para discutir o projeto de ampliação das cavas das minas e das pilhas de rejeito e de estéril operadas pela empresa no município, o encontro ficou marcado como um campo de insatisfação e críticas.  

Realizada no auditório da Prefeitura, a reunião teve início pouco depois das 17h e se estendeu até às 20h15. O espaço, que comporta cerca de 80 pessoas sentadas, rapidamente foi tomado. A superlotação obrigou dezenas de pessoas a se acomodarem em pé ou no chão, enquanto outras sequer conseguiram entrar. A organização do evento não divulgou o número exato de presentes, mas o desconforto e a limitação de participação foram evidentes. Entre os presentes, destacava-se um grupo uniformizado com pelo menos 22 funcionários da própria Vale, além de suspeitas de que outros representantes da empresa estivessem presentes sem identificação, ocupando o espaço destinado ao público.

A tentativa de controle do debate pela mineradora pareceu se estender também ao conteúdo apresentado. Ao longo das mais de três horas de reunião, as falas dos representantes da mineradora, entre eles, engenheiros e gerentes, se aproximaram de discursos prontos e estratégias de marketing institucional. Respostas vagas, ausência de dados concretos e evasivas sobre temas sensíveis frustraram os participantes.

Funcionários da Vale
Foto: Giovanna Victoria/DeFato

Durante a reunião, Diogo Prata, gerente de planejamento de mina da Vale, afirmou que a empresa pretende manter suas operações em Itabira até 2041 e, até lá, não enxerga necessidade de rever ou atualizar sua força de trabalho: “Quando a gente fala das perspectivas futuras, a Vale continua trabalhando para a manutenção das operações aqui em Itabira até o ano de 2041. A gente não enxerga no horizonte, até 2041, motivos para a gente fazer projeções e atualizações na nossa força de trabalho no momento.”

Críticas à falta de planejamento para o abastecimento de água

Um dos questionamentos foi o fornecimento de água até a finalização das obras da transposição do Rio Tanque, previstas para 2027. Diante da preocupação com o abastecimento hídrico, a Vale reafirmou seu compromisso em fornecer 160 litros por segundo, conforme termo firmado anteriormente, e disse estar investindo em uma “reserva técnica”. A resposta foi considerada insatisfatória por membros da comunidade, que vivem na pele os impactos da escassez e da baixa qualidade da água em Itabira.Antes do Rio Tanque, a gente tem a manutenção do termo de compromisso. Então, até a manutenção do Rio Tanque, a Vale mantém essa questão dos 160 litros por segundo, que está dentro do termo de compromisso. O que a gente tem feito hoje? Tentar aumentar o que a gente chama, novamente, de reserva técnica”, informou o gerente de Geotecnia da Vale, Miguel Paganin.

Futuro da cidade e o velho discurso do emprego

Leonardo Ferreira Reis, conselheiro representante da Cáritas Diocesana no Codema, também questionou a falta de transparência sobre o plano de fechamento das minas. “Se a Vale continuar até 2041, quantos empregos vão ser mantidos? Qual será o aporte à contrapartida para a diversificação econômica?”, questionou. Para ele, a empresa segue se apoiando em um discurso de chantagem, sugerindo que, se os projetos não forem aprovados, investimentos e empregos deixarão de existir.

Comunidades tradicionais ignoradas

Uma das críticas mais contundentes veio do advogado popular Lucas Nasser, que destacou a ausência de consulta prévia às comunidades quilombolas afetadas pelo empreendimento, como exige a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo ele, o Estudo de Impacto Ambiental menciona três comunidades quilombolas na região, sendo duas em Itabira e uma em Santa Maria de Itabira, mas ignora a exigência legal de consulta livre, prévia e informada. “Isso torna o licenciamento ambiental fora dos padrões legais brasileiros”, afirmou.

A resposta da mineradora foi protocolar. Segundo os representantes da Vale, já existe um plano ambiental específico sendo desenvolvido com essas comunidades. No entanto, a ausência do especialista responsável e a falta de detalhes concretos sobre o processo alimentaram ainda mais a desconfiança da população. “Sobre comunidades tradicionais, existem mapeadas. Não há novos impactos dentro das comunidades nessa ampliação. As comunidades que estão mapeadas dentro do raio de oito quilômetros, estão sendo já assessoradas. Em contato com a equipe especialista, o representante não está aqui hoje. Mas as ações estão em andamento e implementação”, informou o representante da empresa.

População quer respeito, não propaganda

A advogada Patrícia Freitas, representante da OAB, chamou atenção para a comunicação falha da empresa com a sociedade. “Se está todo mundo aqui fazendo perguntas, é porque essa comunicação está falha”, afirmou, lembrando que os impactos da mineração não são abstratos, mas sentidos diariamente por quem vive em Itabira. Para ela, a reunião só aconteceu porque houve provocação pública; caso contrário, o projeto seguiria sem diálogo com a comunidade.

Márcia Barbosa, uma das representantes dos atingidos pela mineração, sintetizou o sentimento da noite: “A reunião serviu para a Vale fazer propaganda de si mesma, sem responder verdadeiramente os questionamentos da população”. A escolha de um local pequeno e a presença maciça de funcionários da mineradora foram, para ela, mais uma demonstração de como a empresa limita deliberadamente a participação popular.

Um modelo que se repete

O que se viu na reunião do CODEMA não é novidade para Itabira, a cidade marcada historicamente pela dependência da mineração e pelo controle da narrativa ambiental por parte da Vale. A ausência de respostas claras, a minimização de impactos e a apropriação dos espaços de escuta pública são práticas recorrentes que geram frustração, descrédito e, principalmente, medo sobre o futuro da cidade.

Se o objetivo da reunião era esclarecer, a mineradora falhou. O que ficou claro, no entanto, é que a sociedade civil organizada, os movimentos populares e os cidadãos presentes seguem atentos e dispostos a cobrar com firmeza os direitos da população itabirana.