Conheça Jerê Costa, um “itabirano” que supera limites no ciclismo de longas distâncias

O atleta tem conquistado medalhas e alcançado grandes feitos em sua trajetória, como a participação por duas vezes no evento de longa distância mais antigo do mundo

Conheça Jerê Costa, um “itabirano” que supera limites no ciclismo de longas distâncias
Foto: Acervo Pessoal

“Até onde vão os limites do seu corpo e a paixão pelo esporte?” “Como é o seu desempenho nas práticas esportivas?”. Essas duas perguntas demandam boas horas de conversa com Josemar Costa, o “Jerê”, esportista de sorriso largo natural de Santa Bárbara, mas que se considera um itabirano de coração, por residir na cidade há mais de três décadas. Desde 2015 o atleta tem percorrido longas distâncias em desafios de ciclismo, alcançando grandes feitos em sua trajetória, como as participações no PBP – Paris Brest Paris, uma prova que, como as Olimpíadas ou Copa do Mundo, acontece a cada quatro anos desde 1931.

O PBP começa no sudoeste da capital francesa e percorre 600 km rumo ao oeste passando pelas regiões da Beauce, Perche, Normandia e Bretanha até a cidade portuária de Brest, no Oceano Atlântico, retornando até a cidade de origem com mais de 10.000 m de elevação em no máximo 90 horas. Com a participação nas últimas edições de mais de 6.000 ciclistas, 67 nacionalidades diferentes, esta inclusive, é considerada a mais importante e antiga prova de longa distância do mundo.

Casado com Aline Costa e pai da Livinha e do Lucas, “Jerê” viu no ciclismo a motivação para ter mais saúde para cuidar dos netos — que espera ter na terceira idade. O “itabirano” começou a pedalar de forma rotineira em 2012, quando comprou uma mountain bike usada e começou a fazer “pedais noturnos” com um grupo de amigos. Dois anos após, adquiriu uma bicicleta “speed’ e para fazer valer o investimento, começou a pedalar até algumas cidades da região, como São Gonçalo do Rio Abaixo, Santa Maria de Itabira, distrito de Ipoema, Santa Bárbara, dentre outras. 

O ponto de virada na história entre Jerê e a bike veio em 2015, quando um amigo do clube Inconfidentes Pedalantes o chamou para pedalar 200 km por uma prova Randonneur – conhecido no Brasil como Audax. Esta modalidade consiste em provas de ciclismo de ultra distância onde os participantes se reúnem para pedalar de forma autossuficiente (sem ajuda externa), por rotas determinadas pela organização, em tempos máximos pré-definidos: “são provas de regularidade, não competitivas, em uma das modalidades de ciclismo mais antigas no mundo”, explica o atleta.  

As distâncias e tempos máximos de conclusão dos BRM’s (Brevet Randonneur Mondiaux) são: 200 km – 13h30; 300 km – 20h; 400 km – 27h; 600 km – 40h; 1.000 km com até 75h para conclusão. Quem cumpre a rota dentro destes tempos, “breveta” a prova.

A partir da prova Randonneur de 200 km, Jerê foi aumentando as distâncias aos pouquinhos, prova após prova e desde 2017, tem conseguido alcançar o posto de “Super Randonneur” – que significa “brevetar” as provas de 200, 300, 400 e 600 km dentro do mesmo ano (exceto em 2020 que a pandemia fechou todos os clubes, impossibilitando-o de fazer uma prova de 400 km). Em 2018, ele conseguiu ‘brevetar’ sua primeira prova de 1.000 km.

A distinção de Super Randonneur certificou Jerê a participar de provas LRM (Les Randounneur Moundiaux) que possuem mais de 1.200 km, tendo como exemplo, o PBP, que pode ser concluído em, no mínimo, 90h. O tempo de conclusão das provas LRM dependerá da distância e altimetria previstas pela organização.

“Pedalar na França é indescritível! Eles têm um amor, carinho, admiração, respeito ao ciclista que é algo de outro mundo! E foi neste clima que em 2019, ao lado de quase 7.000 ciclistas de mais de 60 países, com pouco mais de 88h completei os meus primeiros 1.200 km. Chorei muito ao receber a medalha!”, descreve emocionado.

“Passei muitos apertos! O desafio de não dormir quase nada (aproximadamente 13h durante toda a prova) por este longo período é muito grande. Além do frio de 3° que encaramos durante a prova”, completa. 

Foto: Acervo Pessoal

Superação que trouxe grandes feitos

Jerê conta que quando se pedala um LRM, se conhece um “bando de malucos” que andam mundo afora se desafiando a pedalar 1.300, 1.600, 2.000 ou mais km em provas por diversos países. “E foi nessa vibe que descobri que tinha em Brasília, pelo clube Randoneiro Cristal, a série completa de brevets em uma semana, ou seja, pedalar 1.500 km em cinco dias… ‘Lá fui eu’ buscar, em 2021, mais este desafio que é conhecido nos EUA como “hell week”. Com as bençãos de Deus, consegui terminar as quatro provas – 600, 400, 300 e 200 km. Ao final, “morto vivo”, falei para o Hélio (organizador do Cristal): “Conheci meu limite, que é 1.500 km”. Terminei tão exausto que mal conseguia conversar, não tinha energia para mais nada! Jurei que aquele seria meu máximo!”, descreve.

No entanto, o esportista estava enganado, já que no ano seguinte repetiu o trajeto, encerrando as provas “inteiro” e seguindo, em 2022, para, até então, a mais longa e dura prova Randonneur do Brasil: a “Cerrado 1010 Milhas”, competição de 1.650 km, com ganho altimétrico de mais de 21 mil metros. “Com todas essas provas brevetadas, ao final de 2022 pude fazer a solicitação das minhas medalhas de Randonneur 5.000 e 10.000. Mas o que é isto? É uma distinção atribuída a ciclistas que pedalaram 5.000 ou 10.000 km em diferentes provas de Audax chanceladas pela ACP (Audax Club Parisien), num período de quatro ou seis anos, respectivamente”, explica Jerê, que se tornou o segundo ciclista de Minas Gerais a conseguir tais títulos. À época (2022), a medalha R10K foi a de nº 676 no mundo (total de 718) e a 49ª no Brasil (total de 55) a ser entregue pela ACP, sendo que este ranking teve início em 2012. 

E como a roda não para, Jerê seguiu desbravando novas estradas, dias e noites adentro, sempre atrás de novos desafios. Além das séries completas garantindo os títulos de Super Randonneur, brevetou novamente o PBP em 2023 e em maio/24, a RMC 1.300 km (com mais de 19mil metros de altimetria), que partiu da cidade de Aparecida/SP percorrendo algumas das principais serras de São Paulo, Minas e Rio. Segundo ele, foi “a prova mais sofrida” que participou até hoje.

“A organização caprichou no percurso. Além de serras muito íngremes, como a de Cunha/RJ, eles colocaram longos trechos (por vezes próximos de 40 km) de paralelepípedos, asfalto com muito buraco, pequenos trechos de estrada de terra no pacote. Para mim, foi muito dura! Acho que não estava bempreparado para tanta ‘tranqueira” junta!”, relata o ciclista.

Jerê teve a oportunidade de conhecer o terceiro país sobre duas rodas pedalando, em agosto de 2024, na 1001 Miglia – Itália. “A prova mais linda da qual já participei. Os trechos não são lindos, são maravilhosos!”, comenta o atleta. Nesta prova, Jerê estava pedalando com um grupo de quatro ciclistas e no início da madrugada do terceiro dia, por volta do km 940, um dos atletas brasileiros sofreu uma grave queda. Tão séria que, mais tarde, esse colega foi diagnosticado com traumatismo craniano – além de fraturas na clavícula e em quatro costelas. Jerê e os dois ciclistas do grupo tentaram buscar socorro por quase sete horas. “Foi uma loucura! Não tínhamos bom sinal para pedir ajuda da forma adequada. Tentávamos enviar mensagens que saíam dos nossos celulares vinte minutos depois e as respostas, por vezes, chegavam com tempos ainda maiores. E num frio congelante!”.

Após garantirem que o amigo tinha sido socorrido por uma ambulância, os três ciclistas seguiram e conseguiram chegar 2h50 acima das 134 horas permitidas para os 1.609 km e, infelizmente, até o momento a organização ainda não os ‘brevetou’. Apesar de ter reconhecido todo o apoio prestado ao amigo acidentado, não descontou o tempo do socorro ou ofereceu um tempo extra de prova para eles. “Temos a certeza de que fizemos o certo! Não podíamos tê-lo deixado ali vendo a gravidade das lesões. Como em qualquer esporte, nunca são só flores”, relata Jerê.

“Já passamos (e passaremos) por muitos perrengues pelas estradas: ausência da família, dormir em qualquer lugar quando o sono aperta (no chão, ao relento, em bancos dos mais variados tipos, pontos de ônibus, debaixo de árvores, …), comer mal, passar sede, beber água “suja”, encarar banheiros bem “difíceis”, pedalar por mais de 24h debaixo de chuva forte, dentre muitos outros, mas a amizade que se faz ao longo das provas, o cuidado que temos com o outro, o apoio / admiração de muitas pessoas por onde passamos quando contamos dos desafios, as infinitas paisagens lindas que conhecemos sobre essas duas rodas, superam qualquer dificuldade. É viciante!”, declara Jerê, super empolgado.

Foto: Acervo Pessoal

E com todas as vitórias ao longo de mais de 23mil km somente em provas de Audax, na última semana de dezembro de 2024, ele recebeu, novamente, do Audax Club Parisien a confirmação das condecorações de R5 e R10K. Ou seja, pela segunda vez, ele completou 5.000 e 10.000 km em provas validadas pela ACP. E assim, Jerê se tornou o primeiro ciclista mineiro a conquistar tais títulos por duas vezes. “É muito orgulho! E muita gratidão a Deus, à minha família pelo apoio e aos amigos que também tanto torcem por mim. Eu sempre digo que sou abençoado por Deus, que me traz tanta força para, aos 50 anos, seguir persistindo neste esporte que tanto me faz bem!”

Para 2025, além da série completa buscando o título de Super Randonneur (200 a 600 km), ele pretende voltar a pedalar a hell week em Goiás pelo clube Cristal, porém, desta vez, vai se desafiar a buscar 2.500 km em nove dias de provas (200+300+400+600+1.000), feito conseguido por pouquíssimos ciclistas até hoje, tamanha sua dificuldade. “O limite do nosso corpo está em nossa mente”, afirma Jerê.

“Enquanto eu tiver saúde não pretendo largar o ciclismo de longa distância. E me refiro à saúde emocional, psicológica, financeira, física, ou seja, em todos os aspectos! Que Deus continue me abençoando”, finaliza o atleta.

Foto: Acervo Pessoal

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