Dr. Colombo: a brilhante vida de um “jovem” de 102 anos de idade
Em Itabira, montou um consultório particular e trabalhou na Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e empresa Acesita
Dr. Colombo Portocarrero Alvarenga completou 102 anos de idade no último mês de junho. O médico nasceu em Santa Maria de Itabira e veio para a terra de Carlos Drummond de Andrade ainda muito criança. É casado há 75 anos com Eny Figueiredo, de 98 anos de idade. O casal sempre trabalhou no segmento da saúde. Ela foi responsável pelo laboratório de raios x e análises clínicas do Hospital Carlos Chagas, à época da mineradora Vale, até se aposentar.
O popular Dr. Colombo formou-se pela Escola de Medicina de Minas Gerais, em 1947. Essa era a única instituição da área médica do estado, na ocasião. O recém-formado retornou para Itabira, depois de rápida passagem pelo município de Coronel Fabriciano. E nunca mais deixou “sua terra”. Aqui, montou um consultório particular e trabalhou na Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e empresa Acesita. Aposentou-se em ambas.
Dr. Colombo não se dedicou apenas à sua atividade profissional. Ele também teve destacada participação na sociedade itabirana, inclusive na política. Ocupou a presidência do tradicional Clube Atlético Itabirano (CAI), durante seis anos, e cumpriu um mandato de vereador, entre 1958 e 1962. Na semana passada, ele (e a esposa Eny) recebeu a DeFato na sala de visitas de sua residência. O clínico — na oportunidade — relembrou os instantes mais marcantes de sua fascinante carreira profissional. E mais. Prescreveu uma receita especial para quem sonha viver 100 anos. Não perca.
Esclarecimento prático: idade é um estado de espírito. Existem jovens velhos e velhos jovens. É tudo uma questão de conduta e escolhas. Leia a seguir a entrevista completa e assista na TV DeFato.
DeFato: Logo que se formou em medicina, o senhor veio diretamente para Itabira ou trabalhou em outra cidade?
Dr. Colombo: Eu me formei na Escola de Medicina de Minas Gerais e fui convidado para trabalhar em Coronel Fabriciano, na empresa Acesita. Eu me formei em 1947, dois anos depois do final da Segunda Guerra Mundial.
DeFato: E esse estabelecimento de ensino, onde o senhor se formou, pertencia ao governo?
Dr. Colombo: A escola não era do governo, era de particulares. Era a única escola de medicina que existia. Eu me formei na Faculdade de Medicina de Minas Gerais, que era uma escola particular.
DeFato: o senhor é itabirano nato?
Dr. Colombo: Eu não nasci em Itabira. Eu nasci em Santa Maria de Itabira, mas me considero itabirano, porque a minha família veio para cá quando eu tinha quatro anos de idade. Então, eu sou itabirano. Eu fiz o ensino primário e o ginasial, aqui em Itabira. Só depois, fui estudar medicina em Belo Horizonte.
DeFato: quando o senhor iniciou a sua trajetória profissional, aqui em Itabira, a antiga Cia Vale do Rio Doce (CVRD) tinha menos de dez anos de existência. O senhor e a mineradora iniciaram a história profissional praticamente juntos…
Dr. Colombo: A Vale chegou em 1940, exatamente no ano em que fui para Belo Horizonte, quando terminei o quinto ano do curso ginasial. Fui para BH para fazer vestibular. Pouco antes do final do curso de medicina, em 1945, fui para Juiz de Fora. Na época, eu era um oficial do CPOR (Centros de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército) e fui fazer um estágio escolar lá (em Juiz de Fora). Provavelmente, eu seria encaminhado para a Segunda Guerra Mundial, na Europa. Mas, antes disso, a guerra terminou.
DeFato: Então, por muito pouco o senhor escapou da Segunda Guerra Mundial…
Dr. Colombo: sim, eu tive essa sorte. Eu voltei para Belo Horizonte e concluí a 4ª série do curso de medicina. No período, em que permaneci em Juiz de Fora, perdi dois meses de aulas. Eu estava à disposição do Exército Brasileiro.
DeFato: Quando retornou, o senhor deparou com uma Itabira bastante diferente, tomada totalmente pela mineração. Até era difícil distinguir claramente onde terminavam as minas e começava a cidade. O senhor nunca pensou em ir para uma cidade maior, como Belo Horizonte, por exemplo?
Dr. Colombo: Nunca pensei nessa possibilidade. Eu estudei medicina sabendo que voltaria para Itabira. Não vim diretamente porque fui convidado para trabalhar em Coronel Fabriciano. Fui trabalhar na empresa Acesita, que também já funcionava em Itabira. Eu morei oito meses em Coronel Fabriciano. Meu irmão, Mauro Alvarenga, que já era médico há muito tempo, trouxe-me para Itabira. Nessa época, eu já estava casado com Eny (Eny Figueiredo). A minha mulher trabalhava no laboratório de Raios- X da Vale e não havia ninguém para substituí-la. Então, depois de oito meses em Coronel Fabriciano, eu retornei para Itabira. Eu vim definitivamente para Itabira em 12 de outubro de 1948.
DeFato: E o senhor chegou a Itabira para trabalhar em consultório particular ou na Cia Vale do Rio Doce?
Dr. Colombo: Eu vim para trabalhar como médico particular e para atender aos empregados que a Companhia Acesita tinha, aqui em Itabira. Eu trabalhei durante 30 anos na Acesita, aqui em Itabira. Já na Cia Vale do Rio Doce (CVRD), eu trabalhei por 23 anos. Eu comecei a trabalhar na CVRD, quando tinha 15 anos de trabalho médico na cidade. Eu entrei na empresa em 1960 e fiquei lá até 1983.
DeFato: Imagino que o trabalho do senhor, nesse começo de carreira, tenha sido muito intenso. A mineradora estava no início de suas atividades e a cidade contava com poucos profissionais de medicina…
Dr. Colombo: O médico mais conhecido era Dr. Mauro Alvarenga, o meu irmão. Havia eu, o Dr. José Grisolia e um médico exclusivo da Vale, que mudava muito, não ficava muito tempo na empresa. Quando cheguei, a Vale tinha somente um médico, que era o Dr. Gentil Portugal do Brasil. Mas, à medida que a empresa foi crescendo, ela foi contratando mais médicos. Inclusive Dr. Barros, que chegou aqui e foi direto trabalhar no hospital da Vale. Ele fez um curso de radiologia e desenvolveu essa função no hospital da Vale.
DeFato: o senhor conheceu dr Barros, na empresa Acesita?
Dr. Colombo: Não. Eu conheci dr Barros na faculdade de medicina. A nossa amizade começou na faculdade.
DeFato: No início de carreira, o senhor montou um consultório particular?
Dr. Colombo: Na época, os médicos tinham consultórios em suas próprias casas. Todos os médicos atendiam em suas casas. Eu, Dr. Barros e Dr. Fernando atendíamos em nossas casas. Até hoje, tenho um consultório aqui em casa. Muitas pessoas, até hoje, me procuram para uma consulta médica. Eu não faço mais trabalhos médicos particulares, mas muita gente me procura até hoje. Eu nunca deixei de ser médico.
DeFato: O senhor tem toda uma vida dedicada à medicina. Quais foram os momentos mais dramáticos dessa trajetória?
Dr. Colombo: O médico sempre enfrenta momentos dramáticos. Eu, muitas vezes, tinha que ir fazer alguns atendimentos montado a cavalo. E, muitas vezes, encontrávamos situações perdidas. Por exemplo, as parteiras da zona rural não tinham muitos conhecimentos. Eu me lembro muito de um chamado que tive em Cubango, um lugarejo próximo a Ipoema. Quando cheguei lá, a mulher e o filho já estavam mortos. Então, a parturiente já estava morta por causa de um mau atendimento da parteira. Às vezes, as parteiras cometiam erros simples.
DeFato: hoje em dia, existe uma infinidade de especializações médicas. Pelo que se nota, naquele tempo, o médico fazia todos os procedimentos da área…
Dr. Colombo: A gente procurava fazer o que era possível. Mas, de um modo geral, todo médico que vinha para o interior precisava de uma boa prática obstetra. Eu sabia que viria para o interior. Então, fiquei dois anos, em Belo Horizonte, trabalhando nessa área. A gente fazia obstetrícia (ciência da gravidez) e clínica. A gente acabava fazendo de tudo. Às vezes, até amputava pernas. Fazíamos o tratamento da fratura, na forma da época. Hoje, você fica 24 horas no hospital. Naquele tempo, a pessoa permanecia um mês internada. Esticavam -se os ossos para depois colocar o aparelho de gesso.
DeFato: Nesse caso, também a fisioterapia era muito improvisada…
Dr. Colombo: A gente fazia o que podia, no momento.
DeFato: O senhor também fazia cirurgias mais complexas?
Dr. Colombo: Havia duas especializações. Os clínicos faziam as cirurgias menores, como amputar uma perna ou um dedo. O cirurgião fazia cirurgias abdominais, como apendicite e úlcera supurada, por exemplo. Quando chegamos aqui, ninguém fazia transfusão de sangue. Como eu já tinha adquirido essa prática, lá no Hospital Municipal de Belo Horizonte, introduzi essa especialidade aqui (em Itabira) juntamente com a Eny, que trabalhava no laboratório. Então, nós introduzimos a transfusão de sangue em Itabira. Houve, num momento, uma chamada a Ipoema para se fazer uma transfusão.
DeFato: Tenho uma curiosidade mórbida. O que teria acontecido se a pandemia da Covid- 19 tivesse acontecido, naquela época em que o senhor se formou? Qual teria sido o cenário?
Dr. Colombo: Aí seria uma mortandade generalizada. A pessoa só se salvaria por resistência própria. A pandemia trouxe outras doenças, principalmente as pulmonares. Muitas pessoas morreram de insuficiência respiratória.
DeFato: Recentemente, Itabira ganhou um curso de medicina. Como o senhor avalia essa conquista para a sociedade itabirana?
Dr. Colombo: Eu nunca pensei que Itabira pudesse ter uma escola de medicina. Eu fui convidado pelo prefeito e assisti à primeira aula. Essa conquista foi um trabalho de vários prefeitos. E o atual teve a felicidade de inaugurar. Eu nunca poderia pensar em assistir uma aula de medicina, em Itabira. Foi uma evolução muito grande.
DeFato: E, por falar em curso de medicina, alguma vez o senhor pensou na possibilidade de ser professor?
Dr. Colombo: Eu nunca pensei em ser professor, mas fui. Acontece o seguinte: Itabira tinha uma Escola Normal Oficial. Uma escola onde todos podiam estudar, porque o ensino era gratuito. Essa escola, por uma injunção política, que eu nunca entendi, foi transferida para Santa Rita do Sapucaí. Itabira perdeu essa escola e o seu próprio nome. Itabira, a vida inteira se chamou Itabira, mas os políticos passaram o nome da cidade para Presidente Vargas. Esses mesmos políticos deixaram a escola ir embora. E, aqui, raramente a oposição ganhava a política. Mas, em 1947, nós ganhamos, juntamente com Milton Campos (governador de Minas Gerais de 1947 a 1951). Aí aproveitamos e pedimos a volta da Escola Normal. Então, em 1951, a Escola Normal voltou para Itabira. Mas não havia professores para Anatomia e Higiene. Então, eu fui convidado (para dar aulas) e, moralmente, fui obrigado a aceitar. Fui dar aulas de Anatomia. E meu irmão, Mauro Alvarenga, foi convidado para dar aulas de Higiene. Eu dei aulas durante onze anos. E meu irmão deu aulas até se aposentar. A Escola Normal Oficial de Itabira é a atual EEMZA (Escola Estadual Mestre Zeca Amâncio). Eu só deixei de dar aulas porque fui convidado para trabalhar na Vale. Então, como eu trabalhava na Vale e na Acesita, ficou impossível continuar dando aulas.
DeFato: E, por falar em política, o senhor sempre foi uma pessoa muito querida e popular. Acaso, nunca pensou em se candidatar a algum cargo público?
Dr. Colombo: É muito difícil a gente ficar fora da política. O Brasil, naquela época, estava dividido entre três partidos: o PTB- o partido dos trabalhadores, PSD, que era governista e a UDN, que era oposição. A minha família, toda vida, foi da oposição. Então, em 1958, eu praticamente fui obrigado a ser candidato a vereador. E nós ganhamos a política. Eu e fui eleito com mais dez vereadores. Então, de 1958 a 1962, eu fui vereador.
DeFato: Mas, o senhor nunca pensou em ser prefeito da cidade?
Dr. Colombo: Não, eu estava doido para sair fora (do cargo de vereador). Eu já estava na Vale e ainda atendia ao pessoal da Acesita. Eu ainda tinha o consultório particular, e era o médico que mais viajava para a roça. Às vezes, até dormia nas casas dos pacientes. Uma vez, por causa das chuvas, eu cheguei a dormir duas noites na roça. A chuva encheu o terreiro de água e não tinha jeito de sair a cavalo. Então, não dava tempo para continuar na Câmara. Naquela época, vereador era cargo de relevância. A gente não recebia nada pelo desempenho da função.
DeFato: Que receita o senhor prescreveria para um paciente, que tem a pretensão de se chegar a um século de vida, ou até um pouco mais?
Dr. Colombo: Eu nunca pensei que chegaria a essa idade (102 anos). Mas eu fui vivendo naturalmente. Essa sua pergunta é até muito comum para mim, hoje em dia. A minha vida sempre foi a de sempre. Eu frequentava os bares da cidade, fui presidente do Atlético (Clube Atlético Itabirano) e participei de muitas festas de debutantes. Eu sempre fui muito ligado à juventude. Eu convivia muito com a comunidade mais carente da cidade e fiquei muito popular, até sem querer. Gosto muito de festas e, durante seis anos, fui presidente de um clube onde havia muitas festas. A vida que tenho hoje, é a vida que todo mundo gostaria de ter. É uma vida simples e com muitos amigos. A minha casa está sempre aberta para todo mundo. Eu recebo visitas de todas as idades. Toda a vida andei a pé, mas, hoje, eu não ando mais pela cidade. Hoje em dia, pela manhã, às 5h30, eu faço uma caminhada de uma hora, numa área de trás da minha casa. A minha vida é muito boa.