Era uma vez em Itabira: “salve-se quem puder” torna-se alerta para gerações

Entre “mortos e feridos salvaram-se todos”, como dizia a zombaria da época; a sorte: não havia “aparecido” demagogo para fazer “live” e culpar a oposição

Era uma vez em Itabira: “salve-se quem puder” torna-se alerta para gerações
Paredão da rua Tiradentes, no Centro Histórico de Itabira – Foto: Gustavo Linhares/DeFato
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Vivíamos tempos diferentes e menos nervosos que agora. Havia tolerância, compreensão e interesse coletivo maiores. Vamos lembrar o 7 de Setembro de 1973, comemorativo da Independência do Brasil, como exemplo de alerta por esquecimentos. Era o meu primeiro ano de vereador, eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Em setembro deste 2023 meio confuso, estamos no ano 50 do “dia qualquer e sem importância alguma” que, no fechamento da parada cívica, permitiu uma leitura exata de que Itabira é sempre alertada no decorrer da história. Agora e mais uma vez olvidaram a comemoração, como em Itabira virou praxe.

O tempo, naquele tempo, tinha a ingenuidade ou talvez o ímã de atrair gente a tablados ou aos arredores, sem precisar de apelar para cenas sedutoras e pornográficas, que hoje viraram moda. A atração consistiu mesmo na Independência, no Grito do Ipiranga, no erguimento de Dom Pedro da espada e nos cavalos que empinavam cinematograficamente.

Milhares, principalmente de estudantes, acotovelaram-se civicamente em volta da tribuna, onde estavam prefeito, vice-prefeito, vereadores, deputados, juízes de direito, promotores de justiça, diretores de escolas, professores (esses respeitados) e outros amantes da pátria, não esquecendo a maioria de damas atreladas simpaticamente ao braço do marido. Palanque peso-pesado. Fácil imaginar o que viria a seguir.

Não vou citar nomes para não incorrer em injustiças e formar um texto parecido com dicionário ou lista telefônica. Contudo, sem esquecer o mais importante tema para a imprensa, que atraiu a cobertura da TV Itacolomy Canal 4, notinhas no jornal Estado de Minas, depois matérias em O Passarela e Folha de Itabira, o assunto rendeu comentários a cada lembrete anual: “Cuidado com palanques de madeira! Eles podem ruir…”.

Foi assim… A esta altura alguém pode perguntar se eu, vereador da municipalidade local, estava lá. Antecipo que sim, mas aguentem as pontas porque posso dizer também que fui salvo pelo gongo.

Afirmei que não citaria nomes e sou impelido a cometer um deslize simples: existia um cidadão chamado Minervino Pena, responsável pelo som. Ele corria os olhos nas tábuas em todas as beiradas, que rangiam paulatinamente. Sua empresa prestadora de serviços chamava-se Sepulvo (Serviço de Publicidade Volante). Observem que o serviço saiu de sua especialidade.

Minervino puxou o braço de três políticos, sendo eu um deles, tão logo havia sido entoado o Hino Nacional Brasileiro pelas bandas, em conjunto, a Euterpe e a Santa Cecília. E nem tinham sido iniciados os enfadonhos e famintos (para o povo) discursos.

Sem tempo para respirar, ouviu-se, depois do rilhado, um estrondo parecido com “terremotos” da Vale no Cauê, pernas para cima, corpos revirados, meias rasgadas de “mulheres de nylon”, como disse um imperdoável gozador. Conclusão: o palanque desabou de vez.

O povo, zonzo a essa altura do campeonato, estava sem entender o que se passava. Cidadãos preocupados com choros de crianças e gemidos de idosos, perderam o rumo. Ninguém foi para os hospitais, embora aparecessem pequenos arranhões e rasgões. A maioria resolveu almoçar no Restaurante do Olintão (só mais esse nome cito agora).

As “furiosas”, sem graça, caminharam lado a lado e solidárias, pela avenida João Pinheiro, já que a Daniel Jardim de Grisolia estava interditada pela multidão. A princípio, os músicos, de cabeças baixas, sentiram o impacto.

Para colocar um pano quente no silêncio sepulcral, os maestros entenderam-se e terminaram o trajeto, subindo a Água Santa até suas sedes, no Pará, sob a marcha do Hino do Exército Brasileiro.

Fazendo um paralelo com os dias atuais, a solidariedade e a humildade de antigamente viraram adjetivos pejorativos à sombra da demagogia de hoje. Candidatos mostram atualmente uma ganância esganada pelo poder, tal o interesse cego que nutrem pelos tilintares dos reais nos cofres públicos. A ação denuncia claramente o egoísmo e o ódio. A poucos anos de ser obrigada a romper o cordão umbilical com a ex-mãe Vale, vê-se claramente que o clima é de “salve-se quem puder”. E se puder.

José Sana é jornalista, historiador, professor de Letras e ex-vereador em Itabira por dois mandatos, onde reside desde 1966

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