Forquilha III, barragem perigosa da Vale, só será desativada em 2035
Debate sobre ampliação do prazo para desativação de 33 estruturas em Minas Gerais divide opiniões

Minas Gerais levará 13 anos a mais do que o previsto para se livrar de uma das mais perigosas barragens de mineração construídas a montante, técnica utilizada nas estruturas que se romperam em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019. Durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na última segunda-feira (5), foi informado que a estrutura de Forquilha III, da empresa Vale em Ouro Preto, só deverá ser descomissionada (desativada) em 2035. A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG organizou a reunião.
O prazo fixado inicialmente pela Lei Mar de Lama Nunca Mais para o descomissionamento é de três anos, ou seja, venceria em 2022. A lei foi aprovada pela Assembleia de Minas em 2019, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que matou 272 pessoas.
Apesar do atraso de até 13 anos para a desativação das barragens mais perigosas, o prazo mais longo fixado por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) foi defendido durante a audiência pública com argumentos técnicos e jurídicos.
O diretor de Gestão de Barragens e Recuperação de Área de Mineração e Indústria da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), Roberto Gomes, informou que só 21 das 54 barragens a montante existentes em Minas Gerais foram desativadas. Ele afirmou que duas das 33 ainda em operação são classificadas no nível 3, de máximo de risco: a barragem de Serra Azul, em Itatiaiuçu, e a barragem de Forquilha III, em Ouro Preto.
A revisão dos prazos de desativação das barragens foi determinada por meio de diversos TACs entre as empresas, o Ministério Público e o Governo do Estado, em 2022. Roberto Gomes defendeu a ampliação do prazo, argumentando que a drenagem acelerada da água que permeia as barragens a montante poderia aumentar a instabilidade das estruturas e causar novas tragédias. “Por isso, três anos pode não ser suficiente para garantir a segurança”, explicou.
Ainda de acordo com Roberto Gomes, 14 empresas de mineração aderiram aos TACs e apenas três não o fizeram: Minar Mineração Aredes Ltda, Serra da Fortaleza Mineração e Metalurgia Ltda e Mineração Geral do Brasil (MGB), que são responsáveis por quatro barragens.
Governo e MP defendem ampliação dos prazos
Tanto Roberto Gomes como o promotor de Justiça João Paulo Alvarenga Brant, coordenador estadual de Meio Ambiente e Mineração do Ministério Público do Estado, defenderam os termos de ajustamento de conduta como uma melhor opção, tendo em vista as dificuldades e morosidade da judicialização no caso dessas três empresas.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente da ALMG, o deputado Tito Torres (PSD) concordou com os argumentos técnicos e jurídicos da Feam e do Ministério Público. “Não é da forma como gostaríamos e que votamos, mas se não fossem os Termos de Ajustamento de Conduta, cada um ia judicializar de uma forma e ia para a Justiça por sei lá quantos anos. Nesse sentido, do meu ponto de vista, foi positivo”, disse.
Autora do requerimento para realização da audiência pública, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) criticou principalmente a forma como o governo Romeu Zema escolheu para mudar os prazos definidos pela lei. “Se o governo Zema tinha a avaliação de que o tempo não era tecnicamente satisfatório, enviasse à Assembleia um projeto de lei. Tinha uma lei estadual. A Assembleia foi desconsiderada nesse processo. Não podemos fazer uma audiência só do ponto de vista técnico, desconsiderando as questões políticas”, criticou.
Beatriz Cerqueira lembrou que o governo estadual só regulamentou o prazo de três anos fixado pela legislação em 2021, ou seja, um ano antes do prazo vencer. Essa omissão, em sua avaliação, contribuiu para desmoralizar a lei aprovada pela Assembleia.
Para a deputada, isso também incentivou a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) a entrar na Justiça para tentar declarar a inconstitucionalidade de um artigo da lei que não permite o licenciamento ambiental para quem descumpre as regras fixadas. O Poder Judiciário, no entanto, não acolheu essa tentativa.
Deputada protesta contra novas ampliações de barragens
A deputada Bella Gonçalves (PSOL) criticou outro ponto que vem sendo descumprido da Lei Mar de Lama Nunca Mais. Essa norma proíbe o alteamento (ampliação) de barragens quando existem localidades povoadas na chamada área de autossalvamento, onde não há tempo para o poder público promover ações de socorro.
“Várias barragens de rejeito estão sendo alteadas, e um exemplo desses é Conceição do Mato Dentro (Região Central) Está sendo violada a Lei Mar de Lama Nunca Mais, porque ela estabelece a vedação de licenças”, protestou.
Sobre essa questão, Roberto Gomes, representante da Feam, disse que várias questões têm que ser analisadas sobre a barragem da mineradora Anglo American em Conceição do Mato Dentro, mas ele ressalvou que aquela estrutura não é uma barragem a montante.
Outra forma de burlar a lei, segundo Bella Gonçalves, é a ação do Governo do Estado de usar decretos de desapropriação para expulsar pessoas que vivem em áreas de autossalvamento, de forma que os empreendimentos de mineração possam continuar sem ferir a lei.
Durante a audiência pública, um balanço nacional da desativação das barragens a montante foi feito pelo coordenador de Gerenciamento de Riscos Geotécnicos em Barragens de Mineração da Agência Nacional de Mineração (ANM) em Minas Gerais, Eliezer Gonçalves Júnior. Segundo ele , Minas Gerais concentra 62% das barragens a montante ainda ativas no Brasil. Esse tipo de estrutura também existe em outros oito estados.
* Com informações da ALMG.