Gustavo Milânio: “O interesse da Vale é o minério, e não Itabira”

“A Vale tem uma dívida histórica para com Itabira. É a ‘dívida eterna’ dos versos de Drummond”, escreve o advogado itabirano em artigo onde reflete sobre o aniversário da cidade, a ser comemorado nesta quarta, 9 de outubro

Gustavo Milânio: “O interesse da Vale é o minério, e não Itabira”
Foto: Esdras Vinícius
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  Por Gustavo Milânio, itabirano, advogado, ex-Chefe de Gabinete da Prefeitura Municipal de Itabira, atual Chefe de Gabinete do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

 

 

 

Carlos Drummond de Andrade sempre foi um contestador visionário. O ilustre itabirano enxergava muito além do seu tempo. Em 1984, num poema criado exclusivamente para um jornal itabirano, o poeta maior previu toda a tragédia ambiental e social dos dias de hoje:

O Rio? É Doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga

Entre estatais
E multinacionais
Quantos ais!

A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna

Há anos observo a sociedade itabirana reivindicar um maior envolvimento da Vale nos assuntos socioeconômicos da cidade. A empresa mostra um acanhado, tímido e pequeno interesse social perante Itabira, infinitamente desproporcional as benécias que o minério de lá extraído proporcionou a mineradora. As mínimas “colaborações”, são só para inglês ver.

O objetivo primordial da Vale é somente o lucro. Apenas isso.

Infelizmente, nossa legislação não determina, de forma incisiva, os limites de reponsabilidades das exploradoras de minérios por suas atividades operacionais tão degradantes.

O que se deve buscar, mesmo não havendo uma legislação especifica para se tratar do tema, é a responsabilidade social. Em suma, se não se pode esperar compromisso social, então temos que emitir a fatura da responsabilidade. É necessária uma cobrança compensatória pelos danos ambientais, que já são praticamente irreversíveis. O fundamental é evitar, de qualquer forma, que a exaustão das minas provoque uma grave crise social, econômica e ambiental. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso.

A Vale tem uma dívida histórica para com Itabira. É a “dívida eterna” dos versos de Drummond.

O aniversário de Itabira, nove de outubro, representa uma ótima oportunidade para revisitarmos a nossa própria história. Ao contrário do que se plantou no imaginário popular, a Vale não descobriu Itabira. A cidade é centenária. Há nossa terra muito antes das minas da antiga Cia Vale do Rio Doce (CVRD).

Onde estava a empresa nos momentos cruciais da história de Itabira? A Vale, na verdade, sempre se esquivou quando precisou assumir compromissos   perante nossa gente (um povo guerreiro e batalhador).

Manteve esse comportamento omisso e arrogante quando desapropriou por várias vezes bairros inteiros em Itabira. Essa iniciativa afetou covardemente a vida de muitos itabiranos, que foram praticamente expulsos de suas casas, deixando para trás conquistas e laços afetivos. A multinacional brasileira passou por cima de tudo (sem dó nem piedade) para saciar sua inesgotável voracidade por números a qualquer custo. Na década de 1990, a mineradora firmou um Termo de Ajustamento  de Conduta (TAC). Por meio desse instrumento legal, ela deveria cumprir inúmeras condicionantes paisagísticas e ambientais. A  empresa, contudo, simplesmente ignorou esse acordo. Por isso, o município teve que recorrer à Justiça para que o referido TAC fosse respeitado, hoje objeto da ação n° (031702002977-1/TJMG).

A exploradora de minério é a principal responsável pelo desabastecimento de água, em Itabira. A Vale ainda dentre outras, tem uma grave e literal “culpa no cartório”. Não cumpriu com sua obrigação de pagar ao município, aliás pagar a nós Itabiranos, os valores firmados na permuta por ela mesma, conforme escritura pública lavrada em 22 de maio de 1989, onde ficou avençada a cessão de uma área do estimada em mais de 700 mil metros quadrados, ficando ressalvados os direitos minerários para o município. 

O nosso ponto de vista não pode ignorar também os sérios conflitos sociais provocados pela chegada do grande número de trabalhadores de outras regiões. É necessário que fique bem claro o seguinte: o órgão municipal carece de recursos suficientes para atender à demanda da população com serviços de saúde, limpeza, manutenção, assistência social, e outros. Itabira cresceu, sim, com a implantação da Vale.  Isso é inquestionável. Mas esse tal desenvolvimento exigiu uma readequação da infraestrutura diante da repentina explosão demográfica.

Minhas convicções não me impedem de admitir que o ciclo do minério de ferro proporcionou importante desenvolvimento para Itabira. Mas, minhas convicções também sustentam os apontamentos negativos das consequências adversas da mineração.

Estou convicto de que a Vale jamais reconheceu a enorme (e essencial) contribuição de Itabira para sua consolidação como grande empresa do mercado internacional. A riqueza do nosso subsolo permitiu que a ex- estatal alcançasse importantes conquistas, em diversos cenários globais.

A Vale tem quase oitenta anos de atividades. São quase oito décadas extraindo a riqueza das entranhas de Itabira.  Mas, não tenham dúvidas: a empresa legará para a posteridade um imenso passivo social, econômico e ambiental. Enfim, reafirmo: o interesse da Vale é o minério, e não Itabira. Itabira é interesse nosso (Itabiranos)!

(*) Artigo publicado originalmente no Portal da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil)

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