“Itabira registra um caso de AVC por dia”, alerta o médico Tiago Alvarenga
Profissional atua no Hospital Nossa Senhora das Dores e no Pronto Socorro Municipal
O médico Tiago Alvarenga formou-se em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e neurologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Exerce a função de neurologista no Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD) e Pronto Socorro Municipal, desde 2018. É também professor da Funcesi na área de Neurociência e coordenador do Centro Itabirano de Neurociências.
Atualmente, as doenças do aparelho circulatório são as que mais matam no Brasil. Um total de 340 mil mortes anuais são provocadas por complicações cardiovasculares, segundo informações do Ministério da Saúde. O infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC) são as principais causas de óbitos nesse segmento. O AVC matou 102.812 pessoas, apenas em 2020. Esse número é motivo de muita preocupação para a classe médica nacional.
Segundo Tiago Alvarenga, as principais causas do popular derrame são: a vida agitada das grandes cidades, sedentarismo, estresse, alimentação desregrada e consumo excessivo de bebidas alcoólicas e cigarros. O médico itabirano faz um alerta muito preocupante para a população local: “Em Itabira, há um caso de AVC por dia”. Nem todas as ocorrências são registradas no sistema municipal de saúde. Vale a pena conferir a entrevista completa do neurologista. O depoimento é assustador.
DeFato: As doenças cardiovasculares provocam 340 mil mortes por ano, no Brasil. São também as principais causas de óbitos, em todo o planeta. E aqui está uma constatação alarmante: 17 milhões de pessoas sofrem acidente vascular cerebral (AVC) anualmente, no nosso país. O AVC é muito sério pois, quando não mata, deixa graves sequelas. Essa doença é típica do mundo moderno, ou sempre existiu na história da humanidade?
Tiago Alvarenga: O AVC – acidente vascular cerebral, popularmente conhecido como derrame, ocorre quando uma dificuldade no fluxo sanguíneo cerebral provoca entupimento ou estouro de um vaso sanguíneo. Você mencionou que as principais causas de morte no mundo são as doenças cardiovasculares. Isso pode gerar uma confusão nas pessoas, que podem perguntar: cadê o AVC, nessa história? Acontece que se se destrinchar essa estatística, no mundo e, até mesmo no Brasil, a primeira causa de morte é o infarto e a segunda causa, com números bastante próximos, é o AVC. Em alguns países, porém, o AVC já é a principal causa de óbitos. Mas vamos falar um pouco das vítimas não fatais. Dessas, 75% não retornam às suas atividades normais, enquanto 35% ficam dependentes de alguém para atividades básicas. São esses números que precisam ser analisados pela população.
DeFato: Mas, o AVC já existia ao longo da história da humanidade, ou a doença se agravou diante de toda essa agitação do mundo moderno?
Tiago Alvarenga: A doença, com certeza, sempre existiu, mas alguns hábitos desses tempos modernos estão tornando maior a incidência do AVC.
DeFato: E quais são as principais causas do AVC? Entendemos que a identificação das causas é fator fundamental para a prevenção.
Tiago Alvarenga: As causas são diversas, são múltiplas, mas vou tentar resumir. Vou mostrar um dado que vai ajudar na elucidação desse problema. Vou recorrer a um estudo realizado em 32 países, em 2016. Na oportunidade, foi observado que 90% dos AVCs podem ser evitados se forem alteradas dez causas modificáveis. Dentre elas, mencionarei as seguintes: tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, dieta irregular, controle irregular da pressão arterial, controle irregular do diabetes e colesterol alto. Esses são os principais motivos que precisam ser combatidos. Há outras causas raras, mas elas estão na casa de 10%.
DeFato: Falei há pouco em tempos modernos, uma era de muita agitação, de nervos à flor da pele. Existe algum fator emocional que pode provocar o AVC?
Tiago Alvarenga: A gente sabe que o stress está incluído nas dez causas modificáveis. O nível elevado de stress está relacionado ao aumento de risco de doenças cerebrovasculares, que são os AVCs.
DeFato: Mas, há exclusivamente um AVC ou há várias modalidades desse tipo de doença?
Tiago Alvarenga: Existem dois principais tipos de AVCs: o isquêmico, que é quando a artéria do cérebro entope e o hemorrágico, que acontece quando essa artéria se rompe. Um total de 90% de AVC é isquêmico, e 10% hemorrágico. Existem outros tipos raros. Apesar de parecer que quando se rompe é muito pior, mas isso é uma falsa afirmação. Muitas vezes, um AVC hemorrágico pequeno tem uma evolução muito melhor do que um isquêmico. Então, cada caso é um caso.
DeFato: E, por falar em hemorragia cerebral, o AVC tem alguma coisa a ver com aneurisma?
Tiago Alvarenga: Vamos debruçar um pouco sobre o AVC hemorrágico, que é quando a artéria estoura. Há varias causas para isso acontecer. A causa mais temida pela população é a ruptura de um aneurisma. Essa é uma das causas, mas existem outras. Existe, por exemplo, o AVC hipertensivo. Qual é a causa dele? A pressão alta. Há outras (causas) relacionadas a envelhecimento e uso de drogas. Há várias outras causas, mas, sem dúvida nenhuma, a ruptura aneurismática é um fator que preocupa muito à população, e a mim também.
DeFato: As sequelas pós-AVC são muito preocupantes, pois as pessoas ficam praticamente inutilizadas. E, pior. Em algumas circunstâncias, se tornam dependentes de terceiros para as atividades mais elementares do cotidiano. Hoje em dia, a medicina, que se encontra bastante evoluída, já criou algum sistema para amenizar as consequências físicas de um AVC?
Tiago Alvarenga: Sim, existem vários sistemas. Mas, na verdade, o que a gente pode dizer de melhor em relação ao AVC é quando a gente fala de linha de cuidado, que envolve prevenção, tratamento da fase aguda e reabilitação pós-AVC. Eu vou dar um exemplo. Uma amiga, um dia, me disse o seguinte: a gente não precisa inventar a roda, mas basta copiar um bom exemplo brasileiro. Em 2005, a cidade de Joinville (Santa Catarina) começou a adotar algumas medidas preventivas. E, com isso, ao longo de dez anos, a cidade catarinense conseguiu reduzir em 27% a incidência de AVC na população. Conseguiu reduzir em 28% a mortalidade por AVC, no primeiro mês. E reduziu em 37% a mortalidade anual. Esses números são super expressivos. Então, você vai me perguntar: o que falta a Itabira para chegar no patamar de Joinville? Eu respondo: organização. Verba, nem tanto. Muito mais organização e desenho de uma linha de cuidado na prevenção, do cuidado hospitalar e uma linha de cuidado do pós- AVC, como a reabilitação, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia e educador físico. É preciso toda uma equipe para devolver a pessoa (o doente), o melhor possível, ao mercado. Há vários pacientes de AVC, que retornaram a uma vida praticamente normal.
DeFato: Então, o que está faltando, em Itabira, é a implementação de uma política pública direcionada à questão do AVC, a exemplo do que aconteceu na cidade catarinense…
Tiago Alvarenga: Sim, é exatamente isso.
DeFato: Uma curiosidade sempre vem à tona quando se fala sobre esse tipo de doença. O AVC é um problema típico de pessoas mais idosas, ou jovens também podem contrair a doença?
Tiago Alvarenga: O AVC, principalmente, ocorre em pessoas mais idosas. No entanto, não é rara a ocorrência de AVC em pacientes jovens, abaixo de 50 anos, abaixo de 40 anos. Estamos montando, aqui em Itabira, uma associação de vítimas do AVC. E, nesse grupo, temos algumas pacientes que tiveram AVC com menos de 30 anos.
DeFato: Então, a maior parte das vítimas de AVC está num universo acima dos 40 anos?
Tiago Alvarenga: Acima dos 50 anos. À medida que a idade avança, o AVC se torna mais comum. É mais comum em pessoas de 80 anos que em pessoas de 70 anos, que tem maior incidência que em pessoas de 60 anos. À medida que envelhecemos, os riscos aumentam, até mesmo devido ao envelhecimento dos vasos (sanguíneos) e outros fatores. Mas não podemos negligenciar o impacto social da doença nos pacientes mais jovens, apesar da pouca incidência.
DeFato: À medida que as pessoas se envelhecem, elas ficam mais sedentárias. Então, o sedentarismo seria um dos fatores provocadores de AVC, em pessoas com faixa etária mais elevada?
Tiago Alvarenga: Com certeza, o sedentarismo é um fator associado às causas do AVC.
DeFato: O Brasil, com 220 milhões de habitantes, registra 17 de milhões de casos de AVC, por ano. O nosso país tem uma estatística semelhante ao resto do planeta ou é um ponto fora da curva?
Tiago Alvarenga: Conforme eu disse, o AVC é uma realidade mundial. Em 1988, no Reino Unido, começou- se a implantar as primeiras medidas públicas de prevenção ao AVC. Ao longo dos últimos 30 anos, vários outros países também tomaram medidas nesse sentido (práticas de prevenção e tratamento do AVC). Há alguns anos, o Brasil acordou para essa realidade. O exemplo de Joinville é muito bonito. Políticas públicas e ações de muitos profissionais mudaram a realidade de lá, mas o Brasil são vários brasis. Itabira, por não ter uma linha de cuidado, tem um dos piores indicadores da doença. Eu tenho aqui alguns dados de Itabira: no período de 2010 a 2019, tivemos uma média 73 óbitos, por ano, notificados. A gente sabe que existe uma subnotificação. Numa análise que fiz, no Pronto Socorro Municipal, onde trabalho como neurologista, tivemos uma média de 25 internações mensais por AVC. Vamos ser práticos, mesmo levando-se em consideração os pacientes de planos de saúde, Itabira registra um AVC por dia.
DeFato: Eu estou percebendo que o senhor está se empenhando para tentar reverter essa trágica situação, aqui em Itabira. Que ações tem sido desenvolvidas para esse objetivo?
Tiago Alvarenga: A gente não vai resolver (o problema) do dia para a noite, pois precisamos contar com o interesse da população. Estamos, há alguns meses, tentando alertar a população para isso (a realidade do AVC). Meu pai é neurologista há muitos anos e, no tempo dele, achava-se que não tinha muito o que fazer (na prevenção e tratamento do AVC). Mas hoje, não é assim. Nos últimos 30 anos, houve uma evolução muito grande, mas nós (em Itabira) ainda estamos lá atrás. Isso tem que mudar, mas precisamos do apoio geral.