Jairo Magalhães: o prefeito das mais desconcertantes ironias

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Jairo Magalhães: o prefeito das mais desconcertantes ironias
Foto: ALMG/Arquivo
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Jairo Magalhães Alves foi prefeito de Itabira de 1977 a 1982. Mais tarde, ocupou uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Foi deputado estadual por duas legislaturas. Era médico cardiologista e nasceu em Cabo Verde, região sul de Minas Gerais. Exerceu a sua profissão na antiga Cia Vale do Rio Doce (CVRD). Clinicou também nos hospitais Carlos Chagas (na ocasião, uma instituição da empresa mineradora) e Nossa Senhora das Dores. Mantinha ainda um consultório particular no edifício Mafra, na região central da cidade. Foi funcionário da exportadora de minério, num tempo muito mais romântico.

O popular “doutor Jairo” ganhou muito com o histórico arranca-rabo entre o bispo dom Mário Teixeira Gurgel e o padre Joaquim Santana de Castro, pároco da igreja da Saúde. O sacerdote foi chefe do Executivo Itabirano no início da década de 1970. Cumpriu um mandato tampão de apenas dois anos (1971 a 1972). Coisas da política tupiniquim. O maior sonho de Joaquim Santana era retornar ao poder. Com essa ideia na cabeça, ele se lançou candidato nas eleições de 1976.

O religioso, porém, deparou com enorme pedra no meio do caminho. O bispo cearense – um grande líder popular e de forte personalidade – não concordou com a pretensão do seu subordinado. Mas padre Joaquim não abriu mão de seu propósito. Resolveu encarar a Mitra. Dom Mário, então, entrou com tudo nos bastidores da disputa e provocou a derrota do vigário da Saúde. Resultado previsível da refrega: doutor Jairo se elegeu até com certa facilidade e padre Joaquim foi literalmente expulso do município.

Um inseparável e escandalosamente cheiroso cachimbo era a marca registrada do prefeito Jairo. De longe, os servidores da prefeitura sentiam a presença do “chefe”. O perfume achocolatado denunciava a chegada do “homi”, ainda a grande distância do local. O aroma inconfundível dava tempo suficiente para o desatamento de sofisticados nós- cegos.

O político do MDB fez uma administração marcante. Na ocasião, desenvolveu um amplo projeto de urbanização. Pavimentou as principais ruas do centro, construiu a Avenida das Rosas e o prédio da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, o ponto de inflexão na grande missão de resgate da memória do poeta maior.

O senhor do cachimbo era astuto. Dono de um raciocínio rápido, desarmava os adversários com ferinas ironias. Gostava de jogar a plateia contra eventuais debatedores. Provocava gargalhadas do público com tiradas até mesmo exóticas.

O meu primeiro contato com ele foi desconcertante. Aqui, a cronologia de uma polêmica. No final dos anos 1970, eu assinava uma coluna mensal no antigo jornal “Folha de Itabira”. Um imenso buraco, numa rua do bairro Campestre, incomodava meio mundo. O buracão era bem profundo, um fácil acesso ao Japão. O tempo passava e a cratera permanecia impávida, colosso.

Esse articulista começou a implorar insistentemente pela solução do profundo problema. “E aí, dr Jairo, e aquele buraco do Campestre?” Essa era a sacal ladainha de todas as edições do periódico. Uma cobrança tipicamente mala-sem-alça, admito. Um determinado dia, estava no meu local de trabalho. Por coincidência, num espaço da famosa CVRD. De repente, toca o telefone. Uma colega atendeu a ligação. A mulher ficou lívida com o que ouviu do outro lado da linha. Aos berros, ela revelou o segredo para toda a audiência do escritório: “Fernando, eu não acredito. É o prefeito de Itabira. E não quer papo. Apenas pediu para passar um recado pra você. Ele manda avisar que já tampou o seu buraco”. O ambiente veio abaixo.

A administração municipal andava às turras com a Câmara. Quinze vereadores compunham o Legislativo. Apenas um – Neftaly de Souza e Silva (popular sô Nef)- defendia o governo. Os resultados das votações eram quase sempre os mesmos: o Executivo levava uma balaiada de 14×1. Depois desses embates, o vereador situacionista comparecia ao gabinete do prefeito com enorme lista de reivindicações. Era o preço do voto solitário. Certo dia, depois de outra acachapante derrota, o administrador da cidade recebeu mais uma visita de Neftaly. Jairo perdeu a paciência. Olhou firme para o seu líder no Legislativo e disparou: “Olha aqui, sô Nef, seu voto está ficando muito caro. Quer saber de uma coisa? Perder de 14 x1 ou 15×0 é a mesma coisa. Então, pode ir para oposição também”.

Em 1982, no final do seu mandato, Jairo Magalhães deixou a Prefeitura para disputar a eleição para deputado estadual. Naquele pleito, seriam escolhidos novos vereadores, prefeitos, senadores, governadores e deputados (federal/estadual). O quebra- pau entre PDS e PMDB atingia o clímax.

O já ex-prefeito recebia duras críticas dos pedessistas. Os seus oponentes não concordavam com a construção do prédio da Fundação Cultural. “Uma desnecessária obra faraônica”, bradava a oposição nos comícios. Um dia, num evento no bairro Pará, na pracinha do Fórum, Magalhães decidiu dar o troco e mandou ver, com estilo: “os meus adversários estão me atacando por conta da edificação do teatro da Fundação Cultural. Mas eu nem ligo. Eu até gosto desse bando do PDS. Inclusive, eu pensei neles quando fiz a obra. Aquela grama que mandei plantar, na frente do prédio, foi exclusivamente para essa turma. Que eles se sirvam e tenham um bom apetite”. E a grama continua lá.

Jairo Magalhães Alves morreu no dia 3 de março de 2016, aos 90 anos de idade, em Belo Horizonte.

PS1: Neftaly de Souza e Silva foi incitado a ir para a oposição. A sugestão partiu do próprio prefeito Jairo Magalhães. Sô Nef, entretanto, um homem simples e digno, manteve o seu apoio ao governo municipal. Provavelmente nunca mais entrou no gabinete do prefeito.

PS2 Miriam Rosângela Pires Lage: esse é o nome da moça que atendeu ao telefonema irônico do prefeito Jairo Magalhães, lá na antiga CVRD. Uma mulher elegante, extremamente simpática e muito bem-humorada. Dr Jairo deu o recado certo para a pessoa idem. A garota não conseguiu evitar espontânea e estrondosa gargalhada. Miriam morreu precocemente num acidente de carro, na década de 1980. Contava apenas 20 anos de idade.

Esse registro é apenas uma oportuna homenagem pessoal.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato

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