Jânio Quadros e as nádegas de FHC
Em seu novo texto, Fernando Silva fala sobre um dos mais folclóricos políticos brasileiros
Jânio da Silva Quadros foi um dos mais exóticos políticos do Brasil, em todos os tempos. Um personagem folclórico na acepção do termo. Espalhafatoso em tudo. No jeito de falar, na forma de se vestir e nos trejeitos. Era atrapalhado por opção ou convicção. Falava arrastadamente. Pronunciava as palavras com excessiva morosidade. Tinha um característico timbre de voz anasalado. Os cabelos – sempre desalinhados – compunham a paisagem com imenso bigode, típico de ator mexicano. Mas tem um contraponto bastante significativo nesse figurino caótico.
Esse mato-grossense – que nasceu em Campo Grande, mas fez carreira política em São Paulo – era intelectual de escol. Foi advogado, professor, escritor e artista plástico. Um conhecedor profundo da língua portuguesa.
Na política, desenvolveu uma trajetória vitoriosa. Foi um demolidor de adversários. Entre as décadas de 1940 e 1980, ocupou quase todos os cargos eletivos possíveis: vereador, prefeito, deputado estadual e governador. E ainda esnobou. Abriu mão do domicílio eleitoral da Pauliceia e se elegeu deputado federal pelo Paraná. Mas o bolo da cereja pintou um pouco mais à frente.
Nas eleições de 1960, decidiu candidatar-se a presidente da República. E Jânio fez do processo eleitoral um genuíno picadeiro. Comia pão com salames durante os comícios, uma sincera demagogia. Simulava desmaios nos palanques. Nessas ocasiões, sempre aparecia providencial enfermeiro para aplicar milagrosa injeção. Tudo isso para o delírio da plateia.
O símbolo da campanha presidencial foi uma prosaica vassoura. “Eu vou varrer a corrupção brasileira pra debaixo do tapete”, prometia o amalucado orador. O alvo da ácida retórica era o presidente Juscelino Kubistchek, a quem chamava literalmente de corrupto. E, no final das contas, a aventura eleitoreira foi um estrondoso sucesso. O caça-corruptos saiu das urnas com mais de cinco milhões de votos. A maior votação da história do Brasil, até então.
Quadros tomou posse em janeiro de 1961. E, pasmem! O beberrão (e como bebia!) ficou no poder apenas seis meses. Renunciou ao cargo no dia 25 de agosto, em pleno dia do soldado. Esse ato extremo, na verdade, seria o pontapé inicial para um golpe de estado. O presidente imaginava que sua inesperada atitude provocaria uma comoção nacional. Afinal, ele pensava ser o “queridinho” da multidão.
A expectativa era uma só: a população tomaria as ruas e exigiria a volta do mandatário ao poder. E já estava tudo planejado. O grande líder atenderia ao clamor popular, porém imporia “singela” condição: “só assumo novamente com poder total. Governarei com o Congresso Nacional fechado”. Principal consequência da inconsequência: entraria em cena mais um caricato ditador de republiqueta de bananas.
Próximo capítulo do dia fatídico da abdicação. Jânio saiu do Palácio do Planalto e voou para São Paulo. O povo, porém, nem tomou conhecimento do dramalhão. Ninguém saiu às ruas para implorar pelo retorno do herói macunaímico. Jânio desceu as escadas do avião, no Aeroporto de Congonhas, amparado por sua mulher – Eloá do Valle Quadros. Totalmente embriagado, sussurrava insistentemente ao ouvido da esposa: “Eloá, Eloá, cadê o povo que não aparece?” Em seguida, entrou num fusca e viajou em companhia da ex-primeira-dama para o Mato Grosso. Nenhum usuário da rodovia perturbou o casal durante a viagem.
Jânio Quadros permaneceu no ostracismo por 23 anos. Em 1985, encarou uma nova disputa para a Prefeitura de São Paulo. Foi o canto do cisne. Encerrou a carreira em grande estilo. O seu adversário foi o senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), então no PMDB. O processo eleitoral foi muito intenso e repleto de polêmicas.
Ainda não havia essa proliferação de institutos de pesquisas, mas tudo indicava que FHC ganharia com relativa facilidade. O futuro tucano estava tão confiante na vitória que tomou uma imprevidente decisão, um dia antes do pleito: sentou-se na cadeira de prefeito e fez pose para os fotógrafos.
Mas deu zebra. O inesperado fez uma surpresa e o temível “homem da vassoura” venceu mais uma. E não deixou por menos. No dia da posse, na hora H, quebrou o protocolo e levou a imprensa para o gabinete do prefeito. Lá, abriu um vidro de inseticida e desinfetou a cadeira do chefe do Executivo, enquanto recitava para os jornalistas: “eu gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas sentaram nela”. E completou. “Porque o senhor Henrique Cardoso nunca teria o direito de sentar-se cá e o fez, de forma abusiva. Por isso, desinfeto a poltrona”. E ponto final. Jânio Quadros morreu em 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade.