Javier Milei e Patricia Bullrich estão metendo fogo na Argentina
O destemor de Milei não tem tamanho. A sua caneta modelo trator atropelou o Legislativo e Judiciário
Para começo de conversa, aqui vem a pergunta que insiste não calar: o que o presidente argentino Javier Milei tem a ver com Jair Bolsonaro? Praticamente nada, fora a identidade ideológica. Os dois são ultraliberais. Milei convicto. O brasileiro nem sabe o significado do conceito. Ambos, porém, apresentam um ponto em comum: a perigosíssima língua afiada. E só.
Javier tem mais semelhanças com Fernando Collor de Mello. O portenho, contudo, é muito mais atrevido que o fictício “Caçador de Marajás”. Nessas terras tupiniquins, o fanfarrão de Alagoas confiscou a poupança de meio mundo. A medida teve o efeito de uma bomba atômica. Na nação platina, o milongueiro atirou em todas as direções. E foi certeiro. O Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) — com 366 artigos — revogou leis e desregularizou a economia. Foi o maior terremoto social da terra de Lionel Messi, em todos os tempos. Collor de Mello é um anjinho perto do gringo descabelado.
O anúncio do megapacote provocou comoção popular. Consequência previsível: milhares de pessoas ocuparam as ruas de Buenos Aires para protestar contra as medidas do mandatário. Os argentinos fizeram o que sempre fazem: tomaram as vias da capital federal para demonstrar insatisfação. Esse comportamento é muito natural. Lá funciona assim. É uma característica marcante da cultura local. Por qualquer motivo, “los hermanos” invadem o espaço público espontaneamente. Mas, nesse contexto, pintou uma encrenca do tamanho do obelisco de Buenos Aires. A nova ministra da segurança e ex-candidata a presidente — Patrícia Bullrich — proibiu a obstrução das ruas pelos manifestantes. E mais. Madame prometeu cancelar os benefícios sociais dos arruaceiros. Não adiantou nada. Uma multidão lotou a Praça do Congresso.
O destemor de Milei não tem tamanho. A sua caneta modelo trator atropelou o Legislativo e Judiciário. Muitas das propostas, no entanto, serão derrubadas no parlamento. A Suprema Corte vetará outras. E nada é tão ruim que não possa piorar ainda mais. Logo depois do Natal, com um simples gesto de “boa vontade”, Javier botou sete mil servidores públicos contratados no olho da rua. Já a quarta-feira da semana passada (27/12) teve um enredo de filme de terror. O pai de Conan “presenteou” a nação com a chamada ”Lei ómnibus” de 18 itens. O dispositivo apresenta regras para aposentadorias, privatizações e até prevê punições para os formadores de piquetes (obstruções de vias públicas). Essa assombração institucional necessita aprovação dos deputados.
Os efeitos colaterais das iniciativas de Javier são terríveis. O remédio é muito forte e até pode causar a morte do paciente. O índice de desemprego acelerou. Com a desregulação, os preços de alimentos, medicamentos e combustíveis dispararam. A taxa da inflação bateu na estratosfera. Mas, atenção. Por trás da coragem do exótico chefe do Executivo existe um sujeito oculto: o ex-presidente e bilionário Mauricio Macri — um dos homens mais rico do país vizinho. Quando inquilino da “Casa Rosada”, Mauricio não teve colhões para domar a crônica crise socioeconômica da Argentina. Fez um governo medíocre. Tanto que não conseguiu se reeleger e perdeu para a dupla Alberto Fernández/Cristina Kirchner. Hoje, por baixo dos panos, Macri usa de mãos alheias para botar fogo no picadeiro. E aqui, agora, a pergunta derradeira, que também não quer silenciar: por quanto tempo Milei conseguirá viver na Quinta de Olivos (a residência oficial do presidente da Argentina)?
PS.: O principal conselheiro de Javier Milei é Conan, o seu falecido cão de estimação. O animal se comunica com o mandatário por meio de um médium. O tempo dirá se o novo governo argentino está fazendo (ou não) uma cachorrada.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.
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