Justiça condena Vale como responsável pelos danos e pela descaracterização de barragens em Itabira; confira
Mesmo embora a sentença reconheça a existência de danos, impactos e perícia, a conclusão não detalha os valores a serem pagos pela Vale
O Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira, André Luiz Alves, publicou nesta quinta-feira (12) a sentença da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), condenando a Vale como responsável pela perda de estabilidade das suas estruturas de rejeito e também, pelas obras de descaracterização e descomissionamento do Sistema Pontal, em Itabira. A decisão cabe recurso por parte da Vale na Justiça.
A decisão judicial atestou a necessidade da descaracterização e descomissionamento do Sistema Pontal, considerado um fato incontroverso, público e notório. Portanto, se faz necessária a realização de perícia técnica independente para cadastrar as pessoas atingidas, avaliar danos e valores, definir ações emergenciais e estabelecer os critérios de indenização – tanto coletivos como individuais, e a área afetada.
A sentença destacou que as teses defensivas da Vale S.A. são vistas como tentativas unilaterais de conduzir o descomissionamento e a descaracterização, ignorando a necessidade da presença do Estado, das pessoas atingidas e do Poder Judiciário.
A Vale também foi responsabilizada por omissões e falta de informações, onde o Juíz de Direito citou negligência da mineradora nos casos anteriores de Mariana e Brumadinho como contexto histórico a ser considerado. A sentença também mencionou a sobrecarga dos sistemas de saúde devido às atividades da Vale. Também é dado destaque ao nexo de causalidade da Vale e a violação dos direitos de saúde.
Mesmo embora a sentença reconheça a existência de danos, impactos e perícia, a conclusão não detalha os valores a serem pagos pela Vale, indicando que estes ainda serão discutidos na fase de liquidação. Os valores mencionados no documento – como a indisponibilidade de bens da Vale no valor de R$ 500.000.000,00, além de R$ 10.000.000,00 para serem investidos no Fundo Municipal de Saúde – referem-se aos pedidos feitos na petição inicial do MPMG. Além disso, a sentença não aborda os prazos.
População tem direito à Assessoria Técnica Independente
A sentença reconheceu que as pessoas atingidas têm direito à Assessoria Técnica Independente (AT)l, com a Lei Estadual da Política Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB) aplicando-se ao caso. O documento também destacou que as decisões judiciais anteriores já reconheciam a ATI, e a responsabilidade pelo custeio será definida na liquidação da sentença. Desde outubro de 2023, a ATI da Fundação Israel Pinheiro tem atuado no território do Sistema Pontal.
“Está claro que os atingidos têm direito a assessoria técnica independente (ATI), a ser custeada pela requerida, com a finalidade de orientação no processo de reparação integral, não havendo motivos para a insurgência da Vale, que inclusive foi reprisada em suas contrarrazões”, diz trecho da sentença de 63 páginas.
Acordos individuais
A possibilidade de acordos individuais também foi reconhecida, assim como a validade dos acordos já realizados. Contudo, esses acordos são considerados um patamar mínimo, e os valores a serem auferidos continuaram em vigor para aqueles que também foram contemplados por acordos individuais, com a Vale S.A. responsável por pagar danos fixados na liquidação da sentença. Os acordos que já foram firmados não vedam o reconhecimento de outros danos.
Já em relação aos danos, a sentença diz que:
Foram reconhecidos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais oriundos das Estruturas de Contenção a Jusante (1 e 2), bem como outros danos a serem avaliados
- Dano extrapatrimonial (como dano moral) será presumido e avaliado na sentença, relacionado à perda da qualidade de vida promovida pela Vale S.A.
- Dano patrimonial, como desvalorização imobiliária devido às obras, será avaliado na liquidação da sentença junto da perícia.
- Dano moral coletivo e social, em razão da negligência, prejuízo ao patrimônio e à vida das pessoas, assédio de advogados, falhas no sistema de prevenção, e poluição do ar, perturbação das pessoas. A ausência de ATl é citada como fator contribuinte para o dano moral coletivo.
Coordenador da ATI celebrou a sentença
Péricles Mattar, coordenador da ATI/FIP em Itabira, destacou que a sentença é uma medida importante, pois em sua visão, ela estabelece um padrão que deverá ser seguido pela Justiça e possibilita o trabalho pericial no Sistema Pontal. “A gente acredita que a perícia técnica deverá entrar em campo e subir alguns graus da potência desse trabalho, tendo em vista o caráter pericial de registrar os danos, de fazer a valoração desses danos, de fazer o cadastro das pessoas atingidas, e aí nós vamos estar juntos. Estamos acompanhando, já temos uma base inicial para passar para a perícia, então acho que o trabalho deverá avançar de uma maneira bastante significativa”, celebrou.
Para o coordenador, por mais que a Vale possa tentar recorrer, muito dificilmente a mineradora conseguirá reverter a decisão judicial. “O juiz foi muito categórico, com um volume de informações muito importante que eu acho que vai ser muito difícil. É mais que uma guerra de narrativa, é uma comprovação de que é necessário que o processo de reparação seja instalado em favor dos atingidos imediatamente”, finalizou.
O que diz a Vale?
Representantes da Vale estiveram presentes na reunião do Conselho de Meio Ambiente de Itabira (Codema), onde a ATI/FIP apresentou os pontos principais da sentença, mas optaram por não se manifestar. A DeFato procurou a mineradora para obter um posicionamento, recebido através de uma pequena nota. Confira.
“A Vale respeita todas as decisões judiciais e se manifestará judicialmente no processo. A Vale reafirma o seu compromisso com a comunidade, colocando sempre, em primeiro lugar, a segurança das pessoas e do meio ambiente.”