Lula é um virtuose do violino

Inicia-se aqui o processo de ajustamento dos alicerces da governabilidade. Nesse estágio, produz-se a acomodação dos aliados de ocasião nas estruturas de poder

Lula é um virtuose do violino
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O violino é de outra dimensão. Um “ser” com maravilhoso som transcendental. É criação dos deuses. Talvez, simples presente de alguma entidade interestelar durante viagem cósmica. Então, aportou nesse “asteroide” incidentalmente. A harmonia coletiva desse suave instrumento musical é essencial numa filarmônica. E essa leve espiritualidade cessa aqui.

O que violino tem a ver com a política tupiniquim? Nada. Muito antes pelo contrário. E o mais exótico vem a seguir. O título da coluna é pretexto para apresentar Lula como expert no manuseio de um Stradivarius. É tudo mera alegoria para um passo adiante. Na realidade, o líder petista nem usava o torno com o devido carinho. Tanto que perdeu um já famoso dedo em lamentável acidente de trabalho. O presidente foi torneiro mecânico.

Essa lorota toda é atalho para o imprevisível ponto pretendido: o exercício da arte de Nicolau Maquiavel. Observe o movimento de um violinista. O músico acomoda o instrumento musical com a mão esquerda e produz os acordes com um arco de madeira, que é movimentado pela destra. Em suma.  Ele arma com a esquerda, mas executa com a direita.  A canhota permanece imóvel o tempo todo, tem ínfima participação no conjunto da obra.

Depois dessa estranha fantasia aparece a política. E aí entra em campo o fator Luiz Inácio. É tudo muito prático. No decorrer de um processo eleitoral, o velho sindicalista desenvolve um discurso nitidamente progressista. Nesse momento, estamos diante de um genuíno militante de esquerda, ou centro-esquerda, caso prefiram. Fim da disputa eleitoral. Vitória confirmada. Começa o pragmatismo do pós-urnas. E, nessa hora, percebe-se que a teoria de Karl Marx não passa de pura utopia.

Inicia-se aqui o processo de ajustamento dos alicerces da governabilidade. Nesse estágio, produz-se a acomodação dos aliados de ocasião (de todos os arcabouços ideológicos) nas estruturas de poder. Um exemplo decisivo dessa remontagem: as negociações com o indigesto e obrigatoriamente digerível centrão. Essa manobra fisiológica também é conhecida por arte de engolir sapos. Nessa fase de estruturação, até o novo posicionamento das camas do Palácio da Alvorada necessita ser discutido com Janja, a futura primeira-tudo.

Lula foi o principal mandatário do país em duas ocasiões. Em ambas, tocou o violino com maestria. E toda a sociedade ganhou. A população carente foi contemplada com os mais eficientes mecanismos de inclusão social do planeta: os programas “Bolsa Família” e “Minha Casa, Minha Vida”. Por outro lado, o chamado andar de cima não tem o que reclamar. Os grandes conglomerados do tal mercado financeiro jamais faturaram tanto. As instituições bancárias “nunca na história desse país” tiveram as burras tão abarrotadas. E Lula já começou os novos acordes de violino. Resta saber qual será a partitura final da orquestra.

Enfim, e como já dizia Tony Blair, ex- primeiro-ministro inglês: “o governo é como o violino, você toma com a esquerda, mas toca com a direita”.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

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