Mais algumas tiradas do incrível presidente Jânio Quadros
Confira o novo texto do colunista Fernando Silva
Em 15 de agosto de 1961, Jânio Quadros desceu as rampas do Palácio do Planalto pela última vez, logo após surpreender o país com bizarra renúncia. Passo seguinte. O “homem da vassoura” embarcou num avião da FAB e viajou para São Paulo. Bebeu todas e mais algumas, durante o rápido percurso. Chegou à capital paulista completamente embriagado, mas com uma certeza na cabeça: voltaria a Brasília nos braços do povo.
Mas deu com os burros n’água. A população nem tomou conhecimento da atitude insana do ex-governador paulista. Quadros parecia não saber com que tipo de gente estava lidando. Ou apenas imaginava conhecer a raça tupiniquim. Depois dessa ação mal calculada, mergulhou no ostracismo por duas décadas. E só retornou ao cenário político para desinfetar a poltrona onde “nádegas indevidas sentaram”. Os traseiros de FCH comovidamente agradecem.
Esse “arranca-rabo” da década de 1980 foi apenas um pequeno aperitivo da rocambolesca carreira de Jânio. Há outros mais. No seu primeiro mandato à frente da Prefeitura da Pauliceia desvairada (1953 a 1955), ele adotou um procedimento estranho. Costumava perambular pela grande metrópole para fiscalizar o funcionamento dos órgãos governamentais. Assim, aparecia subitamente nas repartições públicas, a qualquer hora do dia ou da noite.
Numa madrugada, por exemplo, saiu como um sonâmbulo pelas ruas da cidade. Numa delegacia de periferia, apenas um policial e um delegado cumpriam plantão. De repente, o soldado interrompe o cochilo do delegado:
– Doutor, tem um bêbado chato, lá na porta, falando que é o prefeito e insiste em conversar com o senhor.
Morto de sono, o delegado retrucou:
-Meta o cassetete nesse vagabundo e bote-o para dormir numa das celas.
Mal acabou de falar isso, ouviu a inconfundível voz do chefe do Executivo- que entrou inesperadamente no recinto:
-O senhor, então, que coloque a senhora sua mãe atrás das grades. Respeite-me porque eu sou o prefeito da maior cidade do país.
O tresloucado político ocupou a presidência da República por apenas seis meses. Nesse período, tomou medidas polêmicas. A primeira delas foi até elogiável, de elevada sensibilidade: determinou o fim das rinhas de briga de galos em todo território nacional. E, falso moralista como ele só, proibiu o uso de biquínis nas praias brasileiras.
Era direitista radical e extremante conservador nos costumes. Mas patrocinou um ato totalmente contrário aos seus princípios ideológicos: condecorou Ernesto “Che” Guevara, um dos principais líderes da revolução comunista cubana, com a ordem do Cruzeiro do Sul- a mais importante honraria nacional. Os militares tupiniquins ficaram de cabelos em pé.
O mandatário tapuia tinha um costume exótico no seu dia a dia no exercício do poder. Só se comunicava com os ministros por meio de bilhetes. Jamais fazia reuniões. Nunca convocava assessores ao gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Ainda bem que renunciou. Jânio tinha um sonho megalomaníaco de consequências imprevisíveis. O “maluco” pretendia invadir e anexar a Guiana Francesa (Operação Cabralzinho). Ele desistiu de governar antes de cometer o desatino. E, como se vê, Deus realmente já foi brasileiro.
PS1: a condecoração a Che Guevara tem uma justificativa. Jânio- que era católico praticante- recebeu uma informação assustadora: os revolucionários cubanos mandariam 20 padres para o temível “paredon”. O chefe de estado brasileiro ligou para o guerrilheiro argentino e pediu para que os sacerdotes fossem perdoados. O governo Fidel Castro atendeu ao presidente do Brasil e comutou a perna de morte para prisão perpétua. Como reconhecimento, Jânio condecorou Guevara com a ordem do Cruzeiro do Sul, em 19 de agosto de 1961, no Palácio do Planalto. Seis dias depois da polêmica solenidade, o presidente renunciaria.
PS2: numa ocasião, durante o curto mandato, o jornalista Samuel Wainer foi em Palácio para entrevistar o presidente. Jânio botou uma garrafa de vinho na mesa. No decorrer do bate-papo, o mandarim da república encheu um copo atrás do outro. E pior. Ingeria o líquido de uma só vez. Em uma hora, o “homem da vassoura” consumiu duas garrafas da bebida. Detalhe: não ofereceu uma gota sequer para o famoso repórter que, por sinal, jamais dispensaria a oferta. Wainer também era “halterocopista”.