Ministério Público Federal recorre de absolvição de réus pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana

MPF contesta decisão que afastou responsabilidade de diretores da Samarco, engenheiros e pessoas jurídicas por falta de provas e nexo de causalidade

Ministério Público Federal recorre de absolvição de réus pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, atingido pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco – Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso contra sentença de primeira instância que absolveu os réus em ação penal movida pelo rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, em Mariana, Minas Gerais. A tragédia crime envolvendo a mineradora Samarco é considerado o maior desastre socioambiental já ocorrido no País.

No recurso, o MPF pede a condenação das empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda., além da empresa Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda. e seis executivos e técnicos pelos crimes de inundação, poluição com morte e danos a unidades de conservação.

O MPF questiona, no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), a decisão que alegou falta de provas para identificar as responsabilidades de cada acusado pelo rompimento. Também contesta a conclusão de que, embora os réus fossem responsáveis pela vigilância da barragem, não seria possível atribuir a eles os crimes cometidos.

Teoria da competência

Conforme argumenta o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, responsável pelo recurso, os crimes ambientais de maior envergadura não ocorrem pela conduta de uma pessoa isolada, mas, em regra, pela atuação de uma grande empresa, com complexa estrutura organizacional, nas quais várias pessoas colaboram — algumas com poder decisório, outras meramente executando ordens, buscando desenvolver a atividade-fim da pessoa jurídica. O procurador aponta que as falhas individuais nas competências de determinadas pessoas são responsáveis pelo resultado e suficientes à demonstração da causalidade pelo aumento do risco.

“É com este paradigma que deve ser analisada a responsabilidade individual nos delitos praticados no seio de grandes empresas, de estrutura complexa, como a Samarco, buscando identificar as pessoas naturais que falharam em suas competências permitindo o rompimento da barragem de Fundão”, pontua o recurso.

Omissão

Para o procurador, diferente do que entendeu o juízo de primeira instância, o MPF teve êxito em comprovar que todos os réus, na posição de garantidores, omitiram-se e que as suas omissões incrementaram o risco da operação da barragem, levando aos resultados lesivos ao meio ambiente e às populações atingidas.

No recurso, o MPF rebate todas as premissas que foram, no entendimento do órgão, equivocadamente construídas e levaram à incorreta absolvição dos denunciados, como:

  • o recuo do eixo da barragem, com sucessivos alteamentos sobre região menos estável (lama), por tempo excessivo, foi uma das causas para o rompimento da barragem de Fundão;
  • os gerentes da Samarco denunciados foram omissos ao não preencherem o recuo, após recomendação expressa dos consultores, mas, “inexplicavelmente”, como afirma o MPF, a decisão de primeira instância aponta que não haveria nexo de causalidade entre a omissão e a não evitação dos resultados danosos.

“Em outras palavras, a sentença afirmou a causalidade e a imputação objetiva, mas, na sequência, contrariando sua fundamentação, negou a causalidade”, defende o MPF.

Além disso, o MPF lista 22 pontos que demonstram a omissão dos acusados ao longo dos anos, como a não realização dos estudos de suscetibilidade à liquefação; o aparecimento de trincas; a construção de berma de equilíbrio subdimensionada; e a não retificação do eixo de um dos diques da barragem, recomendados por um grupo de especialistas que avalia tecnicamente e de forma independente as estruturas de armazenamento de rejeitos e das barragens.

“Por tudo isso, resta demonstrado que a paralisação ou desativação da barragem tão logo quando percebidos seus problemas estruturais (ou mesmo a retificação do eixo e a construção de uma berma mais robusta, calculada a partir de metodologia que considera a condição não drenada, como sugere a sentença) evitaria ou mitigaria, com uma probabilidade próxima da certeza, o resultado, ou ao menos, o adiaria”, aponta o recurso.

O recurso também abordou outras questões, como a anulação das declarações pré-processuais prestadas pelo projetista da barragem de Fundão. No entendimento do MPF, a anulação foi injustificável. Outra questão foi a aplicação do princípio da consunção (conceito jurídico do direito penal que estabelece que, em situações de dois crimes relacionados, um pode absorver o outro) na relação entre os crimes de poluição e o de danos à unidade de conservação, ambos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), uma vez que o MPF julga incabível a análise em abstrato, tal como se deu na sentença.

Responsabilidade penal

No que se refere à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, o MPF defende, em seu recurso, a aplicação da teoria da autorresponsabilidade, que considera que a empresa possui culpabilidade própria, permitindo a responsabilização da pessoa jurídica de forma independente da responsabilização ou não das pessoas naturais envolvidas.

O MPF pede a reforma da sentença e a condenação dos réus por diversos crimes ambientais e outros relacionados à gestão de risco. Os crimes incluem poluição ambiental, destruição de fauna e flora, e causar dano à saúde humana ou ao meio ambiente, com agravantes devido à negligência e omissões que levaram ao rompimento.

Os dois diretores e os três engenheiros da Samarco denunciados respondem por crimes como poluição qualificada e destruição de recursos naturais. Já as empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e Vogbr Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda, além de um engenheiro da Vogbr, são acusados do crime de emissão de laudo ambiental falso e de terem responsabilidade por danos ambientais.

As empresas Samarco Mineração S.A., Vale S/A e BHP Billiton também respondem pela prática de poluição ambiental, destruição de ecossistemas e atos que resultaram em grave risco à saúde e à segurança pública. O MPF reforça ainda a incidência de agravantes devido à gravidade das omissões, aos danos em larga escala e à violação de normas ambientais.

Na consulta processual é possível acompanhar a Ação Penal nº 0002725-15.2016.4.01.3822.

* Com informações do MPF.